Dados do instituto mostram que trabalhadores sem carteira e conta própria representam 40% do mercado de trabalho
Carolina Nalin e Raphaela Ribas / O Globo
RIO - Pouco mais de um ano após o início
da pandemia,
a crise no mercado de trabalho ainda ensaia recuperação, de acordo com dados
divulgados pelo IBGE. Em maio, a taxa de desemprego ficou estável, em um
patamar elevado, de 14,6%, com 14,8 milhões de pessoas em busca de uma
oportunidade, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad)
Contínua.
Perguntado sobre o resultado, o ministro da
Economia, em evento no Rio, criticou a metodologia do IBGE dizendo que ele está
“na idade da pedra lascada”.
Na avaliação de especialistas, a pesquisa
do IBGE mostra um retrato de recuperação gradual, com aumento da procura por
vagas, puxada pelo avanço da vacinação e da retomada da atividade econômica.
Como o aumento da oferta de postos de
trabalho não é suficiente para atender a demanda, o brasileiro busca uma saída
no emprego sem carteira assinada ou no trabalho por conta própria.
A taxa de informalidade vem subindo desde maio do ano passado e atingiu 40%, o equivalente a 34,7 milhões de pessoas.
Retratos do mercado
Ao comentar os resultados, Guedes citou
dados do Caged, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, que acompanha o
desempenho do mercado de trabalho formal a partir de informações prestadas
pelas próprias empresas.
Na véspera, o Caged havia informado que o país
criou 1,5 milhão de vagas com carteira assinada de janeiro a junho,
dos quais 300 mil somente no mês passado.
O levantamento do IBGE traça um panorama do
mercado como um todo, incluindo trabalhadores com e sem carteira, domésticos,
empregadores, conta própria e do setor público, a partir da coleta de dados em
entrevistas.
— Desde que a Covid nos atingiu, já criamos
2,5 milhões de novos empregos. A Pnad do IBGE está muito atrasada
metodologicamente, pesquisa feita por telefone... É muito superior a
metodologia do Caged, ela vem direto das empresas. Nós vamos ter inclusive que
rever, acelerar os procedimentos do IBGE, porque ele ainda está na idade da
pedra lascada, baseado ainda em métodos que não são os mais eficientes. (Com o
Caged), nós temos informações direto das empresas — disse o ministro, que
participou de evento na manhã de ontem no Rio.
Na avaliação do ministro, o país se
recupera em ritmo acelerado. E o mercado de trabalho tenderia a ganhar tração
com o lançamento de novos programas de emprego em elaboração pelo governo,
incluindo o Bônus de Inclusão Produtiva (BIP), que busca criar oportunidades
para jovens e pessoas com mais de 55 anos no mercado, e um programa de
qualificação para o primeiro emprego.
— Vamos criar mais 2 milhões de empregos. Estamos criando praticamente 1 milhão de empregos a cada 3 meses e meio — frisou Guedes. — Então, o IBGE está um pouquinho atrasado. Esta conta vai ter que convergir com o que está acontecendo.
O IBGE está divulgando o resultado de maio
no fim de julho em razão do impacto da pandemia na coleta de dados.
Procurado, o instituto afirmou que não comentaria as declarações de Guedes.
Mais cedo, antes do comentário do ministro,
Adriana Beringuy, analista da pesquisa, lembrou que desde o último dia 12 o
instituto retomou parcialmente as atividades presenciais, incluindo a coleta de
indicadores econômicos.
Ao longo da pandemia, o IBGE manteve as
pesquisas com base em entrevistas por telefone. Segundo ela, com o avanço da
coleta presencial, a defasagem temporal deve ser reduzida.
Já o sindicato dos funcionários do IBGE
afirmou, em nota, que o instituto é reconhecido pela excelência de seu quadro e
goza da confiança da população.
Marcos Hecksher, doutor em População,
Território e Estatísticas Públicas pela Escola Nacional de Ciências
Estatísticas (Ence) do IBGE, lembra que vários países trocaram temporariamente
as entrevistas face a face por telefonemas para evitar a disseminação da
Covid-19:
— As condições da pandemia podem ter
afetado as séries da Pnad Contínua e as do Caged. Todo mundo sabe disso,
inclusive os bons técnicos que trabalham no Caged.
Daniel Duque, pesquisador da área de
Economia Aplicada do Ibre/FGV, avalia que os dados de emprego de um país podem
ser captados de forma administrativa, como ocorre com o Caged.
No entanto, usar somente essa medida seria
insuficiente porque ela não mensura quantas pessoas estão em busca de emprego.
— Todos os países que têm dados de
desemprego o fazem por pesquisas domiciliares semelhantes à Pnad Contínua. Além
disso, tem a questão dos ocupados informais, que são muitos no Brasi —
destaca Duque.
Rendimento em queda
Para Pedro Luis do Nascimento Silva, o
primeiro brasileiro a presidir o Instituto Internacional de Estatística, a
avaliação é equivocada:
— A mensuração do trabalho precisa,
particularmente no Brasil, cobrir o mercado dito informal, onde as pessoas não
têm um empregador. A mensuração feita pelo Caged é uma parte importante, mas é
uma parte, não o todo.
Segundo especialistas, a metodologia de
pesquisa do IBGE segue as recomendações da Organização Internacional do
Trabalho (OIT). A pesquisa também foi a base para mensurar o total de
trabalhadores informais que precisariam receber o auxílio emergencial.
Os resultados de ontem mostram um cenário
em que mais pessoas se dispõem a procurar uma vaga, mas a oferta de trabalho
não é suficiente.
O contingente de pessoas ocupadas chegou a
86,7 milhões, puxado pela informalidade. Um dos sinais disso é o aumento de 3%
em relação ao trimestre anterior dos trabalhadores por conta própria. Foi a
única categoria que avançou na comparação entre fevereiro e maio.
— O controle da pandemia e a volta do
funcionamento da atividade motivam as pessoas a procurarem trabalho. A questão
é elas serem absorvidas pelas empresas — diz Adriana, do IBGE, que vê a
recuperação no setor formal ainda está concentrada em atividades de tecnologia
da informação e serviços administrativos.
Para Lisandra Barbero, do Banco Original, o
resultado mostra sinais de avanço:
— A ocupação no setor privado, com carteira
assinada, segue em recuperação, assim como a sem carteira, que ilustra
justamente a volta gradual dos informais para as estatísticas de emprego,
conforme avança a vacinação no país.
O rendimento, porém, segue em queda desde agosto. A renda real, já descontada a inflação, chegou a R$ 2.713 no trimestre encerrado em agosto de 2020, mas caiu R$ 2.547 em maio. O resultado está ligado ao aumento da inflação.
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