- O Globo
A Previdência enfrenta uma verdadeira
contrarreforma com decisões judiciais que restabelecem pontos que haviam sido
alterados na reforma aprovada em 2019. Está empatado no STF, por cinco a cinco,
a revisão da aposentadoria com base em recolhimentos antes de 1994. A mudança
pode ter o impacto de R$ 46 bilhões em dez anos, mas o maior problema é que
qualquer cálculo de valores anteriores ao Real é muito trabalhoso por causa da
hiperinflação. Há outras ações em julgamento, como a que permite deixar a
aposentadoria para um menor da família, mesmo que tenha pai e mãe, ou a liminar
que desobriga os cartórios a mandarem informações detalhadas para a
Previdência.
No Brasil, o sistema de aposentadorias não é injusto por acaso. São muitos os caminhos que parecem corretos, mas que acabam sendo usados por quem tem dinheiro para bons advogados. E há neste momento uma ofensiva, em várias frentes, que está reduzindo a economia prevista com a reforma aprovada.
O executivo de uma grande empresa, por
exemplo, entrou com um pedido para se aposentar com pouco mais de 40 anos. Ele
alegava trabalho rural infantil. A prova seria o fato de a família ter um
sítio, no qual ele teria trabalhado. O pedido foi negado porque, descobriu-se,
o pai era funcionário público. Ele já recorreu. É claro que em caso real de
trabalho infantil rural o tempo tem que ser contado, o problema é que o
requerimento tem sido feito por pessoas da classe média e cuja família tinha
sítio para lazer e não como local de trabalho das crianças.
Deixar a pensão para um menor, dependente,
parece também muito justo. Mas o que tem acontecido é que o segurado, que não
tenha um pensionista natural, cria um falso vínculo de dependência com um menor
da família. A lógica está embutida na frase “não vou deixar a aposentadoria para
o governo” e é fruto da distorção de achar que o benefício previdenciário é um
patrimônio a ser deixado para herdeiros. Técnicos do governo identificam muitos
que adotam neto, apesar de a criança ter pais em idade produtiva. Isso foi
proibido na reforma da Previdência, tanto dos civis, quanto dos militares, mas
agora o assunto foi levado ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a Previdência
perdeu. Foram seis votos a favor de restabelecer a legalidade da prática que
tem o nome de “menor sob guarda”. O voto que deu maioria contra o governo foi o
do ministro Edson Fachin. Como ele estabeleceu algumas condições, espera-se
agora o acórdão para ver se há uma modulação que reduza o impacto aos cofres
públicos.
O que mais preocupa o INSS é o assunto
tratado aqui no GLOBO, numa detalhada reportagem de Geralda Doca, na semana passada.
Advogados desenvolveram uma tese — já há oferta desses serviços em anúncios —
que sustenta que o segurado tem o direito de reclamar a revisão da sua
aposentadoria com base nos valores recolhidos antes de 1994, mas apenas se for
para elevar o valor do benefício. O ministro Alexandre de Moraes pediu vista,
na última sexta-feira, quando estava cinco a cinco.
O INSS não tem os valores de salários antes
de 1991. Se tiver que rever, será necessário pegar as carteiras de trabalho de
todos os que reclamarem para digitalizar e fazer os cálculos.
— Seria um trabalho enorme, porque a gente
estima que apareçam seis milhões de requerimentos. Analisar um desses equivale
ao trabalho de avaliar dez pedidos normais de aposentadoria. Terá que ser
manual. É ilógico de ponto de vista econômico, porque calcular os valores da
época da hiperinflação é muito difícil. É injusto do ponto de vista
previdenciário, já que a tese é que a mudança só pode ser para elevar o
benefício e nunca para reduzir — explica uma autoridade.
O CNJ deu uma liminar aos cartórios que, pela
MP do combate à fraude, foram obrigados a mandar informações detalhadas para a
Previdência nos casos de óbito. A liminar os desobriga. Isso está dando uma
subnotificação de mortes. Houve mês no ano passado em que apareceram 80 mil
pedidos de pensão de viúvas ou viúvos, mas os cartórios só notificaram 60 mil
óbitos de segurados.
Correndo atrás de tantas questões, o INSS
deixa de cuidar de quem realmente precisa. Apesar da redução, ainda há fila nos
pedidos de benefício, principalmente de BPC. Todas essas ações judiciais podem
levar a uma verdadeira contrarreforma da Previdência.
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