terça-feira, 11 de novembro de 2025

COP entre o mito da queda do céu e a tragédia do presente, por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Belém precisa enfrentar o autoengano dos chefes de Estado e líderes de grandes corporações; discursos inflamados e compromissos frágeis são a contradição da conferência

“Se os xamãs desaparecerem, o céu cairá. Os brancos terão matado todos eles com sua fumaça de epidemia e seus metais. Então, ele desabará porque não haverá mais ninguém para sustentá-lo. Tudo virará noite outra vez, e os espíritos das florestas e das águas se vingarão de nossa loucura”. Há um elo profundo entre esse alerta dos xamãs Yanomami — que sustentam o céu com seus cantos e rituais — e a cena devastadora do tornado que atingiu o Paraná na véspera da abertura da COP30, em Belém.

Na cosmovisão Yanomami, descrita acima por Davi Kopenawa em A Queda do Céu, o desmatamento e o garimpo ilegal não são apenas agressões materiais, mas forças que corroem o equilíbrio espiritual do mundo. Quando o homem destrói a floresta, o céu começa a desabar. Por isso mesmo, na abertura da COP30, houve tensão simbólica e política. Ao afirmar que “é momento de impor uma nova derrota aos negacionistas”, na abertura da conferência do clima, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resgata o fio civilizatório da luta global contra a destruição ambiental e a desinformação.

COP30 é um grito de socorro. Ao mesmo tempo, um êxito do multilateralismo, se levarmos em consideração o boicote regressivo e obscurantista de líderes, como os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e da Argentina, Javier Milei. É uma situação paradoxal: mistura esperança e melancolia devido à constatação de que os compromissos do Acordo de Paris estão fragilizados diante das guerras, do protecionismo e do cansaço moral das nações.

O mito e a meteorologia se cruzam, o espiritual e o científico convergem. No Paraná, o redemoinho que ceifou vidas e arrasou casas pode ser lido como mais um sinal de ruptura cósmica: a natureza responde ao desequilíbrio imposto pela ganância e pela indiferença. A metáfora indígena confere à COP uma cosmovisão ancestral. Belém não é apenas o espaço de uma cúpula diplomática, mas o território onde a Amazônia, coração climático do planeta, tenta sustentar o céu — o teto comum da humanidade. Os xamãs e os cientistas estão denunciado a mesma tragédia: o risco de o mundo ruir sob o peso de suas próprias emissões, de sua cegueira tecnológica e de seu egoísmo político.

Ao associar a crise climática às tragédias recentes — o tornado paranaense, o furacão Melissa no Caribe —, Lula politizou a questão: “Sem o Acordo de Paris, o mundo estaria fadado ao aquecimento catastrófico de quase cinco graus”. No entanto, as modelagens oficiais mostram que nem o objetivo de 2° C será cumprido. O planeta avança, ainda que mais lentamente, rumo a um aquecimento entre 2° C e 3° C. Ou seja, rumo a catástrofes mais frequentes e danos irreversíveis.

Metas e resultados

Belém precisa enfrentar o autoengano dos chefes de Estado e líderes de grandes corporações; discursos inflamados e compromissos frágeis são a contradição da conferência. A diplomacia ambiental não deve substituir metas por promessas nem resultados por narrativas. Nesse aspecto, o lançamento do fundo para florestas tropicais, com a ambição de quadruplicar a produção global de combustíveis sustentáveis, é um esforço para manter viva a ideia de que é possível conciliar desenvolvimento e preservação, num momento em que o consenso científico alerta que o tempo está se esgotando.

Mas a situação internacional não é das mais favoráveis. A ausência de Trump e de Milei é uma estratégia política. Há uma “internacional da negação”, a aliança ideológica dos países que tratam a agenda climática como ameaça à soberania nacional e obstáculo ao crescimento econômico. Trata-se, também, de uma grande batalha cultural e civilizatória. Trump ironiza a “rodovia dos ambientalistas”. Para Milei, o mercado resolverá a crise climática.

Esses gestos minam a credibilidade do sistema ONU, que enfrenta o momento mais difícil desde sua criação, em 1945, e dificultam a construção de acordos vinculantes. Na verdade, o peso inercial das economias fósseis é o maior obstáculo ao sucesso da COP. As emissões globais se aproximam de 60 gigatoneladas de CO². Mesmo que todas as metas nacionais fossem cumpridas, cairiam apenas para 50 GT até 2035. O cenário geopolítico agrava o impasse. As guerras da Europa e do Oriente Médio desviam recursos para o setor bélico e elevam a demanda por energia fóssil.

A China, embora invista pesadamente em energia solar e eólica, ainda depende do carvão para sustentar sua industrialização. A Índia acelera suas emissões; os Estados Unidos avançam a passos lentos; e a Rússia em guerra continua a aumentá-las. Na Europa, os partidos verdes sofrem derrotas eleitorais, reflexo do cansaço social diante dos custos da transição. Entretanto, é preciso “coragem de identificar barreiras e integrá-las à agenda de desenvolvimento”, como disse o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30.

Embora seja a grande potência ambiental do planeta, por suas florestas e produção de energia limpa, o Brasil também precisa fazer o dever de casa. Matriz energética limpa e tradição diplomática de mediação não bastam. É preciso coerência interna, ou seja, combater o garimpo, frear o desmatamento e proteger os povos indígenas.

Não basta sustentar o céu no discurso: é preciso impedir sua queda na prática.

 

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