- Portal PPS
Por tudo de libertador, humanamente elevado e heroico que Marielle encarna e simboliza, sua execução bárbara e a de seu motorista Anderson é uma das piores afrontas à nossa democracia. Concentra num momento breve, e assim realça, o quotidiano surdo da brutalidade, da lei do mais forte, que a todo tempo submete amplas camadas do povo brasileiro em sua secular história de opressão.
Passados mais de 30 anos das lutas que culminaram na Constituição de 1988, no fundo se trata da mal resolvida questão democrática. Não se consolidaram e menos ainda avançaram as inegáveis conquistas democráticas daquele pacto constitucional.
De um lado, reproduz-se o contexto histórico de autoritarismo, compadrismo, patrimonialismo, clientelismo, coronelismo, e corrupção, patrocinado pelas forças do atraso, mantendo um povo atemorizado, manipulado, carente de informação e educação, alienado, preso a crenças e valores de séculos passados.
De outro lado, as forças sociais e políticas modernas, herdeiras que são das conquistas de 1988, tem sido incapazes de construir a unidade necessária ao enfrentamento de nosso passivo social histórico.
O erro vem também dos que subestimam a importância decisiva das instituições democráticas que já temos. Tomam-nas como um elemento dado, trazido de um passado autoritário, capturadas irremediavelmente por elites reacionárias e atrasadas, como se não estivéssemos ameaçados por retrocessos maiores. A democracia que temos lhes é meramente instrumental que, ao mesmo tempo, se usa e se repudia. É ferramenta de uma pedagogia da desconfiança, do “nós contra eles”, seja para conduzir o povo atrás de um líder iluminado, seja para apostar no levante popular em algum dia absolutamente indeterminado, que a tudo destrua e refaça numa “outra” democracia.
Mas o Brasil moderno, daquelas mesmas bases sociais, de ampla gente, diversa em comportamentos, valores e opções políticas, anseia por cidadania e direitos plenos para todos, com olhar no futuro e no que há de progressista no resto do mundo.
Temos as lições da obra inacabada da Constituição de 1988. Quebrara-se em seguida a unidade das forças democráticas que nos levara até lá, paralisando desde então seu impulso democrático e reformista. E agora temos a dolorosa lição destas horas em que somos Marielle. Não há saída fora das instituições democráticas que temos. Não há saída fora da cooperação com os agentes do Estado brasileiro. Não há saída sem a unidade de todos os democratas.
---------------------------
Sergio Augusto de Moraes é engenheiro, diretor do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário