Folha de S. Paulo
Apesar de riscos, nervosismo politizado tende
a inflar crise que pode se acomodar em patamares administráveis
A Casa Branca tem neste momento assuntos
muito mais estratégicos e espinhosos a tratar em sua agenda externa, como
a guerra entre
Rússia e Ucrânia, do que os destinos de Jair Bolsonaro. Ainda assim,
a representação pseudo-diplomática em Brasília e funcionários da tropa de
choque reacionária de Washington tentam sustentar a fervura da
crise com o Brasil.
Contam para isso com a ajuda de políticos
entreguistas brasileiros, liderados por Jair e seu filho Eduardo, e de vozes
assustadas ou mal-intencionadas. Surfam ainda, paradoxalmente, em manifestações
pouco hábeis de agentes do Estado, caso recente do insubmergível ministro
Flávio Dino, do STF, que não se conteve e gerou frenesi no mercado
financeiro com o seu dispensável recado aos bancos.
Há, por outro lado, sinais menos dramáticos em cena, como a abertura de uma fresta para a negociação de contestações levadas pelo Brasil à OMC. Causou alguma surpresa, uma vez que os americanos sabotam a organização. A resposta, porém, foi clara ao manifestar disponibilidade para marcar a data de uma conversa.
Trump, como se sabe, antes de validar as
sanções econômicas, já tinha isentado centenas de produtos brasileiros do
tiroteio tarifário. A opinião de que o governo do Brasil, Lula à frente, nada
faz, erra na retórica, é nulo nas articulações e incompetente na diplomacia não
se sustenta. É coisa de bolsonaristas e comentadores antipetistas. O Brasil
está no jogo, dentro do possível.
É de se considerar ainda que o autocrata da
Casa Branca, que também tem problemas internos, possa dar como suficientes as
sanções e pensar duas vezes em nova escalada para salvar seu enrolado amigo
sul-americano. Poderá vir nova cartada com o julgamento? Em tese, sim, mas é
uma grande aposta. Perdendo, o que faria? Desembarcaria marines em
Copacabana? "Aqui tudo é melindroso", disse Eduardo Bolsonaro.
Sobre os efeitos reais das tarifas na economia,
o colunista Samuel Pessôa estimou uma possível perda de 0,15% do PIB em
2025 e de 0,3% em 2026. Não chega a ser uma bomba que possa atingir a maioria
da população brasileira. Pessôa também
vê consequente estímulo anti-inflacionário. E o dólar não
tende a subir.
Em outra perspectiva, voltada para o processo
político, o professor Christian Lynch pintou um quadro preocupante em artigo
nesta Folha e no podcast Café da Manhã. A depender da
evolução do imperialismo desglobalizante dos EUA, que vem no caldo do novo
nacionalismo e do novo fascismo deste conturbado século 21, a coisa pode
engrossar. A análise de Lynch merece atenção e nos coloca diante da
probabilidade de eclosão de um movimento golpista para não acatar uma eventual
derrota eleitoral da direita no Brasil em 2026.
A ordem mundial de Trump respeita zonas de
influência divididas basicamente em três eixos autocráticos estruturantes:
EUA, Rússia e
China. Ou seja, ele mesmo, Putin e Xi Jinping substituem as instituições
multilaterais. Cada qual teria ascendência sobre seu "quintal". O
Brasil, como a ameaçada Venezuela, está no cercado americano.
Há riscos inquietantes no ar, mas não
deixaria de lado a chance de um cenário em que os conflitos entre EUA e Brasil
passem a ser administrados em patamar mais estável e menos ameaçador de
tensões.
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