- Folha de S. Paulo
Desacreditar os imunizantes vai ao encontro
do discurso do governo federal
Um experimento singelo tomou as redes.
Diversas pessoas gravaram o seguinte vídeo depois de tomar uma dose
da vacina da Pfizer: colocam algum pequeno objeto de metal na área da
injeção e —inacreditável!— o objeto não cai, fica parado no braço como se uma
força magnética o prendesse.
Em um vídeo particularmente chocante, uma
mulher apoia um celular grande ,com um ímã na parte traseira, nos braços de
seus pais idosos, e o celular fica ali, suspenso.
Seria apenas algo folclórico se não fosse um lado mais sombrio dessa história. No próprio vídeo da moça que prende o celular nos braços dos pais, ela dá a única conclusão possível: “A vacina vem com microchips que são magnéticos”. Ou seja, a vacina da Covid na verdade faz parte de algum plano maligno.
Na realidade, o efeito magnético não
existe. A força que mantém moedinhas e clipes presos no braço não é o
magnetismo, e sim a umidade da pele. Passando um talco na região, o efeito
desaparece. Os vídeos mais mirabolantes são falsificações para conseguir
audiência ou ajudar na causa antivacina. Mas não adianta tentar corrigir a
mentira que já se alastrou.
A maioria das pessoas que se filmaram não
era antivacina. Pelo contrário, era gente que tinha acabado de se vacinar! E
mesmo assim o poder de sugestão da tese oposta —o medinho de algo “estranho”
com as vacinas— se fez confirmar com a maior facilidade.
Na maior parte do tempo, não somos
particularmente racionais. Mesmo quando queremos testar uma hipótese por nós
mesmos, e mesmo quando esse teste é de algo visível e imediato, somos capazes
de viciar nosso juízo e chegar a conclusões erradas.
Sabendo disso, não é de se estranhar que
tantos jurem que foi a cloroquina que os salvou da Covid (ou, em casos mais
extremos e reais, a aplicação
anal de gás ozônio ou a exposição a faíscas de maçarico de solda). As
redes sociais se prestam à volta do curandeirismo.
E quem dera isso fosse o fruto apenas de
milhares de erros inocentes. Não é. Há interesses políticos por trás do
discurso antivacina.
No domingo, o blogueiro bolsonarista Allan
dos Santos disse que o jogador
dinamarquês Christian Eriksen, que teve uma parada cardíaca durante um
jogo, tinha tomado a vacina da Pfizer dias antes. A informação era falsa. Mais
uma vez, um ataque às vacinas baseado em mentiras. Dessa vez, vindo de um dos
principais comunicadores do bolsonarismo.
Desacreditar as vacinas vai ao encontro do
discurso do governo federal. Afinal, Bolsonaro militava contra a vacinação e
propunha a imunidade de rebanho espontânea. Para quem tivesse sintomas graves,
cloroquina. Chegou ao ponto de celebrar a morte
de um voluntário dos testes da Coronavac. Se o assunto era vacina, a única
coisa que importava a Bolsonaro era defender o sacrossanto direito de quem não
queria se vacinar.
Agora o governo federal já corre atrás das
vacinas, mas se algo desse errado com elas isso seria bom para o presidente.
Bolsonaro poderia encher a boca para dizer “não avisei?”.
De maneira geral, toda e qualquer maneira
de desacreditar o conhecimento é bem-vinda, pois contribui para o ataque ao
“sistema” global: à imprensa, à ciência, às leis.
Um presidente como Bolsonaro só se
justifica se o mundo for uma grande conspiração contra o homem comum. Se, ao
contrário, essas instituições tiverem falhas mas forem melhores que as
alternativas propostas pelo bolsonarismo —os vídeos das redes sociais, os posts
de Allan dos Santos, as teorias do chip— daí temos um problemaço em mãos.
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