Valor Econômico
Sobram argumentos para o governador se
concentrar em São Paulo
Aos 50 anos, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), é um político atormentado por dois diabinhos sobre os ombros, um de cada lado, agitando os tridentes e sussurrando-lhe aos ouvidos: “serás candidato à reeleição”; “não, serás candidato a presidente da República”. Para usar o mesmo advérbio que o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), após o recente encontro com Tarcísio, “por ora”, o diabinho da reeleição está falando mais alto.
Entre muitos argumentos, este diabinho vive repetindo, como um disco riscado, que governadores de São Paulo amargam histórico de insucesso na eleição presidencial. Após a vitória nas urnas em 1960, Jânio Quadros governou sete meses e renunciou. Os tucanos José Serra e Geraldo Alckmin foram derrotados pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, já no terceiro mandato.
Certa vez, Jânio relatou a interlocutores as
agruras do cargo, entre elas, levar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)
ao cinema - sem dúvida, algo que, em meio à polêmica da anistia, causaria
desconforto a Tarcísio. “Levantar-me de madrugada, chegar ao Palácio às seis
horas, trancar-me no gabinete, trabalhar até as oito horas da noite. Voltar
para casa, tomar um caldo - sim, um caldo - e dirigir-me a uma sessão de
cinema, em companhia de um ou outro convidado. Um ministro do Supremo, eu
convidada um ministro do Supremo. Positivamente, isto não fazia sentido”,
protestou, em relato registrado pelo jornalista e escritor Otto Lara Resende em
1961.
Na segunda-feira (29), após a visita ao
ex-presidente Jair Bolsonaro, Tarcísio descartou a candidatura presidencial.
“Sou candidato à reeleição, como eu tenho dito”, disse a jornalistas, na saída
do encontro. Caciques do Centrão insistem no contrário, e afirmam que se trata
de um recuo estratégico.
Mas uma fonte que frequenta o entorno de
Tarcísio disse à coluna que familiares e amigos mais próximos, entre eles, o
secretário da Casa Civil, Arthur Lima - colega de juventude na Academia Militar
das Agulhas Negras (Aman) - têm defendido que ele se volte para o governo
paulista e mire a reeleição. “São pessoas que se preocupam verdadeiramente com
ele”, alegou esta fonte.
Além do fantasma de Jânio, sobram argumentos
para Tarcísio se concentrar em São Paulo. O Estado enverga números de um país,
como a população de 46 milhões de habitantes, um orçamento de R$ 382 bilhões,
dos quais R$ 30 bilhões para investimentos, e problemas da mesma magnitude na
saúde, educação e na segurança pública, área que ele tentou transformar em
vitrine.
Mas a dimensão do desafio na segurança veio à
luz há pouco mais de um mês, quando uma força-tarefa nacional expôs e
desarticulou um esquema bilionário no setor de combustíveis, comandado por
integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). A
megaoperação Carbono Oculto reuniu Ministério Público e Polícia Civil de São
Paulo, Polícia Federal, Receita Federal, além das polícias civil e militar de
mais sete Estados. Identificou R$ 30 bilhões em patrimônio da facção, como
ações em fintechs, fazendas de cana-de-açúcar e postos de combustíveis. Uma das
revelações foi de que a facção controlava a produção de combustíveis,
culminando no “batismo” da gasolina com metanol.
Com desdobramentos dessa operação ainda em
curso, explodiu a atual crise de intoxicação por metanol nas bebidas suspeitas
de adulteração. Números dessa quinta-feira (2) mostravam que das 59
notificações, 53 eram ocorrências em São Paulo, com uma morte confirmada, e
cinco sob investigação de terem sido causadas pela substância.
Na terça-feira (30), um dia após deixar a
casa de Bolsonaro, e sob pressão por respostas, Tarcísio foi a público negar
que o PCC estivesse envolvido nos casos. Os rumores começaram a circular como
suposta retaliação pela megaoperação que desbaratou o esquema da facção, que
envolvia “batizar” combustível com metanol. “Tem esse negócio em São Paulo,
tudo que acontece é o PCC”, criticou o governador. “Não há evidência nenhuma da
participação de crime organizado nisso”, rechaçou.
Não bastasse enfrentar PCC e a epidemia de
intoxicação, o governador ainda assiste ao pitoresco aumento no número de
roubos e furtos de alianças, que cresceu 68% no 1º trimestre em comparação com
o mesmo período do ano passado, segundo a Secretaria de Segurança Pública
(SSP).
Outros argumentos para Tarcísio se concentrar
em são Paulo são os potenciais revezes da candidatura presidencial. O primeiro
deles é se tornar refém dos sucessivos conflitos da família Bolsonaro e da
instabilidade emocional do ex-presidente, de temperamento imprevisível. O outro
é a recuperação da popularidade de Lula, que, no momento, exibe o trunfo da
aprovação unânime pelos deputados da isenção do Imposto de Renda (IR) para quem
ganha até R$ 5 mil.
A fonte do entorno de Tarcísio avalia que,
sem ele na corrida presidencial, a oposição entra no modo “salve-se quem
puder”, com Ratinho Júnior (PSD) e Michelle Bolsonaro (PL) ganhando fôlego na
pista. Na eleição de 1960, o slogan do paulista que venceu era “Jânio vem aí”.
Parafraseando, temos um “Tarcísio vem aí?”
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