- Valor Econômico
Parceria entre Embraer e Boeing já é pauta eleitoral
O presidente Michel Temer e seus principais auxiliares observam com cautela as movimentações da Boeing e da Embraer. Estão em jogo, além dos rumos comerciais de uma das principais empresas do país, os interesses estratégicos do Brasil e o relacionamento entre o governo e os militares. A politização do assunto é vista como um risco no Palácio do Planalto e na Esplanada dos Ministérios, mas algo que tende a se intensificar a cada dia que as eleições de outubro ficam mais próximas.
O governo já havia enviado sinais às duas empresas de que, do jeito que caminhavam, as conversas não chegariam a bom termo no curto prazo. Duas mensagens foram claras: o Brasil precisa de maior clareza de que seus interesses estratégicos e de segurança nacional serão assegurados; e a Boeing é quem deveria ter pressa para apresentar uma boa proposta, pois seus concorrentes globais se movimentam para ganhar mercados.
Sem uma aliança com a Embraer, avaliam as autoridades, a Boeing levará anos para desenvolver novos modelos de aeronaves comerciais e correrá o risco de perder espaço para a Airbus - Bombardier. Já a Embraer tem uma linha de produtos consolidada e complementar ao portfólio da Boeing. Está tocando suas vendas enquanto não há um desfecho nas negociações e uma parceria com a Boeing seria muito lucrativa para seus acionistas, mas não necessariamente atenderia aos interesses do país.
Hoje, o governo não tem a menor disposição de renunciar ao braço militar da Embraer. Quer ter salvaguardas de que essa área seguirá sob controle nacional e o negócio não prejudicará parcerias com outros países. A preocupação imediata é o desenvolvimento e a fabricação dos novos caças da Força Aérea Brasileira, projeto realizado em parceria com a sueca Saab. Ele é considerado fundamental para a renovação dos equipamentos e o aumento da capacidade de operação da Aeronáutica. Os suecos já transmitiram aos seus interlocutores em Brasília a insatisfação com a possibilidade de a bandeira americana ser fincada nas dependências da Embraer, assim como as possíveis consequências do negócio.
Além disso, o Planalto é cético em relação à capacidade de a Boeing transferir tecnologias relevantes à Embraer na área militar. Esse tipo de negócio é suscetível a restrições impostas por congressistas americanos, e pelo menos dois atos já existentes na legislação dos Estados Unidos criariam dificuldades para o compartilhamento e a exportação ao Brasil de armas, munições, softwares e diversos equipamentos de uso duplo - civil e militar.
Desde que surgiram as primeiras informações a respeito das tratativas entre as duas empresas, autoridades do Executivo têm evitado alimentar o noticiário sobre a potencial operação. O Estado brasileiro é detentor de ação de classe especial da Embraer, a qual lhe dá poder para vetar, por exemplo, tentativas de aquisição do controle da empresa. Ou seja, já tem reservado para si um papel de protagonista nas etapas finais da negociação, mas não quer ser apontado como responsável por eventuais vazamentos de informações sensíveis ao mercado e ao eleitor.
Afinal, o negócio já passou a fazer parte da lista de temas explorados na campanha eleitoral. Entre os pré-candidatos a presidente da República, o pedetista Ciro Gomes saiu na frente. Sem dar maiores explicações, como de costume entre candidatos que buscam frases de impacto mas evitam detalhar suas propostas durante campanhas eleitorais, apenas afirmou durante recente evento no Rio de Janeiro que iria reverter um eventual acordo entre a Embraer e a companhia americana. "Eu vou tomar de volta", prometeu.
Governador de São Paulo prestes a deixar o cargo para rodar o Brasil em busca de votos, o tucano Geraldo Alckmin é pressionado em seu Estado natal. Sindicalistas de São José dos Campos e região, onde unidades da Embraer estão instaladas, já entregaram uma carta ao pré-candidato do PSDB contra a iniciativa.
Quando presidente, em 2009, Luiz Inácio Lula da Silva chegou a criticar e cobrar explicações da Embraer por demissões anunciadas sem aviso prévio, depois de a empresa receber recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). No entanto, pelo PT quem até agora mais entrou no debate foi Celso Amorim, ex-chanceler, ex-ministro da Defesa e visto como coringa no partido para as eleições.
Outros pré-candidatos devem ser levados a discutir o assunto. As negociações passam pelo Ministério da Fazenda, do qual o ministro Henrique Meirelles pode sair para tentar suceder o presidente Michel Temer. Isso sem falar no deputado Jair Bolsonaro, militar da reserva detentor de um discurso nacionalista, que já declarou ser favorável a uma parceria entre as duas companhias, se ela beneficiar ambos os lados.
Mesmo que não entre agora na corrida eleitoral, Temer provavelmente precisará comentar novamente o assunto em público e eventualmente explicar por que uma joint venture é considerada uma saída positiva para o Brasil. Ele já declarou que não aceitará a perda de controle da Embraer, mas o avanço das negociações deve recolocar o tema em evidência.
As atenções também se voltarão para a reação dos militares. Integrantes das três Armas consideram a Embraer um ativo estratégico para a segurança nacional e têm assumido missões consideradas fundamentais para esta reta final de mandato, sendo a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro a mais recente.
Do lado civil, o eleitor também tem todo o direito de saber o que os pré-candidatos a presidente da República pensam sobre o assunto. E a experiência do país demonstra que um debate irracional sobre a presença do Estado na economia durante campanhas eleitorais pode inviabilizar discussões profundas e esclarecedoras. O setor de defesa é complexo e sensível demais para ser ignorado ou tratado de forma equivocada por quem quer dirigir o país.
Nenhum comentário:
Postar um comentário