Por Raymundo Costa e Maíra Magro | Valor Econômico
BRASÍLIA - A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está no centro das desavenças entre os ministros do Supremo Tribunal Federal sobre o encarceramento de pessoas condenadas em segunda instância. Não há consenso no STF sobre a revisão da jurisprudência estabelecida nesse sentido em 2016. Até então, a regra era após o trânsito em julgado, ou seja, após ser cumprido um longo roteiro judicial, muitas vezes até o Supremo. Hoje, parece tendência na Corte deixar a prisão para depois do julgamento na 3ª instância. Difícil será o STF convencer a população de que não tomou essa decisão para beneficiar o ex-presidente Lula.
Os ministros pretendem apresentar hoje uma questão de ordem para forçar a presidente da Tribunal, Cármen Lúcia, a pautar a discussão do tema. Ontem estava prevista uma reunião fechada com esse objetivo, no gabinete de Cármen, mas o encontro não se realizou em meio a uma troca de responsabilizações sobre quem teria a atribuição de convidar os colegas. O decano da Corte, Celso de Mello, de quem partiu a ideia da reunião interna, culpou Cármen por não ter convidado os demais ministros. Já a presidente afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que "em nenhum momento entendeu que deveria fazer os convites".
Celso de Mello disse que se reuniu com a presidente para evitar que houvesse uma cobrança pública dirigida a ela em sessão plenária. Essa cobrança seria por sua recusa em pautar duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) que discutem a execução antecipada de pena. Na semana passada, ministros já discutiam a possibilidade de apresentar uma questão de ordem para discutir o posicionamento de Cármen Lúcia.
"Exatamente para evitar uma exposição indevida da presidente, para evitar que a presidente sofresse uma cobrança inédita na história do Supremo, é que eu ponderei aos colegas que seria importante uma discussão interna", afirmou Celso de Mello.
Partidarização é má conselheira dos juízes
A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está no centro das desavenças entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o encarceramento de pessoas condenadas em segunda instância. Há um congestionamento de habeas corpus genéricos que até agora o Supremo não se preocupou em julgar - o assunto só ganhou urgência graças ao iminente aprisionamento de Lula, já condenado em dois juízos, o que pode ocorrer a qualquer momento.
Não existe consenso no tribunal sobre a revisão de uma jurisprudência estabelecida no tribunal em 2016 - basta a condenação da segunda instância para o réu ser preso. Até então a regra era o trânsito em julgado, ou seja, após ser cumprido um longo roteiro judicial, muitas vezes até o STF. Hoje parece tendência do tribunal deixar a prisão para depois de julgamento na 3ª instância. Difícil será o STF convencer as pessoas de que não tomou essa decisão para beneficiar Lula.
Os ministros favoráveis à mudança primeiro pensaram numa via tortuosa: julgar a meia dúzia de habeas corpus genéricos em tramitação - são aqueles que, entre outras medidas processuais, discutem a execução da pena após o julgamento da segunda instância.
Se a maioria do tribunal mudar sua maneira de pensar, o que é discutível mas esperado, Lula então pediria a extensão da medida. Ia parecer uma manobra a favor de Lula. Mas se julgar primeiro o habeas corpus do ex-presidente, a recíproca é mais que verdadeira: outros condenados da Lava-Jato (é disso que se trata) poderiam requerer a extensão. E é aí que reside o perigo e enche o Supremo de pavor: pavimentar a estrada que leva à liberdade presos como o ex-deputado Eduardo Cunha, para citar apenas aquele pintado como o corrupto nº 1 do país.
Mudar o entendimento sobre a prisão após julgamento da segunda instância, na realidade, abre a porteira do "acordão" que a longo prazo pode "estancar a sangria da Lava-Jato", como declarou o presidente do MDB, Romero Jucá (RR). Livrar Lula agora da prisão pode significar uma descida de rampa mais tranquila para Michel Temer no primeiro dia de 2019.
Para o PT é importante manter o ex-presidente fora da cadeia. Atualmente, o ex-presidente tem algo em torno dos 18% das intenções espontâneas de voto, segundo as pesquisas. Se conseguir transferir 70% desse percentual, pode deixar um eventual poste do PT às portas do segundo turno na eleição. A prisão, mesmo em se tratando de Lula, deve ampliar a corrosão da imagem do ex-presidente. Solto, Lula não será candidato - por ter caído na Lei da Ficha Limpa - mas poderá fazer campanha.
O projeto original do PT continua sendo colocar a foto e o nome de Lula na urna eletrônica, o que é possível diante da amplitude de recursos judiciais à disposição do ex-presidente. Mas talvez o PT tenha que rever o plano de caravanas e manifestações de rua - a recepção que Lula teve no Rio Grande do Sul acendeu o sinal de alerta. Não há manifestação sendo convocada para a sessão de hoje do STF. A sonolência das redes sociais, por outro lado, parece indicar que os prédios públicos de Brasília, por enquanto, estão a salvo do fogo e da destruição espalhados nas celebres "jornadas de junho" de 2013.
A lição que fica do vai-e-vem do STF é que a partidarização é má conselheira dos juízes. E que o melhor é decidir, seja a favor ou contra Lula. Nunca se deve esquecer que o AI-5 começou justamente pela suspensão do habeas corpus.
STF deve discutir hoje questão de ordem para pautar prisão em 2ª instância
Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) devem apresentar esta tarde uma questão de ordem para forçar a presidente da Corte, Cármen Lúcia, a pautar a discussão sobre a prisão após a condenação em segunda instância. A iniciativa pode partir de Marco Aurélio Mello, relator de duas ações diretas de constitucionalidade (ADCs) sobre o assunto. A questão de ordem contra a recusa de um presidente em pautar o tema, inédita no tribunal, ocorre na iminência da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Ontem estava prevista uma reunião fechada, no gabinete de Cármen Lúcia, para tratar da possibilidade de pautar as ações. O encontro acabou naufragando em meio a uma troca de responsabilizações sobre quem teria a atribuição de convidar os colegas.
O decano da Corte, Celso de Mello, de quem partiu a ideia da reunião, culpou Cármen Lúcia por não ter convidado os demais ministros. Já Cármen Lúcia afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que "em nenhum momento entendeu que deveria fazer os convites". Ela disse que foi questionada por Celso de Mello na semana passada se aceitaria participar de reunião com alguns ministros, quando respondeu que "teria todo o gosto em recebê-los".
Celso de Mello contou outra versão: "Eu apenas me reuni com a presidente para evitar que, já na quinta-feira, houvesse uma cobrança pública dirigida a ela em sessão plenária." A cobrança seria justamente pela recusa de Cármen Lúcia em pautar as duas ações declaratórias de constitucionalidade que discutem a execução antecipada da pena. Marco Aurélio, relator, liberou as ADCs para julgamento em dezembro e, desde então, vem defendendo publicamente que os processos sejam levados ao plenário.
Assim como Celso de Mello, ele defende que a prisão só pode ocorrer após esgotados os recursos na última instância do Judiciário. Já Cármen Lúcia é a favor da prisão após a decisão de segundo grau.
Nas últimas semanas, ministros vêm articulando uma forma de iniciar a discussão no plenário apesar da recusa de Cármen Lúcia em pautá-lo. Na quinta-feira passada, como revelou o Valor com exclusividade, já havia a expectativa de que Marco Aurélio levantasse a questão de ordem.
Celso de Mello explicou ontem: "Exatamente para evitar uma exposição indevida da presidente, para evitar que a presidente sofresse uma cobrança inédita na história do Supremo, é que eu ponderei aos colegas que seria importante uma discussão interna, simplesmente para uma troca de ideias e nada mais."
O decano contou que sugeriu a reunião interna durante um encontro em seu gabinete, na noite de quarta-feira passada, do qual participaram Cármen Lúcia e o ministro Luiz Fux. Segundo ele, Cármen Lúcia disse que não poderia se reunir na semana passada, por isso a data teria sido marcada para ontem. No encontro, disse ele, combinou-se que Cármen Lúcia convidaria os integrantes do tribunal.
"Combinou-se na data de hoje [ontem], mas dependendo de um convite a ser formulado por ela, de modo informal. Sendo um encontro no gabinete da presidente, caberia à presidente formular esse convite", disse o ministro. Para ele, como não houve esse aceno por parte da presidente, "isso significa que ela não se mostrou interessada".
A reunião fechada foi confirmada publicamente por Cármen Lúcia na segunda-feira de manhã, em entrevista à Rádio Itatiaia, de Minas Gerais. Depois, à noite, em entrevista à GloboNews, a ministra voltou a dizer que não se submete a pressões e que não irá pautar as ações sobre a prisão em segunda instância. A conduta gerou mal-estar entre alguns integrantes do STF. Ontem, na entrada da sessão das turmas, os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Luís Roberto Barroso afirmaram que não haviam sido convidados para a reunião mencionada por ela.
Com o fracasso de uma saída interna, a Corte se volta novamente para uma solução que envolverá pressionar Cármen Lúcia, por meio de um recurso jurídico, a colocar o tema em pauta. Para Celso de Mello, não se trata de questionar a atribuição da presidente de elaborar a pauta de julgamentos do STF. "Respeito o exercício, pela presidência do Supremo, do seu poder de agenda. Esse é um poder inquestionável da presidente do Supremo. O que nós queremos é apenas uma ponderação para que haja julgamento", afirmou.
Segundo o decano, o julgamento deve ocorrer para chegar a uma solução definitiva, independentemente de se mudar a jurisprudência ou não. Isso porque, em 2016, a discussão ocorreu em liminar (pedido provisório). Se um novo julgamento ocorrer, a expectativa é que a Corte reverta o placar atual que permite a prisão em segunda instância.
A fala do decano do STF tem um peso institucional. Por isso, a queda-de-braço com Celso de Mello significou um revés internamente para a presidente do STF. Também ontem, o ministro Edson Fachin rejeitou os embargos declaratórios apresentados nas duas ADCs. Ele afirmou novamente, em sua decisão, que cabe a Cármen Lúcia colocar as ações em pauta. Fachin foi o relator dos embargos porque deu o voto vencedor durante as discussões das liminares, em 2016.
Nenhum comentário:
Postar um comentário