O Estado de S. Paulo
Nosso ‘presidencialismo de coalizão’ precisa
de um virtuose ao volante para andar bem
Pode-se comparar o sistema político
brasileiro a um carro de Fórmula 1. Nosso “presidencialismo de coalizão” é tão
complexo que, para andar bem, precisa de um virtuose ao volante. Se elegemos
um Lewis
Hamilton da política, o país ganha tração e ataca seus inúmeros
problemas. Se colocamos no cockpit um piloto sem carteira de motorista, o carro
derrapa na zebra, bate na mureta de proteção – e o país corre o risco de
ziguezaguear sem perspectivas, como um bólido com a lataria amassada.
Estabeleceu-se no Brasil um debate sobre a implantação do semipresidencialismo – sistema de governo que vigora em Portugal e na França, no qual presidente e primeiro-ministro dividem poder e responsabilidades. A proposta de emenda à Constituição elaborada pelo deputado Samuel Moreira, do PSDB, foi recebida a pedradas à direita e à esquerda, com o argumento de que serve apenas para limitar a “vontade popular” ao subtrair poderes do presidente eleito.
Para um de seus principais defensores, o cientista político Octavio Amorim Neto, o semipresidencialismo traria maior coordenação entre Executivo e Legislativo. “O sistema atual funciona bem com presidentes hábeis, moderados e centristas, como Sarney, Fernando Henrique, Lula ou Temer”, diz Amorim Neto, personagem do minipodcast da semana. “E emperra com líderes cesaristas, que tentam se sobrepor aos outros poderes – como Collor e Bolsonaro – ou voluntaristas, como Dilma Rousseff.” Estes seriam como pilotos de Fórmula 1 que dirigem sem carteira.
Outra crítica ao sistema atual é a falta de
transparência. Não há compromisso entre Executivo e Congresso em torno de um
programa de governo. E, na geleia geral do Parlamento, não se sabe exatamente
quais partidos se opõem ao governo e quais o apoiam. A proposta de Moreira pode
dar mais clareza ao processo político, facilitando a cobrança dos eleitores.
Há vários pontos de atenção, no entanto.
Num artigo, o cientista político Carlos Pereira, colunista do Estadão,
escreveu que o semipresidencialismo criaria no Brasil mais uma instância de
veto, num país que já tem muitas. Ele também acha que o semipresidencialismo
não se coaduna com nossa cultura política, sendo “um desvio em relação ao que
somos”. Amorim Neto discorda. Para ele, o debate sobre presidencialismo e
parlamentarismo é recorrente na história política brasileira, e vai e volta
justamente por causa das limitações do sistema atual.
Para Juan Linz, um dos papas da ciência
política moderna, o semipresidencialismo traz um risco: o presidente pode
cortejar o poder militar para pressionar o Congresso. Amorim Neto propõe uma
solução: “Caso o debate sobre semipresidencialismo evolua no Brasil, seria
importante avaliar a proposta da deputada Perpétua Almeida. Ela proíbe que
militares da ativa ocupem cargos civis na administração pública”. Para Amorim
Neto, a submissão das fardas ao poder civil foi um dos principais avanços
institucionais do governo Fernando
Henrique – mas, com Temer e Bolsonaro, os
militares voltaram a ter protagonismo.
O debate sobre o processo político é sempre saudável nas democracias – o semipresidencialismo foi tema de um editorial do Estadão e da coluna de Rosângela Bittar. Mudanças nas regras do jogo, no entanto, costumam ser complexas. Se quisermos um carro que não exija tanta habilidade do piloto, não basta trocar o motor. Será preciso ajustar a mecânica e o chassi.
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