- O Estado de S. Paulo
Termo social-democrata parecia datado, mas
ressurge nas análises do governo Joe Biden e volta a ganhar importância no
cenário mundial
Felipe Neto se definiu
novamente como social-democrata na semana passada. Acompanhei o anúncio com
interesse – afinal, o youtuber tem feito críticas severas ao neoliberalismo
(“Derrotar o neoliberalismo é o grande desafio do Ocidente”, twitou para 25 mil
curtidas em maio). E neoliberal, mais do que qualquer conceito, parece ser um
insulto, o preferido justamente dos detratores da social-democracia no Brasil:
basta lembrar do seu expoente mais conhecido, FHC – que faz 90 anos nesta
semana. O que afinal abrange esse guarda-chuva que abriga de Fernando Henrique a
Felipe Neto? Qual o futuro na geração de Felipe para o modelo sonhado pela
geração de FHC?
Lançado recentemente, o livro Social Democratic Capitalism argumenta que é a social-democracia que a história mostrou ser o modelo mais capaz de avançar o desenvolvimento humano. Do professor Lane Kenworthy, da Universidade da Califórnia em San Diego, advoga por um modelo que colha as vantagens do capitalismo em produzir crescimento econômico com a proteção de um Estado de bem-estar social forte, voltado para altos níveis de emprego e baixos níveis de desigualdade.
Para Kenworthy, os países nórdicos seriam
os que melhor aderiram ao que chama de “capitalismo social-democrata” (ou
capitalismo social, capitalismo de investimento social, flexigurança). Em todos
os principais países ricos ocidentais, estariam presentes alguns elementos
desse modelo: democracia, capitalismo e educação básica de qualidade. Mas a
presença de outros três elementos variaria, com a exceção de Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia, onde o check-list estaria
completo.
Esses últimos elementos seriam uma
seguridade social ampla e generosa, incluindo saúde e pagamentos para famílias
com crianças; serviços voltados ao emprego, incluindo qualificação
profissional, intermediação de mão de obra e creches; e regulação flexível para
os mercados, incluindo o mercado de trabalho. Esse arranjo – o capitalismo social-democrata
– seria amigável ao crescimento econômico, ao passo que uma forte rede de
proteção se encarregaria de segurar os que caem.
Na visão de Kenworthy, o crescimento
do PIB enriquece
os cidadãos, que se desvinculam de tradições e passam a valorizar mais ideais
de liberdade e de justiça social. Já o Estado forte e eficiente buscaria
equalizar as oportunidades e cuidar das famílias que ficam para trás. O
resultado desse capitalismo social seriam sociedades com cidadãos que vivem
mais “seguros, educados, saudáveis, ricos, livres e felizes”.
Ano passado, Felipe Neto já se definira
como “social-democrata, mas nada a ver com o PSDB”. Dois anos antes, FHC falou
em “desencontro conceitual” sobre o nome do partido e sugeriu que seria o PT o partido mais próximo,
hoje, da social-democracia europeia.
Há 30 anos, em uma cartilha sobre o tema, o
ex-presidente descreveu a social-democracia como corrente que “reconhece as
leis do mercado e o dinamismo da empresa” e que “se preocupa em reforçar e
tornar mais eficiente a atuação do Estado nas áreas diretamente ligadas ao
bem-estar social”. Acompanhar transformações e eliminar privilégios também
aparecem na descrição.
Já para o influencer, a social-democracia
talvez seja algo entre o neoliberalismo que critica no Twitter e o comunismo que é
incompatível com sua riqueza no YouTube.
Por toda parte o termo parecia datado, mas
ressurge agora nas análises do governo Joe Biden. Após derrotar
democrata-socialistas nas primárias e reacionários republicanos nas eleições
gerais, implementa agora uma agenda que é bem mais ousada que a de Obama. “A América está se tornando
uma social-democracia”, é a chamada na Foreign
Policy. “Os EUA se
tornaram um país social-democrata”, anunciou-se no Financial Times.
Pode ser que o governo Biden dê protagonismo ao termo, que incorporaria modernamente uma maior preocupação ambiental. Mais do que os rótulos, o Brasil precisa desesperadamente da agenda – diante da alta histórica da pobreza, da desigualdade de renda e até da desigualdade de felicidade (conforme apresentado ontem pela FGV Social). Como sintetizou o aniversariante da semana, “os nomes são nomes”.
*Doutor em economia
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