O Globo
O Brasil, que está parado desde janeiro de
2019, corre o risco de ver sua democracia destruída ao recuar pelo menos 30
anos em direção ao passado se o presidente não for impedido
A imagem que a Secom
escolheu para homenagear o agricultor brasileiro, a silhueta de um homem
carregando uma espingarda em meio a uma plantação, remete o espectador a um
passado sombrio da História do campo brasileiro. Da mesma forma, a live abusiva de Jair Bolsonaro
desta quinta-feira mostra o caminho que nos joga de novo nos anos 1980.
Trata-se de passos calculados para levar o Brasil de volta às trevas. A ideia
absurda mas visível que está por trás de cada um desses movimentos é terminar o
ciclo fechando o país, o Congresso e o Supremo, suspendendo direitos políticos,
calando a imprensa, baixando o porrete.
O agricultor armado lembra
os piores momentos da guerra no campo, com a criação da União Democrática
Ruralista, a UDR. Formada em 1985 como grupo de lobby para defender os
interesses do setor na Constituinte, a UDR acabou se transformando no principal
polo de disseminação da violência. Jagunços armados nas fazendas do interior do
país se transformaram na imagem agora revivida pela Secom. Ataques contra
líderes do movimento dos sem-terra, padres e sindicalistas rurais deixaram um
rastro de mortes no país cujo maior símbolo foi o seringalista Chico Mendes.
A defesa tão intransigente quanto obtusa do voto impresso feita por Bolsonaro também joga luz sobre o Brasil dos coronéis do interior, que carregavam os eleitores em caminhões para votar e depois contavam seus votos, um a um. E ai de quem não votasse em quem o coronel mandou. Os mais velhos vão se lembrar das apurações das eleições que antecederam o voto eletrônico. As urnas eram abertas e as cédulas espalhadas em mesas. Cada uma delas composta por mesários, os contadores oficiais de votos, e representantes de todos os partidos. Uma algazarra, um ambiente para lá de propício para a fraude. Imagine este quadro hoje, com mais de 30 partidos ao redor das mesas de apuração.
O desembarque do Centrão no
governo Bolsonaro é outro elemento que manda o país de volta para o passado.
Claro que agrupamentos fisiológicos ocorrem no Parlamento brasileiro desde o
Império. Evidentemente eles circulam o Poder Executivo e dele muitas vezes
fazem parte sempre com o objetivo de garantir brasa sob as suas sardinhas. Mas
o modelo “É dando que se recebe” explícito foi concebido no governo de Fernando
Collor. Já existia sob Sarney, mas cristalizou-se no processo que acabou com o
primeiro impeachment de presidente no Brasil.
As pautas de costumes, que
muitos enxergam como um mal menor do extremista Jair Bolsonaro, comportam
outras barbaridades que podem ajudar a tornar o Brasil um país ultrapassado. Entre
elas estão a ampliação do porte de armas; o homeschooling, que permite que crianças sejam educadas
em casa pelos pais; a criação do estatuto da família, proibindo a união estável
de casais homoafetivos; a proibição total do aborto, mesmo para gestação de
fetos anencéfalos; e o endurecimento da lei de drogas. Além, claro, da redução
do rigor em casos de atentados aos direitos humanos e a aprovação do infame
excludente de ilicitude.
Nem os brasileiros que ainda
insistem em apoiar Bolsonaro merecem um retrocesso desse tamanho. O país, que
está parado desde janeiro de 2019, corre o risco de ver sua democracia
destruída ao recuar pelo menos 30 anos em direção ao passado se o presidente
não for impedido. Se não agora, pelas mãos dos congressistas confortavelmente
aboletados no governo, que seja em outubro do ano que vem, pelo voto livre,
soberano, secreto e eletrônico.
Nazista no Planalto
Estranho tanta gente se surpreender com o
fato de Jair Bolsonaro receber uma nazista alemã em seu gabinete. Eles são
iguais, em todos os sentidos. Surpreendente seria se o visitante fosse um
parlamentar do Partido Verde alemão.
Uns acham exagero chamar o presidente do
Brasil de genocida. Outros consideram abusivo compará-lo a Hitler. Para estes,
algumas questões.
O que você responderia se lhe perguntassem
até onde chegaria o capitão se ele tivesse poderes ilimitados, como Hitler, Stalin, Mao ou Pol Pot? Você
acha que ele não cumpriria a promessa de “matar uns 30 mil” para fazer seus
acertos de conta? O homem que elogiou publicamente um dos mais notórios torturadores
do Brasil trucidaria seus adversários se não tivesse que prestar contas à
Justiça? Haveria risco dele usar as “suas Forças Armadas” para invadir a
Venezuela e derrubar Nicolás Maduro? Pois é.
Manso
O termo usado por Merval Pereira na sua
coluna de quinta-feira é o melhor para definir os muitos generais que circulam
Jair Bolsonaro. Eles estão “domesticados”, disse o colunista. Obedecem
cegamente o capitão, não questionam seus métodos, compram e multiplicam seus equívocos, aceitam
todas as suas barbaridades, mesmo as mais antidemocráticas. Se acham espertos
por receber contracheques de até R$ 100 mil (91 salários mínimos), como o de
Braga Netto deste mês. Talvez por isso sejam tão mansos.
Alternativa
É conhecida a má vontade do gaúcho com o
princípio da reeleição. Nunca um governador do Rio Grande do Sul foi reeleito
desde a instituição do princípio na Constituição brasileira. Tentaram e fracassaram Antônio
Britto, Olívio Dutra, Germano Rigotto, Yeda Crusius, Tarso Genro e José Ivo
Sartori. Faz todo sentido, portanto, Eduardo Leite querer ser candidato a
presidente.
Cuba em crise
Desde o início do ano, a guarda costeira
dos Estados Unidos recolheu
512 cubanos no mar da Flórida. Durante todo o ano passado,
apenas 49 foram abordados.
Veto Total
Nem o bolsonarista mais casca dura poderia
imaginar que um dia o seu mito vetaria um projeto de lei que dá acesso aos
detentores de planos de saúde a um tratamento contra o câncer administrado
oralmente, em casa, para dar mais conforto ao paciente. Bolsonaro atendeu pedido das empresas de
planos de saúde, que teriam de bancar os custos ambulatoriais e domiciliares do
tratamento. Alegou que o projeto “comprometeria a sustentabilidade do mercado”.
Fala sério. Calcula-se que não mais de 50 mil pacientes seriam alcançados pelo
projeto. Uma migalha do total de 47,5 milhões de brasileiros que têm e pagam
planos de saúde. Só no ano passado, 550 mil pessoas contrataram novos planos.
Veto parcial
Já a dinheirama para os partidos políticos
vai escorrer amplamente. O presidente anunciou à turma do curral do Alvorada que não
conseguirá vetar mais do que dois dos seis bilhões de reais aprovados para o
fundo partidário. Mentiu aos seus apoiadores dizendo que não podia vetar mais
do que isso por ser ilegal. E o curral aplaudiu.
A cadeira
Não se conhece pessoa que goste mais de uma
cadeira do que Paulo Guedes. Grudado na sua como uma ostra no rochedo, o
ministro da Economia não vai pedir o boné, mesmo que seja obrigado a engolir
mais uma dúzia de sapos. O próximo já está sendo preparado para ser enfiado em
sua goela, a recriação do Ministério do Planejamento para abrigar mais um
guloso do Centrão.
A CPI vem aí
Na semana que vem, na medida em que Rebeca,
Rayssa e Ítalo forem saindo de cena, Aziz, Randolfe e Renan voltam a ganhar os
holofotes. A CPI está de volta para a alegria de muita gente e para o pânico do capitão. Na
TV, é só subir um canal, do 539 para o 540.
Um ano de solidão
Uma pesquisa sobre o uso do tempo revelou que, em média, o norte-americano passou 57 minutos a mais sozinho a cada dia do ano passado em razão da pandemia de coronavírus. No caso dos adolescentes entre 15 e 19 anos, a solidão subiu de 4,5 horas para 6 horas diárias.
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