sexta-feira, 22 de agosto de 2025

Alarmismo com ataque de Trump não está exagerado? Por Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Apesar de riscos, nervosismo politizado tende a inflar crise que pode se acomodar em patamares administráveis

A Casa Branca tem neste momento assuntos muito mais estratégicos e espinhosos a tratar em sua agenda externa, como a guerra entre Rússia e Ucrânia, do que os destinos de Jair Bolsonaro. Ainda assim, a representação pseudo-diplomática em Brasília e funcionários da tropa de choque reacionária de Washington tentam sustentar a fervura da crise com o Brasil.

Contam para isso com a ajuda de políticos entreguistas brasileiros, liderados por Jair e seu filho Eduardo, e de vozes assustadas ou mal-intencionadas. Surfam ainda, paradoxalmente, em manifestações pouco hábeis de agentes do Estado, caso recente do insubmergível ministro Flávio Dino, do STF, que não se conteve e gerou frenesi no mercado financeiro com o seu dispensável recado aos bancos.

Há, por outro lado, sinais menos dramáticos em cena, como a abertura de uma fresta para a negociação de contestações levadas pelo Brasil à OMC. Causou alguma surpresa, uma vez que os americanos sabotam a organização. A resposta, porém, foi clara ao manifestar disponibilidade para marcar a data de uma conversa.

Trump, como se sabe, antes de validar as sanções econômicas, já tinha isentado centenas de produtos brasileiros do tiroteio tarifário. A opinião de que o governo do Brasil, Lula à frente, nada faz, erra na retórica, é nulo nas articulações e incompetente na diplomacia não se sustenta. É coisa de bolsonaristas e comentadores antipetistas. O Brasil está no jogo, dentro do possível.

É de se considerar ainda que o autocrata da Casa Branca, que também tem problemas internos, possa dar como suficientes as sanções e pensar duas vezes em nova escalada para salvar seu enrolado amigo sul-americano. Poderá vir nova cartada com o julgamento? Em tese, sim, mas é uma grande aposta. Perdendo, o que faria? Desembarcaria marines em Copacabana? "Aqui tudo é melindroso", disse Eduardo Bolsonaro.

Sobre os efeitos reais das tarifas na economia, o colunista Samuel Pessôa estimou uma possível perda de 0,15% do PIB em 2025 e de 0,3% em 2026. Não chega a ser uma bomba que possa atingir a maioria da população brasileira. Pessôa também vê consequente estímulo anti-inflacionário. E o dólar não tende a subir.

Em outra perspectiva, voltada para o processo político, o professor Christian Lynch pintou um quadro preocupante em artigo nesta Folha e no podcast Café da Manhã. A depender da evolução do imperialismo desglobalizante dos EUA, que vem no caldo do novo nacionalismo e do novo fascismo deste conturbado século 21, a coisa pode engrossar. A análise de Lynch merece atenção e nos coloca diante da probabilidade de eclosão de um movimento golpista para não acatar uma eventual derrota eleitoral da direita no Brasil em 2026.

A ordem mundial de Trump respeita zonas de influência divididas basicamente em três eixos autocráticos estruturantes: EUA, Rússia e China. Ou seja, ele mesmo, Putin e Xi Jinping substituem as instituições multilaterais. Cada qual teria ascendência sobre seu "quintal". O Brasil, como a ameaçada Venezuela, está no cercado americano.

Há riscos inquietantes no ar, mas não deixaria de lado a chance de um cenário em que os conflitos entre EUA e Brasil passem a ser administrados em patamar mais estável e menos ameaçador de tensões.

 

 

Nenhum comentário: