quarta-feira, 21 de março de 2018

Pedro Ferreira e Renato Fragelli: Eleições e as reformas que o país precisa

- Valor Econômico

No início da década de 2010 era necessário uma nova rodada de reformas, mas veio a Nova Matriz Econômica

Beneficiado por um quadro internacional de ampla liquidez, o Brasil começa a sair do buraco a que foi levado pelo voluntarismo desinformado de Dilma Rousseff. Sem as reformas de que necessita, o país tem recebido dos mercados um voto de confiança com data marcada para acabar: janeiro de 2019. Há motivos para esperança?

Desde 1980, o Brasil perdeu o rumo em termos de crescimento econômico. Nesse período, a renda per capita cresceu somente 0,7% ao ano. O crescimento do produto por trabalhador foi ainda mais lento, de apenas 0,3% ao ano. O que permitiu um crescimento da renda per capita acima da produtividade do trabalho foi a transição demográfica, que elevou a fração dos brasileiros em idade ativa ao ritmo de 0,4% ao ano. O que cada trabalhador produziu a mais a cada ano avançou muito pouco, mas o número de trabalhadores cresceu mais rapidamente do que o de habitantes. Entretanto, a partir de 2030, a fração dos brasileiros que trabalham começará a diminuir. Isso significa que, se o ritmo de crescimento da produtividade permanecer baixo, a renda per capita tenderá à estagnação.

O desenvolvimento econômico consiste essencialmente no aumento da produtividade média do trabalho. Esta é tão mais elevada quanto: 1- maior for a qualificação média dos trabalhadores, medida pelo número de anos de estudo e a qualidade do ensino; 2- mais elevada for a quantidade de capital disponível, em média, por trabalhador, medida por indicadores como máquinas, computadores, infraestrutura de transporte, etc. e; 3- mais favoráveis ao bom funcionamento dos mercados forem os incentivos embutidos nas regras do jogo econômico - caracterizadas, por exemplo, por uma legislação que estimule o empreendedorismo em vez do oportunismo, cooperação em vez do conflito, além de impostos em nível razoável, Justiça imparcial e rápida, e boa regulação.

O Brasil errou muito nos três itens acima. O país despertou para a importância da educação tardiamente. A universalização do Ensino Básico ocorreu somente nos anos 1990, mesmo assim com qualidade média sofrível, e o Ensino Médio apresenta taxa de evasão elevadíssima. A acumulação de capital esbarrou em juros altos e crédito concentrado no curto prazo, devido a uma cronicamente baixa taxa de poupança. Esta decorre do desestímulo a poupar embutido num programa previdenciário que assegura, à maioria dos trabalhadores da economia formal, renda integral e prematura na velhice; e àqueles que atuam na informalidade, uma renda de (no mínimo) um salário mínimo, mesmo não tendo contribuído para isso.

Quanto às regras do jogo econômico, o Estado preservou privilégios de minorias organizadas em detrimento dos interesses da maioria difusa e desorganizada, bem como criou um cipoal de regras, burocracias e impostos que prejudicam enormemente o dia a dia dos negócios.

A história econômica oferece lições claras quanto ao avanço da produtividade. Uma delas é que há uma imensa defasagem temporal entre o doloroso plantio, sob forma de reformas que desagradam grupos de pressão organizados, e a colheita dos frutos que beneficia a maioria da população. Isso leva as democracias menos maduras a adiar perigosamente mudanças imprescindíveis.

No início da década de 1990, o governo Collor adotou uma abertura comercial unilateral que irritou industriais nacionais acostumados, desde o início da industrialização, a tarifas de importações exorbitantes. Em meados dos anos 1990, a inflação foi finalmente reduzida a um dígito anual, e diversas reformas microeconômicas modernizantes foram implantadas no governo FHC, a despeito da acirrada oposição de diversos grupos que se beneficiavam das ineficiências ligadas às empresas privatizadas.

As reformas da década de 1990 impulsionaram a produtividade na década seguinte. Mas os frutos foram colhidos por um presidente que, quando na oposição, havia combatido acirradamente as reformas que beneficiariam futuramente seu governo. A abundância de recursos daqueles anos poderia ter viabilizado, por exemplo, a criação de um IVA em alíquota única nacional, pois o governo federal tinha meios para compensar os Estados que se opunham à mudança. Outras reformas, como o estabelecimento de uma idade mínima para a aposentadoria, poderiam ter sido introduzidas. Mas optou-se por um programa nacionalista calcado, entre outras coisas, num recurso natural finito e poluente.

No início da década de 2010, não havia mais o que colher. Era necessário implantar uma nova rodada de reformas. Mas optou-se pela malfadada Nova Matriz Econômica, que destruiu 10% da renda per capita e custou a cadeira presidencial de sua mentora. O governo de transição, instalado em maio de 2016, deu uma virada de 180 graus. No lugar do experimentalismo, resolveu copiar o que dá certo em outros países. Os resultados são visíveis. A inflação caiu abaixo da meta e a recuperação de renda e emprego está em andamento. Mas a perpetuação desse processo virtuoso permanece incerta devido ao desequilíbrio fiscal.

Entre alguns dos candidatos com chances de chegar ao segundo turno, temas espinhosos como a reforma da previdência começam a ser abordados. Entretanto, outros candidatos evitam o tema ou são hostis a qualquer reforma. A experiência do estelionato eleitoral de 2014, em que a vencedora das eleições ganhou perdendo, tendo sido forçada a adotar um programa oposto ao que havia defendido na campanha presidencial - e acabou expulsa - ensinou alguma coisa aos políticos tupiniquins, embora não a todos.

Alguns ainda fingem não ver a estagnação estrutural e o insustentável quadro fiscal do país. Se eleitos, terão que abandonar suas promessas de campanha, repetindo quem sabe a trajetória de Dilma Rousseff. Ou adiar as reformas, aumentando tributos, por exemplo, e insistindo no atraso. Melhor seria se encarassem, desde já, os sérios problemas do país.
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Pedro Cavalcanti Ferreira é professor da EPGE-FGV e diretor da FGV Crescimento e Desenvolvimento.
Renato Fragelli Cardoso é professor da EPGE-FGV.

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