O Globo
Brasil enfrenta gargalos profundos: baixo
índice de resolução de crimes, excessiva sensação de impunidade
Durante décadas, a segurança pública foi
tratada como tema secundário, embora seja, há anos, a principal preocupação da
população brasileira. O medo da violência molda rotinas, influencia eleições e
destrói vidas. Agora, finalmente, o país parece disposto a discutir o tema de
frente — com a PEC da Segurança Pública e a Lei Antifacção reacendendo o debate
sobre como proteger melhor a sociedade e restaurar a confiança nas
instituições.
É preciso foco e paciência. A segurança não se resolve com discursos inflamados nem com medidas apressadas. O Brasil enfrenta gargalos profundos: o baixo índice de resolução de crimes, a excessiva sensação de impunidade e leis brandas, muitas vezes mal aplicadas pelo sistema de Justiça. Apenas uma resposta articulada entre polícia, Ministério Público, Judiciário e sociedade civil pode romper esse ciclo.
A PEC da Segurança Pública busca dar
estrutura e coordenação ao setor, tornando-o prioridade de Estado e criando um Sistema
Único de Segurança Pública para integrar União, estados e municípios, além de
valorizar as carreiras policiais e planejar ações de longo prazo. A Lei
Antifacção visa a enfraquecer o crime organizado, permitindo a transferência de
líderes de facções para presídios federais, restringindo sua comunicação
externa e reforçando a cooperação entre as forças de segurança, bem como a
punição de quem financia ou apoia essas organizações.
Somente com segurança jurídica no âmbito
penal poderemos colher frutos reais na sociedade. Uma pessoa livre do medo, que
não precisa se preocupar com o caminho de volta para casa, é mais feliz, mais
produtiva e contribui muito mais para o bem coletivo. A segurança pública
precisa, portanto, ser pensada como projeto de nação, e não como um slogan de
campanha.
Apesar de serem um bom sinal, é importante
observar que ambas as medidas são essencialmente repressivas e, se não forem
acompanhadas de políticas sociais robustas de prevenção, voltadas para educação
e geração de emprego, estaremos apenas enxugando gelo.
O incentivo inibitório é importante, mas
aquele que busca criar comportamentos positivos é ainda mais. No livro
“Essencialismo”, Greg McKeown conta um caso interessante de incentivos em
políticas públicas, ocorrido a partir da mudança de mentalidade adotada pela
polícia de Richmond, no Canadá, liderada por Ward Clapham. Em vez de apenas
punir jovens quando cometiam infrações, a polícia passou a recompensar
comportamentos positivos — como jogar lixo na lixeira, usar capacete, chegar no
horário à escola ou ajudar alguém.
Em vez de multas ou punições financeiras,
havia vales de recompensa, como ingressos para o cinema ou atividades de lazer.
A lógica era simples: reforçar o comportamento desejado antes que o crime
acontecesse, invertendo o tradicional modelo punitivo. O resultado foi
impressionante: a reincidência criminal caiu de 65% para 8% ao longo de cerca
de dez anos.
O Brasil está diante de uma oportunidade
histórica — transformar o medo em ação concreta e racional. Se houver seriedade
e perseverança, poderemos começar a construir um país em que a segurança
pública — e jurídica — seja pilar de uma sociedade mais justa e confiante.

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