Eventual mudança no entendimento do STF beneficiaria Lula e outros investigados
Mônica Bergamo, Reynaldo Turollo Jr. e Letícia Casado | Folha de S. Paulo
BRASÍLIA E SÃO PAULO - A reunião prevista para esta terça-feira (20) para discutir o impasse criado no STF (Supremo Tribunal Federal) em torno da prisão de condenados em segunda instância não aconteceu e evidenciou a dificuldade de diálogo e o racha no Supremo.
O tema interessa à defesa do ex-presidente Lula, condenado em janeiro a 12 anos e um mês de prisão pela segunda instância da Justiça Federal por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex em Guarujá (SP). Além de Lula, eventual mudança no entendimento do STF beneficiaria outros investigados na Operação Lava Jato.
Nesta quarta (21), o plenário da corte se reúne para a sessão de julgamentos e para uma reunião administrativa, que já estava marcada.
Há a possibilidade de algum ministro se manifestar sobre o assunto ou levantar uma questão de ordem apontando a conveniência de julgar as ações que tratam do assunto. Conforme revelou a Folha, o ministro Marco Aurélio Mello deve apresentar uma questão de ordem na sessãodo tribunal para que a questão seja pautada imediatamente por Cármen Lúcia, presidente da corte.
A saída passou a ser considerada depois que a ministra se mostrou inflexível em não pautar o tema, evitando inclusive discutir com os colegas uma saída para o impasse —pelo menos cinco ministros defendem abertamente a revisão da regra.
As duas ADCs (ações declaratórias de constitucionalidade) que tratam do tema são de relatoria do ministro Marco Aurélio e foram liberadas para julgamento em dezembro, mas Cármen Lúcia não as incluiu na pauta de março nem de abril.
Uma ala dos ministros, incluindo Marco Aurélio, quer que o mérito das ações seja julgado logo, para que o Supremo dê uma palavra final sobre a execução provisória da pena e uniformize o entendimento nos julgamentos de habeas corpus, que hoje têm resultados diferentes a depender de quem os relata.
Celso de Mello não descarta mencionar o impasse em discurso. Como ministro mais antigo do tribunal, suas palavras costumam ter peso entre os colegas. Já Marco Aurélio cogita apresentar uma questão de ordem nesta quarta pedindo o julgamento das ADCs.
A presidente do STF havia anunciado na segunda (19), em entrevista a uma rádio de Minas, que haveria uma reunião informal entre os ministros, solicitada por Celso de Mello. Mas ao longo do dia os ministros declararam à imprensa que não foram convidados para o encontro.
Por horas, nem a assessoria de Cármen Lúcia nem a de Celso de Mello souberam dar informações sobre tal reunião, até que o decano se manifestou no meio da tarde.
“Se não houve convite pela presidência, isso significa que ela [Cármen Lúcia] não se mostrou interessada [em conversar]”, disse.
A assessoria de Cármen Lúcia informou, por outro lado, que ela aceitara o convite de Mello para uma reunião informal com os colegas, mas em nenhum momento ela entendeu que deveria ter feito os convites.
O decano disse que, na última quarta (14), sugeriu uma conversa entre os ministros para poupar Cármen Lúcia de uma cobrança pública que seria feita em plenário. Para ele, é incorreto dizer que há pressão sobre a ministra.
“Eu apenas me reuni com a presidente para evitar que na quinta-feira [15] houvesse cobrança pública dirigida a ela em sessão plenária. Para evitar que a presidente sofresse, digamos, uma cobrança inédita na história do Supremo que eu ponderei aos colegas que seria importante uma discussão interna”, disse.
Segundo Mello, a cobrança pública poderia ser, por exemplo, uma questão de ordem pedindo o julgamento das ações sobre prisão em segundo grau. “Talvez uma questão de ordem. Mas isso nunca aconteceu na história do Supremo. Ao menos nos quase 29 anos que estou aqui”, afirmou.
Na visão de alguns ministros que queriam a conversa, a presidente concordou com a ideia, mas, para surpresa deles, antes do tal encontro ela deu entrevista à GloboNews reafirmando sua decisão de não pautar o tema de maneira alguma. Eles disseram considerar que caíram em uma armadilha.
De um lado, Cármen é contra rever um entendimento firmado recentemente (em 2016), o que causaria insegurança jurídica e, em última análise, poderia gerar impunidade. De outro, colegas consideram que o Supremo não pode negar jurisdição, ou seja, deixar de se posicionar quanto é provocado.
Um dos julgamentos previstos para esta quarta é sobre as conduções coercitivas —barradas no momento por liminar de Gilmar Mendes. Alguns dos advogados que atuam nesse processo são os mesmos que têm interesse na ação sobre prisão em segunda instância. Desse modo, se o plenário decidir julgar as ações, os interessados já estarão no plenário.
À tarde, um pequeno grupo de manifestantes protestou em frente ao STF. A maioria pedia para Cármen Lúcia resistir e não pautar a discussão, mas havia uma fração menor de militantes contrários à prisão de Lula.
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