sexta-feira, 22 de agosto de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Bolsonaros só agem em benefício próprio, revela PF

O Globo

Mensagens deixam claro que objetivo de Eduardo e Jair é tão somente escapar da Justiça

São estarrecedoras as revelações do relatório da Polícia Federal (PF) que dão sustentação a mais um indiciamento de Jair Bolsonaro e seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). O documento expõe ações recentes de ambos para retaliar autoridades brasileiras responsáveis pelo julgamento da trama golpista marcado para setembro. Na forma e no conteúdo, as mensagens trocadas por pai e filho constituem um escândalo.

Em recados enviados na noite de 7 de julho, Eduardo deixa claro que sua única intenção é evitar a prisão do pai. Tudo gira em torno — e em benefício — da família Bolsonaro, a ponto de ele descrever como erro a anistia aos condenados por participar dos ataques violentos do 8 de Janeiro. “Se a anistia light passar, a última ajuda vinda dos EUA terá sido o post do Trump”, escreve. “Temos que decidir entre ajudar o Brasil, brecar o STF e resgatar a democracia OU enviar o pessoal que esteve no protesto que evoluiu para uma baderna para casa num semiaberto.”

Entre as provas contra Bolsonaro, a PF ressalta que ele movimentou R$ 30,6 milhões em 12 meses e destaca as transferências financeiras para Eduardo permanecer nos Estados Unidos, onde tem defendido, de forma reiterada, sanções contra ministros do STF e outros agentes públicos. Cita também mensagens do ex-presidente a um advogado que representa a Trump Media & Technology Group em processo contra o ministro do STF Alexandre de Moraes na Justiça americana.

É nítida a tentativa de usar os contatos no governo americano — com ou sem anuência deles — apenas em benefício próprio, e não das causas de liberdade e justiça que ambos propalam defender. No celular de Bolsonaro, a PF encontrou outra prova de que o interesse dele é apenas ficar livre: uma carta, editada ainda em 2024, com pedido de asilo político ao presidente argentino Javier Milei. Não há evidência mais clara de que ele pensava em fugir.

Bolsonaro pede ainda orientação para comentar o tarifaço de Trump contra o Brasil. Na sede do PL, os policiais acharam documento com título em inglês e perguntas sobre o que ele faria se voltasse ao poder. Na interpretação da PF, era uma “entrevista levada a efeito por profissional jurídico no interesse de grupo/organização estrangeira, com finalidade de coleta de dados e informações estratégicas sobre temas relacionados à soberania nacional”.

É espantoso que mensagens entre pais e filhos, ainda que escritas com intimidade para consumo doméstico, descambem para o nível de baixaria exposto no relatório da PF. É simplesmente constrangedora a troca de xingamentos entre os Bolsonaros. Na superfície, parece só grosseria. Na essência, o único objetivo é defender os interesses da família Bolsonaro, seja lá quais forem as consequências nefastas para os brasileiros afetados pelo tarifaço ou para as instituições atacadas por sanções americanas.

Para além do linguajar chulo, incompatível com lideranças políticas desse nível, fica evidente a articulação de Eduardo com autoridades americanas contra o interesse nacional e a preparação de um plano de fuga de Bolsonaro. No processo contra ele, acumulam-se evidências graves de tentativa de obstrução da Justiça. No caso de Eduardo, a Câmara nem precisa esperar a Procuradoria-Geral da República decidir se oferecerá denúncia com base no relatório. Já há vasto conjunto de provas para julgá-lo por quebra de decoro.

Retrocessos no Código Eleitoral não podem prosperar no Senado

O Globo

Texto aprovado na CCJ ressuscita voto impresso, enfraquece Lei da Ficha Limpa e punição por desinformação

O projeto de novo Código Eleitoral aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado representa não apenas um retrocesso, mas também uma ofensa ao eleitor. Entre outros pontos nefastos, enfraquece a bem-sucedida Lei da Ficha Limpa, resgata a ideia descabida do voto impresso, alivia penas para quem disseminar desinformação no período eleitoral e reduz a quarentena de agentes públicos que queiram se candidatar. Nada disso faz sentido.

Um dos trechos mais nocivos abranda a Lei da Ficha Limpa, conquista que resultou da mobilização da sociedade brasileira. O projeto prevê que políticos condenados por crimes contra economia popular, saúde, meio ambiente, abuso de autoridade ou eleitorais poderão ficar inelegíveis por no máximo oito anos, contados a partir da condenação por órgão colegiado. Hoje esse prazo é contado a partir do final do cumprimento da pena. Na prática, a manobra significa redução no prazo de inelegibilidade, uma vez que eles não precisarão esperar o fim da pena.

Outro trecho nocivo, aprovado por destaque, ressuscita o voto impresso. O tema não havia sido incluído no texto-base por falta de consenso, mas acabou chancelado por 14 votos a 12 numa sessão esvaziada. Apresentado pelo senador Esperidião Amin (PP-SC), prevê que “a urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado”. Estabelece ainda que a votação não será concluída até que o eleitor confirme a correspondência entre o teor do voto e o registro impresso.

A ideia é tão estapafúrdia que foi criticada pelo próprio relator, senador Marcelo Castro (MDB-PI). A proposta já foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e rejeitada pelo próprio Parlamento em votação anterior. “Quero crer que estamos incorrendo em inconstitucionalidade pela segunda vez”, disse Castro. A insistência decorre da tese absurda segundo a qual as urnas eletrônicas não são seguras. O ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados levantaram todo tipo de suspeita sobre o sistema eleitoral brasileiro, sem jamais comprovar nenhuma. Está mais que demonstrado que ele é confiável. O voto impresso significa apenas mais despesa em troca de nada.

O texto aprovado também recua na punição mais rigorosa a quem divulgar “fatos sabidamente inverídicos sobre partidos ou candidatos” capazes de influenciar o eleitorado. Para a desinformação eleitoral, mantém a pena atual de detenção de dois meses a um ano, além de multa. Uma versão anterior previa um a quatro anos. Houve mudança também na quarentena para agentes de segurança, integrantes do Judiciário e do Ministério Público que queiram se candidatar. Inicialmente, o período estipulado era de quatro anos. Caiu para um ano, prazo curto demais, incapaz de desestimular oportunistas.

O projeto ainda vai a plenário no Senado e, como foi modificado, voltará à Câmara. Todos os equívocos e retrocessos precisam ser barrados. Não faz sentido aprovar um novo Código pior que o atual. Ainda há tempo de agir.

Nem alívio de precatórios evita desafio fiscal de 2027

Valor Econômico

Regras para despesas do regime fiscal estão em xeque

A retirada do limite de pagamento de precatórios e sua incorporação de 10% do total a cada ano, constante da PEC 66, perto de segunda e última votação no Senado, dará alguma ajuda à consecução da meta fiscal, mas não evitará o desafio fiscal de 2027. Ele colocará à prova a manutenção do regime fiscal, cujas regras terão de ser mudadas devido ao estrangulamento além do factível das despesas de custeio e investimentos da máquina do Estado pelo crescimento das despesas obrigatórias. A Instituição Fiscal Independente (IFI) traçou vários cenários, e todos mostram que a expansão acima do limite de despesas dos gastos previdenciários e sociais, e da indexação às receitas do teto constitucional para saúde e educação, é um constrangimento absoluto.

O próximo governo teria um encontro marcado com a volta integral dos precatórios à contabilidade da meta de resultado primário em 2027. Além de a meta fiscal subir para 0,5% do PIB, com um limite inferior também positivo de 0,25% do PIB, a conta dos títulos dessa dívida, caso repetisse o montante de 2026, de R$ 115 bilhões, seria de R$ 48,5 bilhões a mais do que no exercício anterior. O esforço fiscal necessário para cumprir não a meta, mas seu piso inferior, exigiria um contingenciamento de despesas de R$ 166,5 bilhões, muito superior aos 25% da dotação orçamentária permitidos pelo regime fiscal. Com a PEC, as despesas ultrapassariam seu limite em R$ 79 bilhões, obrigando a uma contenção em montante não realizado até agora e superior ao limite máximo de corte dos gastos discricionários.

O governo tem procurado elevar a arrecadação para também aumentar as despesas, com sucesso decrescente. Uma batalha judicial contra decisão do Congresso permitiu que houvesse aumento do IOF - dois terços de sua arrecadação é proveniente do crédito a empresas e pessoas físicas e o restante provém em partes iguais de operações de câmbio e com títulos e valores mobiliários. A MP 1303, ainda não aprovada, eleva o Imposto de Renda sobre aplicações financeiras (LCI, LCA, CRA, CRI, debêntures incentivadas) e apostas, aumenta a CSLL das fintechs, restringe as compensações tributárias e taxa mais juros sobre capital próprio. Não se sabe se o governo conseguirá tudo o que quer, pois há resistência ao pacote, em especial na taxação dos investimentos financeiros.

Considerando que tudo o que foi proposto seja aceito, a IFI estima um aumento de receita de R$ 39 bilhões em 2026 e R$ 31 bilhões no ano seguinte, com o maior montante decorrente do IOF, R$ 27,8 bilhões (Receita Federal). Nem todo esse dinheiro, mais o alívio da PEC dos precatórios, será suficiente para manter as regras do regime fiscal intactas. Ainda assim, seria necessário conter R$ 130,7 bilhões de gastos. A conclusão das simulações, segundo a IFI, serviu para confirmar “que a atual regra de limite de despesa como definida hoje, e mesmo na hipótese de promulgação da PEC 66/2023, perderá efetividade em 2027”.

O impulso fiscal à economia tem diminuído porque o déficit primário formal é menor, de 0,25% do PIB este ano. No entanto, como ficou mais uma vez evidente no pacote destinado a diminuir os efeitos do tarifaço do presidente Donald Trump contra o Brasil, há cada vez mais recursos que são retirados da meta. Além dos R$ 48 bilhões de precatórios e ajuda ao Rio Grande do Sul, serão mais R$ 9,5 bilhões agora, ainda a serem aprovados pelo Congresso. Já sob ameaça das tarifas americanas, o governo zerou em junho o contingenciamento de R$ 20 bilhões, o que, por prudência fiscal, não deveria ter feito.

Embora haja pouca dúvida de que a meta fiscal, em seu limite inferior, será cumprida este ano, ela exigirá um esforço nada trivial em 2026, ano eleitoral. A IFI estima um déficit primário real de R$ 75,3 bilhões, com abatimento de R$ 58 bilhões de precatórios da meta do governo, faltando R$ 17,5 bilhões adicionais para se chegar ao déficit zero, a banda inferior admitida pelo regime fiscal. Esses cálculos já incluem R$ 39 bilhões de receitas a mais de que poderia dispor o Tesouro, caso todo o pacote de aumento de arrecadação de 2025 seja bem-sucedido em um Congresso agora conflagrado e que tem imposto dissabores em série aos desejos do Planalto.

Como se previa, o regime fiscal criado pelo governo Lula aumentou gastos, não evitou um crescimento significativo da dívida bruta e mal produziu um resultado primário em que despesas apenas se igualassem a receitas. Em nenhum momento o governo pensou em atingir pelo menos o alvo central da meta, preferindo sempre o seu piso. Poderia ter um desempenho menos frustrante caso políticas expansionistas, como aumento real de salário mínimo, que indexa Previdência e vários benefícios sociais, não estivesse a ele acoplado. Não se sabe como o Planalto vai se comportar em um ano eleitoral, em uma difícil campanha pela reeleição de Lula. Se o presidente vencer, terá de desfazer um apertado nó fiscal que ele próprio decidiu apertar. Se não, deixará a seu sucessor a difícil missão de consertar as contas públicas.

Mensagens expõem crueza e farsa dos Bolsonaros

Folha de S. Paulo

Revelação de conversas rudes do ex-presidente Jair e seu filho fujão Eduardo atesta a vileza de seus objetivos

Como se não bastasse a acusação de tentativa de golpe, Bolsonaro terá agora de lidar com uma outra, a de ter tentado coagir autoridades

Seria emprestar demasiada nobreza à opereta do clã Bolsonaro equipará-la à tragédia do rei Lear. A peça de Shakespeare trata de intrigas, traições, hipocrisia e ingratidão na relação entre um pai no outono do poder e suas filhas herdeiras.

Esses temas transparecem das mensagens recuperadas pela Polícia Federal do celular do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), divulgadas na quarta-feira (20), mas em registro de briga de bar portuário, não no dos célebres torneios de diálogos do bardo inglês.

O patriarca Jair vislumbra o cárcere e tem uma herança a transmitir sob a forma da bênção a um candidato ao Planalto. Eduardo, o filho fujão, teme que a preferência do progenitor migre para o governador de São PauloTarcísio de Freitas (Republicanos), e trama para embotar esse desfecho.

Incita o governo Donald Trump a sabotar a economia brasileira. Se as duas filhas mais velhas de Lear bajulam o pai, Eduardo insulta o seu: "VTNC, seu ingrato do c.". Alvejar o governador é seu objetivo: "Tarcísio nunca te ajudou em nada no STF. Sempre esteve de braço cruzado vendo vc se f. e se aquecendo para 2026".

Pela hipocrisia traiçoeira, na peça seiscentista, e pela truculência rústica, no dramalhão brasileiro, o resultado é igual —o pai se lasca. As maquinações de Eduardo pioram a situação judicial de Jair. Caíram as chances de penas menores, de cumprimento domiciliar ou de perdão presidencial.

Como se não bastasse a acusação de tentativa de golpe, Jair Bolsonaro terá agora, graças à descortesia estrepitosa de Eduardo, de lidar com uma outra, a de ter tentado coagir autoridades incumbidas do processo associando-se a um governo estrangeiro.

A inépcia do filho poderá custar ao pai mais tempo na cadeia, e não faltou nessa urdidura nem quem, como autêntico bobo da corte, lhe advertisse disso: "Esse seu filho Eduardo é um babaca", disse o pastor Silas Malafaia, agora também investigado.

Se as primogênitas de Lear ao menos experimentaram o gosto do poder conquistado pela traição, o destino de Eduardo tende a ser outro. Ao ostracismo autoimposto devem se somar sanções judiciais e políticas que o impedirão não apenas de disputar eleições, mas também de usufruir da liberdade caso resolva retornar.

Boas tragédias possuem a capacidade de induzir no espectador reflexões sobre a confecção complexa e contraditória do tecido humano. Não há nada disso na história das trocas de cotoveladas na família Bolsonaro.

Seu valor didático é escancarar a farsa armada por pessoas desqualificadas para disfarçar seus objetivos mesquinhos. Os Bolsonaros só estão interessados em poder e sobrevivência. Se tiverem de atropelar a nação, o pai ou o filho para isso, irão em frente. É tolice deixar-se conduzir pela ilusão de radicalismo que fabricam.

A exposição crua dos seus métodos e objetivos terá prestado um serviço útil se ajudar eleitores e forças políticas a tomarem distância dessa família tóxica.

Trump é um renovador de incertezas na Guerra da Ucrânia

Folha de S. Paulo

Histrionismo de presidente em reuniões com Putin, Zelenski e líderes europeus pouco acrescentou para soluções de paz

Diante desse cenário adverso, uma saída frágil e sob guerra latente, como a vigente na península coreana há 72 anos, não é algo a se desconsiderar

O voluntarismo errático do presidente Donald Trump na intermediação de uma solução de paz entre Rússia e Ucrânia provou-se pouco eficaz. Pelos resultados de suas recentes reuniões com o russo Vladimir Putin, no Alasca, e com o ucraniano Volodimir Zelenski e líderes europeus, em Washington, não há indicações de que tal atuação ainda venha a frutificar.

Trump se revela, no campo mais desafiador da diplomacia, um renovador de incertezas. Suas iniciativas e declarações públicas, aparentemente mais motivadas por ambições pessoais do que por uma estrita compreensão do direito internacional, minam as chances de um cessar-fogo.

Não passa incólume sua aversão à neutralidade para atuar como intermediador. Seu indisfarçável favoritismo veio mais uma vez à tona pouco depois do encontro com Putin, na sexta-feira (15), ao recuar em seu objetivo de extrair de Moscou um compromisso de cessar-fogo imediato.

O americano extrapolou seu papel ao respaldar a premissa de Putin de iniciar negociações sobre garantias de segurança somente após a concessão de 20% do território da Ucrânia. No mais, expôs rasa compreensão sobre uma guerra que se arrasta há mais de três anos com razoável ameaça para toda a Europa.

A presença de Zelenski e de seis líderes europeus na Casa Branca três dias depois pode ter sido engendrada por Trump como ária adicional à sua ópera bufa. Mas, desde então, o líder já não poderá —ou não deveria— ignorar a prioridade de segurança na região.

Muito além da questão da cessão territorial, que o próprio Zelenski já considerou como uma possibilidade, assegurar que Putin não avance para o Ocidente é termo essencial para qualquer arranjo de paz. Foi o que os europeus tiveram de lhe ensinar.

Impedir que a Rússia tenha participação e poder de veto em uma futura instância garantidora tornou-se tão imperativo como consolidar um compromisso de defesa comum do Ocidente à Ucrânia diante de qualquer ameaça vinda de Moscou. Essa foi a lição adicional.

Humilhado no Salão Oval por Trump em fevereiro, Zelenski desta vez deixou os EUA com a exigência de um entendimento sobre as garantias de segurança no prazo de dez dias. Os bombardeios russos no oeste ucraniano, enquanto as conversas corriam, evidenciaram o acerto das potências europeias ao respaldá-lo.

Diante desse cenário adverso, uma futura solução de paz frágil e guerra latente, como a vigente na península coreana há 72 anos, não é algo a se desconsiderar.

Ruína de Bolsonaro é chance para a direita

O Estado de S. Paulo

Tendo ficado claro que o ex-presidente só pensa em si mesmo e está se lixando até para aliados, cabe aos verdadeiros conservadores abjurar o clã que lesa o Brasil para se safar da Justiça

O indiciamento de Jair e Eduardo Bolsonaro pelos crimes de coação no curso do processo e abolição violenta do Estado Democrático de Direito escancarou, de uma vez por todas, aquilo que já estava implícito no comportamento do clã: sua única preocupação é garantir, a qualquer custo, que o ex-presidente jamais seja responsabilizado pela pletora de crimes que o fizeram réu perante o Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Penal 2.668, que trata da tentativa de golpe de Estado. Qualquer outro objetivo, seja de interesse nacional, partidário ou voltado a um movimento político mais amplo, não tem a menor importância para Bolsonaro e sua grei.

O relatório da Polícia Federal (PF), divulgado com autorização do ministro Alexandre de Moraes, indica que Bolsonaro, Eduardo e o pastor Silas Malafaia tramaram desavergonhadamente meios concretos de interferir no bom andamento da Ação Penal 2.668. Do ponto de vista jurídico-penal, a tipificação dessas condutas ainda tem de passar pelo crivo da Procuradoria-Geral da República. Entretanto, do ponto de vista político, o material obtido pela PF não poderia ser mais devastador para os Bolsonaros.

As conversas trazidas a público confirmam a supremacia dos interesses mesquinhos da família sobre o interesse nacional e até mesmo sobre os de seu grupo político, o que atesta a absoluta falta de compromisso do bolsonarismo com o Brasil. A imposição de uma sobretaxa de 40% sobre as exportações brasileiras pelo presidente dos EUA, Donald Trump, somada às sanções impostas ao ministro Moraes pelo governo americano no âmbito da Lei Magnitsky, evidenciam o preço da cruzada delinquente de Jair e Eduardo Bolsonaro, este homiziado nos EUA desde março: incalculável prejuízo para o País em nome da impunidade de um só homem.

Em mensagens ao pai, Eduardo foi explícito ao dizer que a tal “anistia ampla, geral e irrestrita” jamais passou de um artifício retórico. O que importa, disse ele, é tão somente livrar Bolsonaro da cadeia. Caso contrário, segundo Eduardo, Trump poderia sustar suas ações para subjugar o STF em favor do pai. Esse reconhecimento expresso de que uma solução intermediária – o que o vulgo “zero três” chamou de “anistia light”, ou seja, um perdão que aliviasse apenas a situação dos bagrinhos do 8 de Janeiro – não satisfaria ao clã só reforça a convicção de que toda a energia negativa da família sempre esteve direcionada a um único fim: livrar Jair Bolsonaro, e apenas ele, da cadeia.

Nesse projeto personalista, atropelar aliados é fato da vida. O governador Tarcísio de Freitas, por exemplo, tido como candidato a herdeiro do espólio eleitoral de Jair Bolsonaro, tornou-se alvo da fúria de Eduardo apenas por tentar abrir canais de diálogo com autoridades americanas a fim de reduzir os impactos do tarifaço, particularmente duros para São Paulo. Em termos chulos, o filho do ex-presidente não só insultou o pai, como ameaçou desferir mais agressões contra Tarcísio caso Bolsonaro continuasse a defendê-lo em público. Em respeito ao leitor, decidimos não reproduzir a vulgaridade das conversas.

A cada revelação, fica mais evidente que a causa bolsonarista jamais foi a defesa da democracia, da soberania, da liberdade de expressão ou dos idiotas úteis que tomaram Brasília de assalto naquele dia infame. Trata-se de um projeto de autopreservação familiar que explora seguidores e sacrifica o Brasil. É nesse contexto que os verdadeiros conservadores, aqueles que repudiam a ruptura e prezam as instituições democráticas, devem avaliar a conveniência de permanecer ao lado de um golpista desqualificado como Jair Bolsonaro. Com tudo o que se sabe, só o fanatismo explica a fidelidade canina de alguns ao “mito”. Lideranças com pretensões eleitorais que se consideram decentes não podem continuar a se associar a um clã que já demonstrou ser capaz de trair os interesses mais vitais do País em troca da liberdade do líder da facção.

É de justiça reconhecer que, no campo da direita, já há quem se movimente pela construção de uma alternativa política democrática ao governo Lula da Silva, considerando que Bolsonaro é um zumbi político. Que assim seja, pois o Brasil não pode seguir refém de uma família que intoxica o destino nacional com sua desgraça particular.

O preço da soberba

O Estado de S. Paulo

Animado com sinais de recuperação de sua popularidade, governo Lula comete erros primários na articulação política, esquece que não tem maioria no Congresso e sofre duas derrotas no mesmo dia

O excesso de confiança do governo Lula da Silva nas últimas semanas cobrou um preço alto no Congresso. A mobilização da oposição impôs derrotas caras ao Executivo, que, num mesmo dia, perdeu os cargos mais importantes da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e assistiu à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no Senado aprovar o retorno do voto impresso nas eleições.

Em ambos os casos, a articulação política do governo cometeu erros primários, como não perceber que senadores e deputados alinhados ao Executivo, inclusive alguns pesos pesados de ambas as Casas, não estavam fisicamente em Brasília para participar das votações nos dois colegiados.

Dando como certo o cumprimento de um acordo para indicar o senador Omar Aziz (PSD-AM) para a presidência e o deputado Ricardo Ayres (Republicanos-TO) para a relatoria da CPMI, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), deu-se ao luxo de chegar atrasado para uma reunião que era decisiva.

Com o cochilo, a senadora Tereza Cristina (PP-MS) se aproveitou do fato de ser a mais velha entre os presentes para assumir a condução dos trabalhos e estabelecer o ritmo da votação. Assim, o senador Carlos Viana (Podemos-MG) derrotou Aziz na disputa pela presidência da CPMI por 17 votos a 14.

Na sequência, Viana escolheu para a relatoria do colegiado o deputado Alfredo Gaspar (União-AL), ex-procurador-geral de Justiça de Alagoas, que por sinal foi pego de surpresa por sua indicação. O parlamentar foi relator de representação do Partido Liberal que tentou suspender a ação penal que corre no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) por tentativa de golpe de Estado.

Já na apreciação do Código Eleitoral na CCJ do Senado, o senador Esperidião Amin (PP-SC) apresentou destaque para votação em separado de uma emenda para retomar o voto impresso, com a impressão de uma cédula e depósito em urna lacrada após a conferência do eleitor. Aprovada por 14 votos a 12, a proposta ainda tem um longo caminho pela frente e é improvável que entre em vigor, haja vista que já foi declarada inconstitucional pelo STF.

Por maior que seja o empenho do comando da CPMI do INSS em desgastar o governo, a oposição será minoria no colegiado e o calendário parece bastante desfavorável. O fato de que as investigações só vão começar após o ressarcimento dos aposentados e pensionistas que tiveram benefícios descontados de maneira irregular retira boa parte do apelo da comissão.

As convocações do ex-ministro da Previdência Carlos Lupi e de Frei Chico, vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi) e irmão de Lula, podem causar danos à imagem do presidente. Mas a longevidade do esquema, que pode ter começado por volta de 2016, joga contra todos os partidos indiscriminadamente.

Já o voto impresso não move corações e mentes nem no PP, partido do senador que apresentou a emenda, nem no PL de Jair Bolsonaro, cuja prioridade, neste momento, é defender uma anistia que possa livrar a cara do ex-presidente de uma provável condenação.

Na última ocasião em que o tema foi apreciado na Câmara, em 2021, recebeu apenas 16 votos favoráveis da bancada do PP, composta então por 40 deputados, e 11 do PL, formada por 41 parlamentares, a despeito da evidente tentativa de intimidação do governo Bolsonaro por meio de um desfile de tanques na Esplanada dos Ministérios realizado no mesmo dia.

Animado com o resultado de pesquisas que indicam a recuperação de sua popularidade e com o presente que o presidente dos EUA, Donald Trump, lhe deu ao associar o tarifaço à impunidade de Jair Bolsonaro, Lula talvez tenha se esquecido de que nunca teve maioria no Congresso e de que ainda precisa dele para governar.

Um dia antes das duas derrotas do governo no Congresso, o PP e o União Brasil formalizaram a federação que terá a maior bancada da Câmara e uma das maiores do Senado. Era mais que esperado que aproveitassem o ensejo para mandar um recado ao Executivo. E a mensagem é clara: o Centrão não vai facilitar a vida do governo.

A desidratação da Lei Cidade Limpa

O Estado de S. Paulo

Multas em queda e sem reajuste há 18 anos mostram conivência com quem suja a cidade

Uma reportagem do Estadão feita com base em dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) mostrou com números como a Lei Cidade Limpa em São Paulo atravessa um processo de desmonte. Passados 18 anos de vigência das regras que varreram a sujeira de fachadas, empenas cegas, outdoors, postes e outros equipamentos urbanos, essa legislação vive uma crise, com recuo nos registros de multas, queixas de morosidade na fiscalização e crescente judicialização. E o poder público, que deveria ser o responsável por garantir a aplicação da lei, é o responsável por sua degeneração, que pode ser vista nas irregularidades espalhadas pelas ruas da capital paulista.

Prova disso é que, de 2020 a 2024, houve uma média de 200 multas por ano, ante mais de 500 nos quatro anos anteriores. Para ter uma ideia, em 2011, auge da fiscalização, foram aplicadas 4.591 multas. Esse refluxo não ocorreu porque os infratores tomaram jeito, mas porque uma mudança legislativa proposta pela Prefeitura e aprovada na Câmara no início desta década passou a determinar a expedição de uma “notificação orientativa” antes da aplicação da multa. Com isso, o infrator ganha até 30 dias para fazer ajustes. Ocorre que esse tipo de advertência ou ação pedagógica não se justifica, haja vista que é procedimento comum apenas durante a implementação de uma lei, o que não é, por óbvio, o caso da Lei Cidade Limpa, conhecida por todos há quase duas décadas.

Ademais, o desestímulo ao cumprimento da lei também pode ser verificado na inércia da Câmara e da Prefeitura em reajustar o valor da multa aplicada aos infratores. Desde que a lei entrou em vigor, em 2007, a pena para quem polui visualmente a cidade está congelada em R$ 10 mil para anúncios de até 4 metros quadrados, com acréscimo de R$ 1 mil para cada metro quadrado adicional de irregularidade. Caso tivesse sido corrigida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial do País, essa multa seria hoje de R$ 28 mil. O resultado desse afrouxamento contínuo é que os valores arrecadados com as multas despencaram de R$ 76 milhões, em 2011, para R$ 4,5 milhões, no ano passado.

Tudo isso evidencia o flagrante afrouxamento da Lei Cidade Limpa, que implica também sua perda de protagonismo. As sucessivas flexibilizações fizeram com que os infratores ou os potenciais infratores já não tenham mais medo de sofrer as duras punições de antigamente. Na prática, a leniência do poder público é um incentivo para que se burle a lei.

E, para piorar, tramita na Câmara um projeto de lei para liberar anúncios maiores pela cidade e até em espaços vetados, como vias, praças, viadutos e empenas cegas, além de propor a criação de uma “Times Square” em São Paulo. Como se vê, as autoridades públicas, em vez de mirarem o futuro, com o aprimoramento da lei, investimentos em fiscalização, maior rigor na punição e moralização da publicidade, seguem na direção do passado, a fim de restituir em São Paulo o caos de outrora promovido pela poluição visual. A isso não se pode dar outro nome senão retrocesso.

Paternidade: licença volta aos holofotes

Correio Braziliense

O que não faltam são projetos estabelecendo períodos de licença de 15, 20 e 60 dias, além de uma estabilidade de 30 dias no emprego após o término do afastamento

Em 9 de agosto, um sábado, o tema licença-paternidade pautou o dia em quatro cidades brasileiras. Simultaneamente, foram realizadas manifestações em São Paulo, Brasília, Recife e Rio de Janeiro. Pais, mães e crianças foram às ruas para chamar a atenção para a necessidade de rever a legislação e aumentar o afastamento para 30 dias. Os atos foram organizados pela Coalizão Licença-Paternidade (CoPai), que protestou contra o fato de que os atuais cinco dias de licença a que os pais têm direito a princípio seriam temporários, mas seguem sendo adotados há 37 anos.

Nos últimos dias, as peças do xadrez, ainda que a passos de tartaruga, começam a se movimentar. No dia 15, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou uma liminar pedida por Marcelo Kosminsky, procurador da Fazenda Nacional, que tentava obter 120 dias de licença-paternidade.

Kosminsky, que foi pai há menos de um mês, tem direito a 20 dias de afastamento da função de coordenador-geral da Fazenda junto a tribunais superiores, como Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O magistrado se justificou dizendo que o Congresso está sendo omisso ao não regulamentar a licença-paternidade, prevista na Constituição de 1988.   

O próprio STF já reconheceu essa omissão por parte do Congresso. Em 2023, a Corte estipulou um prazo de 18 meses para que os parlamentares regulamentassem o benefício, prazo que se esgotou em junho. Desde então, nada aconteceu. A ministra Cármen Lúcia rejeitou a liminar por questões processuais, mas determinou que Congresso Nacional, Presidência da República e Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestem sobre a ação. 

A licença-paternidade no Brasil, prevista na criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), é de apenas cinco dias consecutivos, contados a partir do nascimento do filho. No caso das mães, o afastamento é de 20 dias — uma diferença bastante desproporcional, uma vez que cada vez mais se discutem os direitos igualitários de pai e mãe na criação dos filhos, além da igualdade entre gêneros. 

Um levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 2022 mostra que, globalmente, 115 países oferecem o benefício aos pais, com duração média de nove dias. Desse total, 102 países têm licença-paternidade remunerada. Eslováquia, Islândia e Espanha destoam, com, respectivamente, afastamentos de 197, 183 e 112 dias.

No Brasil, a deputada federal Tabata Amaral fez, em suas redes sociais, uma defesa enfática em torno da ampliação da licença para 30 dias, com progressão até 60 dias, alegando que a Previdência Social, e não as empresas, arcaria com um custo de apenas 0,5% do seu orçamento, como ocorre com a licença-maternidade. 

O que não faltam são projetos estabelecendo períodos de licença de 15, 20 e 60 dias, além de uma estabilidade de 30 dias no emprego após o término do afastamento. Se algum for aprovado, beneficiará não somente os pais, mas a família como um todo e, principalmente, os bebês. Não faltam evidências de que as primeiras semanas de vida são essenciais para o desenvolvimento integral dos pequenos.

CPMI não pode se tornar rinha partidária

O Povo (CE)

A quarta-feira foi um dia de surpresa negativa para os aliados do governo. A oposição mobilizou-se rapidamente e conseguiu modificar o cenário a seu favor, assumindo o comando da comissão investigadora

Buscar os responsáveis pela fraude que atingiu um dos setores mais vulneráveis da sociedade, para que sejam punidos nos termos da lei, tem de ser o objetivo central da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito.

A oposição conseguiu impor uma derrota inesperada ao governo na composição da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigará os descontos indevidos nas aposentadorias e pensões do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

No processo de instalação da CPMI, os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), em concordância com o governo federal, articularam para indicar os principais cargos da CPMI.

Pelo acordo, a presidência da comissão seria exercida pelo senador Omar Aziz (PSD-AM) e a relatoria seria ocupada pelo deputado Ricardo Ayres (Republicanos-TO).

É provável que os negociadores do governo tenham confiado demais na articulação — que teve o envolvimento direto dos presidentes das duas casas legislativas — considerando o assunto resolvido.

No entanto, a quarta-feira, data da instalação da CPMI, foi um dia de surpresa negativa para os aliados do governo. A oposição mobilizou-se rapidamente e conseguiu modificar o cenário a seu favor, superando a influência dos presidentes das duas casas — e dos líderes petistas encarregados do assunto.

Na votação para indicar o presidente da CPMI, a oposição derrotou os candidatos governistas. O mais votado para presidir a comissão que vai investigar as fraudes no INSS foi o senador oposicionista Carlos Viana (Podemos-MG), que indicou como relator o deputado Alfredo Gaspar (União-AL), também do campo oposicionista.

Ficou evidente a falta de articulação do governo, o que levou a ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), a convocar uma reunião com aliados para discutir o assunto. O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AM), assumiu a responsabilidade pela derrota, admitindo ter subestimado os adversários.

Faz tempo que o governo enfrenta dificuldades, por problemas criados pelo próprio Executivo, como foi a má condução na crise do Pix. E, agora, com Randolfe, um político experiente da base governista, cometendo erros primários, que levou à perda do comando da CPMI.

A rigor, uma CPMI tem de delimitar o objeto de suas investigações, firmando o compromisso de funcionar como instrumento de apuração independente. Ou seja, tem de fazer uma investigação, apontando eventuais responsáveis pelas fraudes, independentemente de considerações partidárias ou ideológicas.

É de se esperar, mesmo sem muita expectativa, que o melhor aconteça, e que o plenário da comissão não se transforme em uma rinha partidária, com vistas à eleição do próximo ano.

Buscar os responsáveis pela fraude que atingiu um dos setores mais vulneráveis da sociedade, para que sejam punidos nos termos da lei, tem de ser o objetivo central da CPMI.

 

 

 


Nenhum comentário: