EDITORIAIS
Uma questão moral
O Estado de S. Paulo
O presidente Jair Bolsonaro participou, no
dia 9 passado, de um culto evangélico em Anápolis (GO). O evento contou com
transmissão ao vivo da TV Brasil, que deveria ser pública, mas, a exemplo do
que acontecia nos governos lulopetistas, tem feito serviços privados – no caso,
divulgar a campanha antecipada de Bolsonaro à reeleição e privilegiar a
religião do presidente. Além da violação de comezinhas normas republicanas, o
evento ensejou um grosseiro atentado às normas morais, pois, como enfatizado
ontem neste espaço (ver o editorial O ‘evangelho’ segundo Bolsonaro), o
presidente mentiu do início ao fim de seu discurso, com a agravante de que o
fez num templo religioso.
A exploração particular da TV estatal deve
ser tratada no âmbito da Justiça. Já a mendacidade de Bolsonaro, em franco
escárnio dos fundamentos da religião, está no terreno da moral, que é questão
de consciência pessoal. Se o presidente consegue dormir tranquilo depois de
mentir descaradamente, como fez naquele templo religioso em Anápolis, é questão
para ser estudada por psiquiatras. Mas espanta que Bolsonaro, mesmo violando mandamentos
religiosos de forma tão explícita, ainda tenha apoio entre aqueles que prezam
esses mandamentos como pilares de sua fé e de seu comportamento em sociedade.
Como se sabe, os evangélicos formam uma parte importante da base de apoio de Bolsonaro. Consta que, no segundo turno da eleição de 2018, o presidente teve nada menos que 70% dos votos dos evangélicos. Isso significa que Bolsonaro, de algum modo, soube capitalizar as expectativas dessa parte do eleitorado, cujo tamanho cresce exponencialmente – hoje os evangélicos são 35% do total.
Bolsonaro tornou-se evangélico em 2016 e
incorporou em seu discurso político a agenda de costumes tão cara aos
evangélicos. Diferentemente de outros políticos – que buscam aproximar-se desse
eleitorado e de seus líderes religiosos sem contudo se comprometer totalmente
com essa agenda –, Bolsonaro apresenta-se como campeão inquestionável desses
valores.
Assim, Bolsonaro fez sua campanha eleitoral
enfatizando os fundamentos conservadores da família cristã tradicional, posicionando-se
sem ambiguidades contra o aborto, contra as drogas e contra o ensino de
questões sobre sexualidade e gênero nas escolas – tudo o que se vincula ao PT e
aos “comunistas”. Obteve o voto majoritário dos evangélicos quando estes o
identificaram como o único capaz de deter os petistas.
Nos palanques, Bolsonaro prometia proteger
“a inocência de nossas crianças”, ao mesmo tempo que falava palavrões e ofendia
seus desafetos em público, além de defender a tortura e louvar a violência.
Esse comportamento imoral e de ocasião, fosse como fosse, foi insuficiente para
fazer os evangélicos mudarem de ideia em 2018, tamanha a ojeriza ao PT. No
evento religioso de Anápolis, um pastor chegou a dizer a Bolsonaro que “foi
Deus quem te colocou na Presidência”.
Ao contrário do que parece, contudo, o
apoio evangélico a Bolsonaro vem diminuindo. O mais recente levantamento da
XP/Ipespe mostra que a desaprovação ao governo de Bolsonaro entre os
evangélicos cresceu de 31% para 38% entre maio e junho e está em seu ponto mais
alto em um ano. Já a aprovação caiu de 44% para 34% no período. Ainda é o grupo
religioso que mais apoia Bolsonaro, mas a fé no presidente parece ter limites,
e muitos já começam a vê-lo como falso profeta.
O modo delinquente como o governo de
Bolsonaro lidou com a pandemia de covid-19 pode ser uma explicação para essa
erosão. Mais de 60% dos evangélicos pentecostais, segundo o Censo do IBGE,
recebem menos de um salário mínimo por mês. São maioria entre os que mais
sofreram com a doença, e não é por acaso que vários pastores evangélicos que
antes apoiavam de forma entusiasmada o presidente hoje vêm expressando algum
descontentamento.
Mas ainda é pouco. Quem verdadeiramente
preza os valores da cristandade – sobretudo a verdade e a vida – deveria hoje
estar em franca oposição a um presidente que desdenha desses valores como
nenhum outro.
Sob o ataque do atraso
O Estado de S. Paulo
Enquanto Jair Bolsonaro quer que as
eleições voltem a ser decididas na contagem manual dos votos – pelo visto, como
não houve fraude nos 25 anos de urna eletrônica, há quem queira restabelecer o
velho e corruptível sistema –, o Congresso dá sinais de que também tem uma
agenda do atraso em matéria eleitoral.
Instaurada pelo presidente da Câmara,
deputado Arthur Lira (PP-AL), a comissão de reforma eleitoral tem sido, até
agora, um laboratório de propostas retrógradas e perniciosas. Por exemplo, a
comissão estuda a volta das coligações partidárias nas eleições proporcionais,
proibidas pela Emenda Constitucional (EC) 97/2017.
Aplicada pela primeira vez nas eleições
municipais de 2020, a restrição de coligações é importante proteção do voto.
Antes, o voto em determinado candidato podia eleger outro candidato, de outro
partido, simplesmente em razão de um acordo entre as legendas. Não faz sentido
rever a proibição das coligações antes de sua aplicação nas esferas federal e
estadual.
Outra proposta da comissão é a criação do
chamado “distritão”, sistema de eleição majoritária em grandes circunscrições –
frequentemente iguais aos territórios dos Estados – que favorece
personalidades, artistas, líderes religiosos e caciques políticos. Além de
tornar mais difícil a renovação política, a proposta enfraquece a democracia
representativa ao desvalorizar os partidos. Com o “distritão”, os eleitos representam
apenas a si mesmos.
No mês passado, foi revelada a tentativa,
por parte de alguns parlamentares, de viabilizar a volta das doações de pessoas
jurídicas a candidatos e partidos políticos. Além de ser um deboche com a
Constituição e com a lisura do sistema político-eleitoral, a manobra é mais um
triste sintoma da agenda do retrocesso.
Em setembro de 2015, o Supremo Tribunal
Federal (STF) declarou que a doação de pessoas jurídicas a campanhas e partidos
políticos é incompatível com a Constituição de 1988. Além de gerar conflitos de
interesse e ser estímulo à corrupção, o financiamento de campanhas eleitorais
por empresas representa grave distorção do sistema político.
Como se não bastasse, a Câmara aprovou, no
dia 9 de junho, regime de urgência para um velho projeto de lei, apresentado em
2015 no Senado, que tenta burlar a cláusula de barreira. O Projeto de Lei (PL)
2.522/15 possibilita que dois ou mais partidos se reúnam em uma federação.
A manobra é evidente. Após o registro da
federação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os partidos são tratados como
se fossem uma única legenda, escapando dos efeitos da cláusula de barreira. No
entanto, cada partido continua dispondo de identidade e autonomia próprias.
A cláusula de barreira fixa porcentuais
mínimos de voto para que cada legenda tenha acesso aos recursos do Fundo
Partidário e à propaganda supostamente gratuita de rádio e televisão. Ao
limitar os incentivos a partidos nanicos, dá-se um importante passo para
reduzir a fragmentação partidária.
A atual quantidade de legendas não
contribui para a representação política. Há muitas siglas à escolha do eleitor,
mas não há um aumento de opções políticas. Para ser minimamente viável, uma
proposta política precisa ter um mínimo de representatividade.
Além disso, a diminuição do número de
partidos contribui para um ambiente de negociação política menos fisiológico. A
atual fragmentação partidária é um convite à transformação da política em
balcão de negócios.
Diante desse quadro, é inacreditável que a
atual legislatura, eleita com o declarado propósito de renovar as práticas
políticas, aprove regime de urgência para um projeto de lei cujo objetivo é
reduzir todos os benefícios decorrentes da cláusula de barreira.
Com a inédita renovação da Câmara e do
Senado, realizada pelo eleitor em 2018, era de esperar que o Congresso fosse
capaz, por exemplo, de extinguir o Fundo Partidário e o Fundo Eleitoral. No
entanto, em vez de assumir sua tarefa de promover uma genuína reforma política,
a atual legislatura dedica-se a desfazer o pouco que há de positivo no sistema
eleitoral vigente. Simplesmente não entendeu o seu papel na história.
Ordem na globalização
O Estado de S. Paulo
O Brasil poderá ganhar R$ 5,6 bilhões
anuais de impostos, se for implantado o novo esquema de tributação das
multinacionais aprovado pelos chefes de governo das sete maiores potências
capitalistas – Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e
Canadá. A arrecadação adicional, equivalente a € 900 milhões no caso
brasileiro, será alcançada com a cobrança mínima de 15% sobre o lucro obtido no
País. A União Europeia poderá ter um aumento de receita de € 48,3 bilhões. Os
Estados Unidos, de € 40,7 bilhões. O acordo, sacramentado em reunião de cúpula
do Grupo dos 7 (G-7) no Reino Unido, pode ser o começo de uma nova etapa da
globalização. Essa fase será marcada por maior controle fiscal dos maiores
grupos empresariais, incluídos os gigantes da tecnologia como Google, Amazon e
Apple.
O novo esquema ainda será submetido ao
Grupo dos 20 (G-20). Poderá haver discussão de detalhes, mas será surpresa se a
ideia básica, já aprovada pelos sete grandes, for rejeitada pelos demais países
desse grupo, onde se inclui o Brasil. Nas condições de hoje, multinacionais
conseguem concentrar obrigações tributárias em paraísos fiscais, em prejuízo
dos países onde operam e conseguem seus lucros. O apoio de Washington à mudança
é especialmente importante, porque os Estados Unidos são o país de origem de
grande número de multinacionais – e das maiores empresas ocidentais de
tecnologia da informação.
A recente reunião de cúpula do G-7 foi a
primeira com participação do presidente americano Joe Biden, empossado em
janeiro. Poderá ter sido a última com a presença da chanceler alemã Angela
Merkel, agora a caminho da aposentadoria. Mas o sucesso do encontro está
relacionado também à ausência do ex-presidente Donald Trump. Com a troca de
governo em Washington, a Casa Branca voltou a contribuir para o
multilateralismo e, portanto, para a consolidação de uma ordem global baseada
num sistema razoável de regras. Um sistema desse tipo valoriza a cooperação e a
busca de padrões civilizados de coexistência.
Sem Trump, seu orientador em assuntos
internacionais e propagandista original da cloroquina para tratamento da
covid-19, o presidente Jair Bolsonaro terá de se adaptar a padrões diferentes
de ação diplomática. Terá de aprender a valorizar o diálogo multilateral, a
busca de entendimento e as diversas formas de cooperação. Terá de entender o
sentido pragmático da convivência internacional. Sem a chefia do desastroso
Ernesto Araújo, o Itamaraty parece retomar seus velhos e respeitados padrões.
Se o novo esquema tributário prevalecer, as
alíquotas nacionais continuarão a ser determinadas livremente, mas haverá
mecanismos para garantir a cobrança mínima de 15% sobre o lucro. Além de anular
os benefícios obtidos em paraísos tributários, esse compromisso poderá
dificultar a guerra fiscal, isto é, a concessão de certas vantagens para
atração de empresas. Detalhes serão discutidos, mas o caminho para impor mais
alguma disciplina às multinacionais está aberto.
Domar a globalização – se este for,
realmente, um objetivo comum – envolverá trabalho em outras frentes, como a
universalização efetiva das políticas de preservação ambiental. Isso poderá
afetar mais amplamente as decisões de investimento, com grave prejuízo para o
Brasil, se a política antiecológica for mantida em Brasília.
Também se cuidou, no encontro de cúpula, da
pandemia no mundo pobre. A partir da iniciativa americana de entregar 500
milhões de doses de vacina anticovid, surgiu o compromisso de uma doação mais
ampla. A doação prometida será insuficiente, segundo grupos ativistas, mas também
nesse caso pelo menos um acordo inicial já surgiu.
O papel do G-7 – esta parece a mensagem – deve envolver muito mais que a definição de ações de interesse das maiores economias capitalistas. Ninguém está ficando bonzinho. Mas, sem Trump, predomina mais facilmente a noção de uma liderança global baseada em algo mais amplo, e mais palatável, que o poder de alguns de impor seu interesse ao mundo.
Federação partidária seria um retrocesso
O Globo
A profusão de partidos nanicos e legendas
de aluguel é uma das maiores deficiências do sistema político-eleitoral
brasileiro. Em vez de representarem interesses e projetos legítimos da
sociedade, muitas agremiações se tornaram feudos de caciques, usados apenas
para fazer avançar negócios espúrios ou agendas particulares. A abundância
desse tipo de partido prejudica a qualidade da representação no Legislativo e
corrói a democracia.
Nenhum Parlamento tem condição de funcionar
a contento quando nada menos que 24 partidos, de um total de 33, têm
representantes. Reduzir a fragmentação, sobretudo na Câmara, ajudaria a tornar
nossos partidos programaticamente mais coerentes e mais próximos do interesse e
da ideologia do eleitor. Trata-se de medida essencial para garantir a saúde da
nossa democracia.
Daí a relevância da minirreforma política
de 2017, que vetou as coligações partidárias em eleições proporcionais e
instituiu, de modo gradual, uma cláusula de desempenho que exige um percentual
mínimo de votos para que um partido tenha acesso aos fundos partidário,
eleitoral e a tempo de propaganda no rádio e na televisão. As duas medidas em
conjunto criam um incentivo à redução no número de agremiações.
Faz 25 anos que a cláusula de desempenho já
deveria valer no Legislativo. Aprovada em 1995, ela deveria ter entrado em
vigor nas eleições de 1996, com a exigência de 5% dos votos para um partido ter
direito a representação. De lá para cá, uma série de manobras — entre as quais
a mais relevante foi uma decisão equivocada do Supremo em 2006 — contribuiu para
adiar a adoção da medida.
O patamar mínimo de 1,5% dos votos só
começou a vigorar nas eleições municipais do ano passado — e já garantiu uma
depuração visível na quantidade de partidos nas Câmaras de Vereadores. A
exigência deverá ser ampliada gradualmente até as eleições de 2030, quando será
de 3% dos votos válidos, distribuídos por um terço das unidades da Federação,
com 2% dos votos em cada uma — ou, alternativamente, 15 deputados em cada uma.
Importante entender que as duas medidas — cláusula de desempenho e proibição de
coligações nas eleições proporcionais — funcionam em conjunto para reduzir o
número de partidos. Qualquer mudança nelas representa um passo para trás.
É um erro, portanto, o projeto de lei do
senador Renan Calheiros (MDB-AL) que tenta abrir uma brecha para ressuscitar as
coligações por meio de “federações partidárias”. Ainda que tenham um pouco mais
de consistência que as antigas coligações — teriam de valer nacionalmente e
perdurar em acordo durante o mandato —, tais federações não passam de um
casuísmo para tentar salvar pequenos partidos que se veem ameaçados pela
cláusula de desempenho em 2022.
O plenário da Câmara decidiu imprimir regime de urgência ao casuísmo, contando, para isso, com o aval de partidos pequenos espalhados por todo o espectro ideológico — do PCdoB à esquerda ao Novo à direita. O Congresso deveria deixar a legislação exatamente como está. Se alguns partidos não têm tamanho nem relevância para conquistar eleitores suficientes, o caminho é a fusão com legendas maiores, onde seus integrantes poderão defender interesses, ideologias e projetos para o país.
Continua aberto o caminho virtuoso para
crescer no capitalismo brasileiro
O Globo
O Nubank, banco digital com sede em São Paulo
e operação no México e na Colômbia, recebeu US$ 500 milhões da Berkshire
Hathaway, o conglomerado comandado por Warren Buffett, um dos investidores de
maior sucesso de todos os tempos. Outros US$ 250 milhões vieram de diferentes
gestoras de recursos. Com isso, o valor de mercado estimado para o Nubank
saltou para US$ 30 bilhões, à frente da corretora XP, pouco atrás do BTG
Pactual e do Santander e cerca de 50% acima do Banco do Brasil.
Só isso já seria motivo para espanto. Ao
ultrapassar a mais tradicional instituição bancária brasileira e negócios que,
pouco tempo atrás, eram tidos como os maiores exemplos de inovação no mercado
financeiro brasileiro, o Nubank demonstra que, em plena crise, ainda é possível
construir histórias virtuosas no capitalismo brasileiro.
Iniciado em 2013 com apenas US$ 2 milhões
de capital semente, modalidade de investimento de risco destinada a empresas
novatas, o Nubank foi conquistando espaço e atraindo investidores maiores.
Seguiu o roteiro clássico das empresas do Vale do Silício: do capital de risco,
passou a receber recursos dos fundos de participações. A aplicação do “oráculo
de Omaha”, como Buffett é conhecido, é o coroamento da trajetória até agora. O
plano evidente para completar o ciclo é a abertura de capital na Bolsa.
O Nubank não está sozinho na fronteira que
desbravou. Uma pesquisa do banco UBS dá a dimensão do crescimento dos bancos
100% digitais. Em 2014, 1% dos downloads de aplicativos bancários eram de
instituições não tradicionais. No ano passado, as fintechs, com o Nubank à
frente, pularam para 52%. Uma pesquisa recente do C6 Bank e da Inteligência e
Pesquisa em Consultoria (Ipec) revela que 57% dos entrevistados dizem ter
contas digitais. Bancos tradicionais se viram obrigados a oferecer o serviço.
Entre os brasileiros que têm entre 16 e 24 anos, as fintechs, juntas, superam
os tradicionais em operações como saques e pagamentos.
O ecossistema que permitiu o surgimento e o
crescimento de bancos 100% digitais foi construído com empreendedores,
investidores e também pela ação eficaz do Banco Central, responsável por
reformas na regulação das instituições financeiras que permitiram a entrada de
novos competidores.
O Brasil, é bom lembrar, sempre teve papel de destaque na adoção e no desenvolvimento de novas tecnologias bancárias. O caso do Nubank mostra como, num mercado aberto e competitivo, o capital sabe se aliar ao conhecimento para aproveitar as oportunidades e gerar riqueza. O Nubank atraiu Buffett sem precisar de bancada no Congresso para defender os privilégios de seus funcionários, nem diretoria indicada politicamente. É esse o tipo de negócio que, num momento desafiador para a nossa economia, ajuda a modernizar o capitalismo brasileiro.
Semana do presidente
Folha de S. Paulo
Mentiras, ataques e transgressões consomem
jornada de Bolsonaro de 2ª a sábado
Noticiou-se no ano passado que o SBT
cogitava ressuscitar o quadro “A Semana do Presidente”, atração dominical
criada nos estertores da ditadura. Por bons motivos, a emissora não levou
adiante a ideia. Imagine-se, por exemplo, como teria sido o programa mais
recente.
Na segunda-feira, 7 de junho, o Palácio do
Planalto se dedicou a atacar a
revista britânica The Economist, que publicou reportagem especial
sobre mazelas políticas, econômicas e sociais do Brasil e defendeu que o
presidente Jair Bolsonaro fosse retirado do poder pelo voto nas eleições de
2022.
No mesmo dia, o mandatário maior da nação
declarou a apoiadores, no Palácio da Alvorada, que dispunha de documento
oficial atestando serem exageradas as estatísticas de mortes pelo coronavírus
no país: “Em torno de 50% dos óbitos por Covid no ano passado não foram por
Covid, segundo o Tribunal de Contas da União”.
Desmentido
imediatamente pelo TCU, Bolsonaro disse na terça (8) que havia
errado. Reiterou, porém, que haveria indícios de supernotificação dos casos da
doença. O tribunal informou ter afastado o servidor que produzira por conta
própria o relatório mencionado.
Na quarta (9), o presidente da República
aproveitou sua participação em uma cerimônia evangélica em Anápolis (GO) para lançar
dúvidas sobre as vacinas contra a Covid-19, que, segundo ele,
ainda estão em uma fase experimental —embora já tenham recebido aval da agência
de vigilância sanitária.
Também voltou a defender o tratamento
precoce com cloroquina, embora seu ministro da Saúde, Marcelo Queiroga,
houvesse afirmado no dia anterior que a droga não tem eficácia comprovada.
Na quinta (10), em evento no Palácio do
Planalto, disse ter conversado com “um tal de Queiroga”, que prepararia um
parecer para desobrigar o uso de máscaras protetoras por parte dos cidadãos
vacinados.
À noite, o chefe de Estado criticou o
presidente do Tribunal Superior Eleitoral e declarou que, se o Congresso assim
decidir, o voto
impresso voltará “e ponto final”.
Na sexta (11), recuou quanto às máscaras
—“Eu não apito nada, né?”, justificou-se. Mas encontrou tempo para adentrar de
surpresa em um avião comercial que estava parado no aeroporto de Vitória (ES),
sendo chamado de “mito” por alguns passageiros e de “genocida” por outros. A
estes, disse que deveriam “estar de jegue viajando”.
Por fim, liderou no sábado (12) um ato com
milhares de motociclistas pelas ruas de São Paulo. A maior
autoridade do país usou capacete proibido pelas regras de trânsito e recebeu
multa de R$ 552,71 por não estar de máscara.
A minimizar o dissabor, Jair Bolsonaro passou neste mês a auferir R$ 41.637,85 —graças a uma portaria que permitiu a remuneração acima do teto de R$ 39.293,32— com a tarefa de governar o Brasil.
Dever do Estado
Folha de S. Paulo
Poder público responderá por danos causados
por policiais a jornalistas, diz STF
Por 10 votos a 1, o Supremo Tribunal
Federal decidiu que o Estado
deve ser responsabilizado por ferimentos causados em jornalistas pela ação
policial durante a cobertura de manifestações públicas.
A decisão diz respeito ao pedido de
indenização do fotógrafo Alex Silveira, do jornal Agora, do Grupo Folha,
alvejado por uma bala de borracha disparada por um policial militar durante
protesto de servidores na avenida Paulista, em 2000 —o ferimento deixou o
profissional com 15% da visão no olho esquerdo, que foi atingido.
Em se tratando de recurso com repercussão
geral, o entendimento do tribunal passa a valer para todas as ações similares
que tramitam no Judiciário. As exceções ficam por conta dos casos em que se
demonstrar que o jornalista descumpriu as advertências para manter-se afastado
de áreas delimitadas.
O fotógrafo havia obtido em primeira
instância o direito a reparação de cem salários mínimos, além da cobertura das
despesas médicas. Porém, em segundo grau, a 1ª Câmara de Direito Público do
TJ-SP atribuiu a responsabilidade pelo ocorrido ao próprio profissional.
Tal juízo foi contestado explicitamente por
magistrados do Supremo. A ministra Cármen Lúcia, por exemplo, o considerou
“quase bizarro” e seu colega Marco Aurélio afirmou que o TJ-SP “violou o
direito ao exercício profissional, no que assentada a culpa exclusiva da
vítima”, que estava no cumprimento da missão de informar.
É sem dúvida bem-vindo o posicionamento da
corte, que restringe o potencial de agressão por parte de policiais a
representantes da imprensa, muitas vezes vistos como indesejáveis por exercerem
a função de relatar os conflitos que explodem em atos públicos.
O Brasil, infelizmente, tem assistido a um
incremento de ameaças e agressões, por vezes fatais, a jornalistas. O relatório
anual sobre Direitos Humanos dos Estados Unidos apontou essa violência como uma
de suas preocupações e destacou reiterados ataques do presidente Jair Bolsonaro
a órgãos e profissionais de imprensa.
Resta que a responsabilização do Estado por abusos ou negligência das polícias se torne mais efetiva em situações que se repetem com frequência alarmante, como as balas perdidas e as mortes em alegados confrontos armados.
Governo federal e Estados acenam com novos
Refis
Valor Econômico
Segundo a Receita, cerca de metade dos
optantes dos programas analisados voltaram a ficar inadimplentes
Desde que o projeto de Orçamento federal
deste ano foi apresentado, há dez meses, a estimativa de receita tributária já
subiu R$ 200 bilhões, inflada pela retomada, mesmo que ainda frágil, da
economia. Os governos estaduais também estão mostrando crescimento de receitas.
Apesar da surpresa com a recuperação da arrecadação, os governos federal,
estaduais e até municipais estão com programas de renegociação de dívidas
fiscais na praça, também chamados de Refis. Oficialmente esses programas se
destinam a aliviar e regularizar a situação do contribuinte, mas certamente
acarretam a entrada de recursos para os cofres das autoridades em um primeiro
momento. Em geral, o Refis oferece um desconto para o contribuinte que pagar à
vista uma dívida antiga.
Dentro do plano de fatiamento da reforma
tributária, ficou com o Senado a criação de um novo programa de refinanciamento
de dívidas tributárias federais. Pelo projeto, o parcelamento deverá incluir
dívidas anteriores à pandemia e permitir aproveitar o prejuízo fiscal como
crédito para abater o valor a pagar de impostos acumulados em anos anteriores.
O Congresso usa sempre mesmo oportunidades justas - melhorar as condições de
pagamento de empresas prejudicadas pela pandemia - para premiar devedores
contumazes das dezenas de programas de refinanciamento anteriores.
A proposta se chocou, no entanto, com o
plano que o Ministério da Economia tem para tratar desse problema. O ministro
da Economia, Paulo Guedes, concorda que é preciso limpar o terreno e preparar o
balanço das empresas para as novas regras que vão entrar em vigor, mas sua
proposta é diferente. Guedes tem falado de um “passaporte tributário”. Na
prática, o objetivo é abrir uma ampla transação tributária, o mecanismo que
permite renegociar dívidas de acordo com a capacidade de pagamento dos
contribuintes. O governo está disposto a conceder descontos de até 70% em multa
e juros para as empresas com dívidas, mas somente seriam aceitas empresas que
tiveram perda de faturamento na pandemia. Guedes quer limitar o programa a
empresas que tiveram queda de receita superior a 15%. Quanto maior o tombo no
faturamento, melhores serão as condições.
Ainda não está claro se o projeto do Senado
vai oferecer as duas alternativas ou consolidar as propostas. Do lado do
Congresso, há resistência entre os parlamentares em limitar a negociação às
empresas que tiveram perda com a pandemia. Esse não é o único ponto de atrito.
Os parlamentares pretendem também ampliar a vantagem concedida além do desconto
de 70%, incluir as empresas optantes pelo Simples e as pessoas físicas. Já a
Economia quer um projeto específico para as empresas do Simples.
A Receita Federal sempre foi contra o
conceito de Refis proposto pelo Senado. A visão, correta, é que uma
renegociação feita sem considerar as especificidades de cada contribuinte é um
benefício ao mau pagador de impostos. A avaliação é que o Refis estimula o
contribuinte a acumular dívidas na expectativa do próximo refinanciamento e
penaliza o contribuinte que está em dia. Cria também a figura do “devedor
contumaz” ou do “viciado em Refis”, que volta a deixar de pagar assim que
consegue a certidão negativa de débitos ao aderir ao programa. O governo
federal parece até disposto a melhorar as condições para estimular a opção pela
transação tributária.
Estudo feito pela Receita Federal em 2018
informou que, nos dez anos anteriores, foram lançados 39 programas de
refinanciamento de dívida tributária, abrangendo R$ 176 bilhões, e empresas,
bancos, pessoas físicas e clubes de futebol. Segundo a Receita, cerca de metade
dos optantes dos programas analisados voltaram a ficar inadimplentes, seja de
obrigações correntes ou parcelas do programa de parcelamento. O maior deles foi
o Refis da Crise I, de 2008, envolvendo R$ 61 bilhões, em que apenas 47% foram
liquidados.
Apesar disso, Estados e capitais s lançaram
programas de parcelamento de débitos tributários em até dez anos e desconto de
multa e juros que chegam a 100%. Nove Estados - Alagoas, Espírito Santo, Goiás,
Mato Grosso, Minas Gerais, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e Sergipe - e três
capitais - Curitiba, Porto Alegre e São Paulo já estão com programas em
andamento ou enviaram projetos a suas casas legislativas. Os parcelamentos
incluem ICMS, ISS, dívida ativa, outros tributos como ITBI e até dívidas não
tributárias (Valor 7/6)..
Os programas devem render mais de R$ 6 bilhões em arrecadação extraordinária,
considerando o que já foi arrecadado e as projeções para 2021.
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