domingo, 27 de março de 2011

No mar, de novo:: Míriam Leitão

Não é, como bem sabemos, a primeira vez que Portugal está endividado e sem governo. O jornal "Financial Times" sugeriu, em aberta provocação, que o país se torne um dos estados brasileiros.

De novo, com antecedentes históricos: os ingleses incentivaram um evento assim há 203 anos. Portugal tem números assustadores e é mais uma pedra que cai no caminho da Europa.

O que de novo é triste é que o país passou por um momento de prosperidade que produziu um salto nos últimos 20 anos. E agora se afunda numa conjuntura de difícil saída. Para ser resgatado, precisará pedir ajuda à Europa e ao FMI que pode chegar a 50% do PIB; para ter essa ajuda, precisará aprovar um programa de ajuste, que semana passada foi rejeitado levando à queda do primeiro-ministro José Sócrates.

Portugal é pequeno para o tamanho da Europa, mas sua capacidade de contágio é grande. A Espanha, que tem também seus próprios problemas, está exposta ao risco português. Além disso, ele será o terceiro país a precisar de socorro depois de Grécia e Irlanda.

Quem viveu os anos 1980 na América Latina sabe o fim da história: terminará havendo um grande processo de renegociação da dívida de um grupo de países europeus, com a ajuda dos países centrais, como a Alemanha, e perdas para os credores e dor para a população.

A saída nunca é fácil. O PIB português é de US$247 bilhões, a 50ª economia do mundo, menos da metade do PIB do estado de São Paulo. A população é um pouco menor do que a do estado do Rio. Atualmente, o nível de endividamento das famílias supera 100% do PIB, porque houve muito incentivo ao crédito imobiliário, e os imóveis caíram 30% em relação aos níveis de 2008. Há brasileiros aproveitando os altos preços aqui e comprando imóveis no país. A dívida pública é 87% do PIB, mas com vencimentos pesados a curto prazo.

Como o mercado acha que o país não conseguirá fazer o ajuste necessário, tem pedido juros cada vez mais altos, em 7,7% de taxa e isso leva a rebaixamentos das agências de risco, elevando mais os juros: um círculo vicioso que o Brasil conheceu bem nos seus momentos de alto endividamento externo. O empresário português Jaime Gomes, do setor farmacêutico, conta o clima do país: - A situação não está fácil, os impostos estão elevadíssimos. Os bancos estão endividados, como o governo, e por isso há pouco crédito e com spreads altos. As empresas não conseguem empréstimos.

O desemprego está mais alto que nunca, em 11%. A entrada na Zona do Euro foi demasiado boa para o país. Criou uma ilusão tanto para o governo quanto para a população. Foram concedidos muitos benefícios salariais, de aposentadorias, além de saúde e educação de graça. Estímulos insustentáveis que elevaram o déficit público. Foram dados estímulos à compra de imóveis com juros baixos na época da bonança. Neste momento, Portugal já está sob intervenção internacional, embora não admita. É um embuste para enganar as pessoas.

Os economistas ouvidos aqui no Brasil apontam que é o mesmo caso da Grécia. Com um déficit comercial de US$22 bilhões, pouca competitividade, o país precisaria desvalorizar sua moeda para exportar mais. Amarrados ao euro, que lhes deu crescimento e sensação de prosperidade, eles agora não têm o recurso da desvalorização.

A ajuda da Europa nos anos 90 e a moeda comum a partir de 2002 elevaram a situação social e econômica do país, mas agora o euro virou camisa-de-força. Paulo Elísio de Souza, presidente da Câmara Portuguesa de Comércio do Rio de Janeiro, conta outra semelhança com o caso grego: - Temos uma crise econômica que virou crise política.

O governo precisava aumentar a arrecadação e subiu impostos. Isso virou queda de produção. O governo tomou medidas que reduziram salários e aposentadorias. Os salários dos servidores sofreram quedas de até 10%. O povo sentiu e foi para as ruas protestar. Os analistas dos bancos dizem que a queda do governo era um risco no radar. No ano passado, a oposição ameaçou votar contra, mas no fim aprovou o primeiro pacote de medidas.

Na semana passada, um novo pacote foi derrubado no Parlamento, e o primeiro-ministro renunciou. O problema é que o pacote de ajustes é a exigência para o socorro internacional BCE-FMI. E está cada vez mais difícil cumprir qualquer promessa. Só em abril, vencem 5,3 bilhões; em junho, 6,9 bi, até o fim do ano, 23,6 bilhões.

No ano que vem, outros 21 bi. A população está envelhecida: apenas 16% têm menos de 15 anos; e acima de 65 anos são 20% da população. O déficit público está acima de 8%, segundo a Eurostat. A pauta de exportação é pequena e o país não tem vitalidade econômica. Numa história de grandes feitos e colapsos, de riquezas súbitas e dívidas desmoralizantes, Portugal vai de novo atravessar o mar salgado do empobrecimento. E os credores são implacáveis quando o devedor está se enfraquecendo.

Os economistas brasileiros e os relatórios das empresas de auditoria dizem as mesmas coisas: medidas profundas de austeridade, para reconquistar a confiança dos bancos que financiam a dívida, para assim reduzir o custo de carregamento. O sonho de país europeu próspero cobra uma conta amarga. Em vez de falar de mais um relatório de banco ou empresa de risco de crédito, melhor é ler Fernando Pessoa: "Talvez que amanhã/Em outra paisagem/Digas que foi vã/Toda essa viagem/Até onde quis/Ser quem me agrada?/Mas ali fui feliz/Não digas nada."

A história parece a mesma: a queda de Portugal torna mais difícil a situação da Espanha. O país é pequeno, mas é um novo passo da grande encrenca europeia. Ou como diria, de novo, Pessoa: "Cada um de nós é uma sociedade inteira." Não há pequenos países no mundo conectado de hoje.

FONTE: O GLOBO

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