sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Tarcísio, o fantasma de Jânio e cinema com o Supremo. Por Andrea Jubé

Valor Econômico

Sobram argumentos para o governador se concentrar em São Paulo

Aos 50 anos, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), é um político atormentado por dois diabinhos sobre os ombros, um de cada lado, agitando os tridentes e sussurrando-lhe aos ouvidos: “serás candidato à reeleição”; “não, serás candidato a presidente da República”. Para usar o mesmo advérbio que o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), após o recente encontro com Tarcísio, “por ora”, o diabinho da reeleição está falando mais alto.

Entre muitos argumentos, este diabinho vive repetindo, como um disco riscado, que governadores de São Paulo amargam histórico de insucesso na eleição presidencial. Após a vitória nas urnas em 1960, Jânio Quadros governou sete meses e renunciou. Os tucanos José Serra e Geraldo Alckmin foram derrotados pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já no terceiro mandato.

Certa vez, Jânio relatou a interlocutores as agruras do cargo, entre elas, levar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ao cinema - sem dúvida, algo que, em meio à polêmica da anistia, causaria desconforto a Tarcísio. “Levantar-me de madrugada, chegar ao Palácio às seis horas, trancar-me no gabinete, trabalhar até as oito horas da noite. Voltar para casa, tomar um caldo - sim, um caldo - e dirigir-me a uma sessão de cinema, em companhia de um ou outro convidado. Um ministro do Supremo, eu convidada um ministro do Supremo. Positivamente, isto não fazia sentido”, protestou, em relato registrado pelo jornalista e escritor Otto Lara Resende em 1961.

Na segunda-feira (29), após a visita ao ex-presidente Jair Bolsonaro, Tarcísio descartou a candidatura presidencial. “Sou candidato à reeleição, como eu tenho dito”, disse a jornalistas, na saída do encontro. Caciques do Centrão insistem no contrário, e afirmam que se trata de um recuo estratégico.

Mas uma fonte que frequenta o entorno de Tarcísio disse à coluna que familiares e amigos mais próximos, entre eles, o secretário da Casa Civil, Arthur Lima - colega de juventude na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) - têm defendido que ele se volte para o governo paulista e mire a reeleição. “São pessoas que se preocupam verdadeiramente com ele”, alegou esta fonte.

Além do fantasma de Jânio, sobram argumentos para Tarcísio se concentrar em São Paulo. O Estado enverga números de um país, como a população de 46 milhões de habitantes, um orçamento de R$ 382 bilhões, dos quais R$ 30 bilhões para investimentos, e problemas da mesma magnitude na saúde, educação e na segurança pública, área que ele tentou transformar em vitrine.

Mas a dimensão do desafio na segurança veio à luz há pouco mais de um mês, quando uma força-tarefa nacional expôs e desarticulou um esquema bilionário no setor de combustíveis, comandado por integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). A megaoperação Carbono Oculto reuniu Ministério Público e Polícia Civil de São Paulo, Polícia Federal, Receita Federal, além das polícias civil e militar de mais sete Estados. Identificou R$ 30 bilhões em patrimônio da facção, como ações em fintechs, fazendas de cana-de-açúcar e postos de combustíveis. Uma das revelações foi de que a facção controlava a produção de combustíveis, culminando no “batismo” da gasolina com metanol.

Com desdobramentos dessa operação ainda em curso, explodiu a atual crise de intoxicação por metanol nas bebidas suspeitas de adulteração. Números dessa quinta-feira (2) mostravam que das 59 notificações, 53 eram ocorrências em São Paulo, com uma morte confirmada, e cinco sob investigação de terem sido causadas pela substância.

Na terça-feira (30), um dia após deixar a casa de Bolsonaro, e sob pressão por respostas, Tarcísio foi a público negar que o PCC estivesse envolvido nos casos. Os rumores começaram a circular como suposta retaliação pela megaoperação que desbaratou o esquema da facção, que envolvia “batizar” combustível com metanol. “Tem esse negócio em São Paulo, tudo que acontece é o PCC”, criticou o governador. “Não há evidência nenhuma da participação de crime organizado nisso”, rechaçou.

Não bastasse enfrentar PCC e a epidemia de intoxicação, o governador ainda assiste ao pitoresco aumento no número de roubos e furtos de alianças, que cresceu 68% no 1º trimestre em comparação com o mesmo período do ano passado, segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP).

Outros argumentos para Tarcísio se concentrar em são Paulo são os potenciais revezes da candidatura presidencial. O primeiro deles é se tornar refém dos sucessivos conflitos da família Bolsonaro e da instabilidade emocional do ex-presidente, de temperamento imprevisível. O outro é a recuperação da popularidade de Lula, que, no momento, exibe o trunfo da aprovação unânime pelos deputados da isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil.

A fonte do entorno de Tarcísio avalia que, sem ele na corrida presidencial, a oposição entra no modo “salve-se quem puder”, com Ratinho Júnior (PSD) e Michelle Bolsonaro (PL) ganhando fôlego na pista. Na eleição de 1960, o slogan do paulista que venceu era “Jânio vem aí”. Parafraseando, temos um “Tarcísio vem aí?”

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