- Valor Econômico
As Cops do Clima e Biodivesidade vão ocorrer em 2021?
Há uma concentração de nuvens cinzentas sobre as duas grandes
conferências ambientais das Nações Unidas previstas para este ano. A data da
conferência de biodiversidade, a CoP 15, marcada para outubro, em Kunming, na
China, está subindo no telhado. É quase certo que será adiada novamente, para
abril ou maio. Se isso acontecer, o rebatimento para a conferência de clima, a
CoP 26, em Glasgow em novembro, é evidente. A pergunta é precisamente esta: as
duas megaconferências vão acontecer em 2021? Serão virtuais, presenciais ou
híbridas? O debate logístico opõe, como de hábito, ricos e pobres. É um resumo
das divergências que polarizam os dois blocos ao longo de décadas destas
discussões.
Trata-se de uma síntese perfeita e irônica dos tópicos que rodeiam as negociações internacionais em torno de capacitação e tecnologia, equidade e justiça, inclusão, recursos e conteúdo.
Se seguir assim, leões e gorilas só serão vistos no zoológico
O formato virtual vem estressando delegações da Convenção de
Biodiversidade, a CDB, desde 2020. A pandemia atrasou em um ano o cronograma da
CoP 15, inicialmente prevista para outubro passado, no calendário estabelecido
pré-covid. O evento é importantíssimo: o mundo tem que concordar com um novo
marco regulatório com metas e prazos para estancar a brutal perda de espécies.
Algo equivalente para a biodiversidade ao que o Acordo de Paris fez para o
clima.
As reuniões virtuais preparatórias para a CoP 15 foram iniciadas
assim que se entendeu que a pandemia não daria trégua. Infelizmente o formato
não tem dado certo.
O primeiro impasse é tecnológico, de capacitação e recursos para
acessar de maneira adequada o universo virtual e negociar ali. Delegados de
países ricos têm bons computadores e tecnologia na ordem do dia para negociar
conforme o calendário ou contornar eventuais panes na rede. Os outros? Basta
ver como estão reagindo negociadores de países africanos onde há muita
biodiversidade e parcos recursos: eles têm colocado textos inteiros entre
colchetes.
No jargão diplomático, colchetes sinalizam discordância em um
texto, e mais negociação. No jargão dos eventos virtuais quer dizer que
delegados de algum país perderam a paciência: não conseguiram conectar, não deu
para escutar o argumento de quem se opõe ao que eles pensam, o som estava
baixo, a internet caiu, tinha eco, as crianças começaram a gritar aqui ao lado,
o botão mudo estava acionado e não deu tempo de contra-argumentar.
O resumo do desacerto foi o secretariado da Convenção de
Biodiversidade sentir que não dá para seguir com negociações virtuais e que o
evento presencial, em outubro, é inviável. Tratam de convencer o anfitrião, a
China, de que o melhor a fazer é adiar mais alguns meses. Os chineses,
evidentemente frustrados, estudam fazer uma abertura virtual da CoP 15 em
outubro, e depois adiar para abril ou maio. A decisão final sairá estes dias.
Enquanto isso, um estudo publicado há poucos dias mostra que os
habitats dos grandes macacos na África podem reduzir em 90% nas próximas
décadas se a pressão por madeira, minérios e alimentos combinada à crise
climática, continuar como está. Acontece o mesmo com os leões. Não se conhece
ao certo o tamanho da tragédia em curso nos oceanos. A continuar assim, leões,
gorilas e rinocerontes serão conhecidos pelas futuras gerações em visitas a
zoológicos ou por imagem. Um futuro de extinções e de horror.
Há uma questão de conteúdo saltando da convenção de biodiversidade
para a de clima e para todos os fóruns internacionais importantes, do FMI ao
Banco Mundial, passando por G-7 e Fórum Econômico Mundial. A controvérsia
atende pela expressão “Soluções Baseadas na Natureza”, ou SBN. É um conceito de
ampla e vaga definição, ao mesmo tempo interessante e controverso. Manguezais
são espécie de dique natural contra o avanço do mar, abelhas são polinizadores
da natureza. Parar o desmatamento ou reflorestar são outros tipos de SBN.
Negociadores de países megadiversos como o Brasil enxergam SBN como armadilha
ou marketing. Mas a pauta, conduzida por União Europeia, Noruega e Reino Unido,
avança.
Thelma Krug, que foi muitos anos negociadora brasileira e é
vice-presidente do Painel Intergovernamental de Mudança do Clima, o IPCC,
explica: “Para que as contribuições baseadas na natureza possam funcionar é
preciso uma enorme, ambiciosíssima, redução na queima de combustíveis fósseis.
Ecossistemas não se tornam resilientes à mudança do clima com aumento da
temperatura”. Segundo o IPCC, apenas 23% das emissões vêm do setor agrícola e
da mudança do uso da terra. O resto depende do fim do uso de combustíveis
fósseis. “Podemos chamar de abordagens ou opções baseadas na natureza, mas não
soluções”, diz Thelma. A semântica encerra uma interpretação sutil: o que se
teme é transferência de responsabilidades dos países ricos para os
megadiversos.
Clima e vacina
Tudo isso aterrissa na CoP 26, do clima, em novembro. O Reino
Unido diz que quer que seja presencial. Não disse se o país irá impor
quarentena aos participantes e se aceitará imunizados com a vacina que for. Se
a CoP 26 fosse hoje, os países ricos teriam suas delegações vacinadas, e os
pobres, não. O site “Politico” enviou perguntas a 196 países que são membros da
convenção do clima. Dos 51 que responderam, menos da metade havia vacinado suas
delegações. Greta Thunberg disse em abril que não iria à CoP 26 em protesto
pela distribuição desigual de vacinas. O mundo é injusto e desigual nas vacinas
e no clima.
“A emergência climática não pode esperar. Defendo que a CoP 26 seja realizada e que se ajustem os problemas”, diz Ana Toni, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade. Isso significa que os países ricos têm que cumprir sua antiga promessa de US$ 100 bilhões ao ano a partir de 2020 em recursos climáticos ao mundo em desenvolvimento. É aconselhável tornar amigável a plataforma de negociação, que hoje é tudo menos inclusiva. Distribuir vacinas rápido é urgente e humanitário. Em termos de CoP é o seguinte: Glasgow é em 19 semanas e, dependendo da vacina, leva 14 semanas para tomar duas doses e dar os 15 dias da imunização.
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