segunda-feira, 17 de novembro de 2025

Boas intenções não são suficientes para produzir mudanças na representação política, por Lara Mesquita

Folha de S. Paulo

Reformas eleitorais não devem desconsiderar ação e estratégia partidária

Mudanças exigem diagnóstico preciso do problema, análise da experiência internacional e compreensão das regras

Pesquisas de opinião sobre confiança nas instituições políticas e sociais brasileiras são unânimes ao indicar que partidos políticos e o Congresso Nacional figuram entre aquelas com menor credibilidade. A pesquisa mais recente sobre o tema, publicada em setembro pela Quaest, mostra que apenas 36% dos brasileiros confiam nos partidos e 45% confiam no Congresso.

A baixa confiança nas instituições é mais um sintoma da insatisfação com a representação política e com a própria democracia. Esse fenômeno não é exclusivo do Brasil e ocupa posição central no nosso debate público.

Dirigentes políticos não são indiferentes ao descontentamento e buscam medidas para reduzir esse mal-estar.

Uma das mais recentes foi aprovada em 2021, no escopo da emenda constitucional 111, que determinou que, para fins de distribuição dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, os votos dados a candidatas mulheres ou a candidatos pretos e pardos contariam em dobro entre 2022 e 2030.

Meus colegas da FGV Thiago Fonseca, Débora Thomé e João Victor Guedes-Neto estudaram os efeitos dessa medida. Eles lembram um ponto básico: partidos existem para disputar eleições e eleger representantes.

Logo, usarão todos os incentivos institucionais disponíveis, mas sempre preservando o potencial de maximizar a quantidade de cadeiras nas casas legislativas, especialmente na Câmara dos Deputados.

O desempenho nessa Casa pesa no cálculo da cláusula de desempenho, que define o acesso aos recursos públicos, além de sua centralidade na elaboração e aprovação de leis de interesse nacional.

O estudo utiliza dados das eleições legislativas federais e estaduais entre 2006 e 2022. Os autores construíram subamostras para estimar efeitos entre candidatos competitivos e não competitivos, definidos pela proximidade em votos em relação ao último eleito de cada lista.

Como os incentivos se aplicam apenas aos votos recebidos por candidatos à Câmara em 2022, as eleições estaduais serviram como controle.

Os resultados indicam que os incentivos aumentaram o total de votos dos partidos, mas não se traduziram em maior sucesso eleitoral para mulheres ou pretos e pardos. Os votos dados a mulheres cresceram 4,4%, e os recursos destinados às suas campanhas aumentaram 12%.

No caso dos candidatos negros, houve aumento no número de postulantes, mas não no financiamento recebido ou na quantidade de votos. O percentual de mulheres e de negros eleitos permaneceu praticamente inalterado.

Os partidos direcionaram recursos adicionais sobretudo às candidatas mulheres que obtiveram votos correspondente apenas até 10% da votação do último candidato eleito na lista. Essa estratégia permitiu aumentar votos sem arriscar as cadeiras ocupadas por quadros estabelecidos e experientes.

Esse é mais um exemplo de que boas intenções não são suficientes para produzir mudanças substantivas na representação política. Reformas eleitorais exigem diagnóstico preciso do problema, análise da experiência internacional e compreensão profunda das regras que organizam a competição.

No fim, a ambição partidária continua sendo vencer eleições, ocupar cargos, controlar recursos e influenciar a agenda pública.

 

Nenhum comentário: