O Estado de S. Paulo
Quem olha para a foto vê o presidente Trump
como grande vencedor. Impôs o tarifaço, com reações mínimas das vítimas
globais; bem ou mal, estancou a imigração indesejada por ele; o Congresso faz
as suas vontades, a começar pela aprovação da lei fiscal, a tal Big and
Beautiful Bill; aos poucos, vai impondo seus pontos de vista ao Judiciário.
Até agora, as empresas prejudicadas vêm engolindo o tarifaço, quase sempre com casca e tudo. Nenhum agrupamento político global conseguiu uma ação conjunta capaz de reverter a atual política comercial dos Estados Unidos. País por país, bloco por bloco, vai prevalecendo o princípio do “meu pirão, primeiro” ou, então, o de que “nada é ruim o suficiente que não possa piorar”. Assim, Trump vai marcando um gol atrás do outro.
Mas, para além da foto, quem olha para o
filme tem dúvidas de que essa reviravolta acabe dando certo. Toda a grandeza
dos Estados Unidos nos últimos 100 anos foi construída sobre fundamentos e
pilares hoje abalados. Foram erguidos sobre o princípio da livre concorrência e
do livre comércio; sobre as instituições de Bretton Woods (FMI e OMC) e um
dólar confiável; sobre um banco central independente; e sobre um sólido regime
democrático, formado por um sistema de freios, pesos e contrapesos cuja função
é impedir a concentração do poder político.
Esse arcabouço está sendo rapidamente
desmontado, sob o argumento de que seria o responsável pelo declínio americano.
Onde isso vai dar? Por que o protecionismo,
que enfraqueceu o sistema produtivo onde foi adotado, de repente se tornou a
tábua de salvação de um regime em declínio? Por que o viés autoritário, tantas
vezes combatido, passa agora a ser visto como exemplo a seguir? Qual é o futuro
dessa estratégia? Para uma resposta confiável, é preciso antes saber quais são
os objetivos. São os de recuperar a hegemonia que vai sendo perdida para a
China? Ou apenas os de garantir a perpetuação no poder?
Por enquanto, o que se pode dizer é que muita
coisa pode dar errado. Sobram dúvidas sobre se o rombo fiscal dos Estados
Unidos será reduzido. É isso o que corrói a confiabilidade do dólar como moeda
de reserva global. O maior economista do século XX, John Maynard Keynes,
atribuía a Lenin uma recomendação sinistra: “se queres destruir o sistema,
começa por destruir o valor da sua moeda”.
A passividade diante das imposições de Trump
não ocorre apenas fora dos Estados Unidos. Elas se repetem lá dentro. Os
políticos do Partido Democrata permanecem paralisados. Fortemente atacadas por
Trump, as universidades perderam a iniciativa. O Judiciário vai aceitando tudo,
a começar pelas aplicações autoritárias da Lei Magnitsky.
Melhor pensar que o experimento de Trump seja
apenas o esperneio de quem não entendeu que um império não pode subsistir se
suas fontes de erosão não forem combatidas. O que deu certo até recentemente
não pode ser tratado como fonte de destruição.
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