O Globo
Lula fez malabarismos diplomáticos para
criticar o uso de forças militares na região — sem se referir diretamente a
Trump
O surgimento da figura de um presidente como Donald Trump nos Estados Unidos fez com que as relações geopolíticas ficassem mais complexas, porque a maior potência militar e econômica do mundo tornou-se imprevisível, não apenas pelo comportamento de seu líder, mas principalmente pelo que parece ser sua decadência inexorável. Na cúpula da Celac, que reúne países da América Latina e do Caribe, realizada recentemente na Colômbia, o presidente Lula fez malabarismos diplomáticos para criticar o uso de forças militares na região — sem se referir diretamente a Trump —, mas ficou distante da solidariedade à Venezuela prevista pelo chanceler brasileiro, Mauro Vieira.
Nesse ponto, houve uma curiosa mudança de
posições. Lula foi mais diplomático do que Vieira, um grande diplomata da
escola do Itamaraty que não costuma errar na escolha das palavras, mas desta
vez teve de ser salvo pelo presidente. Não é usual. Lula fez bem em tocar na
questão, porque a anunciada intervenção dos Estados Unidos na Venezuela é em si
uma ameaça a uma região do mundo em que o Brasil é a principal liderança. Não
se trata de se comprometer com o regime da Venezuela, mas de defender que a
região não pode ser alvo de ataques de outros países. Foi adequado o tom do
discurso dele.
Com muita dificuldade, pois a gestão
esquerdista de Lula tem problemas para dissentir de parceiros ideológicos, o
governo brasileiro conseguiu se distanciar da Venezuela do ditador Maduro,
depois de ficar claro para o mundo que a eleição que o manteve no poder foi
fraudada. Depois, também, que Maduro fez de Lula gato e sapato, prometendo
divulgar atas da eleição que nunca apareceram. Solidariedade significaria estar
ao lado da Venezuela, e não é o caso. Estamos do lado da proteção da região,
sem entrar no mérito se há narcotráfico ou não, se Maduro é ditador ou não. A
questão é que não se pode ficar ameaçando países. Os mais fortes não podem
impor suas vontades e interesses. É a defesa que Lula faz, corretamente.
O governo brasileiro não tem mais boas
relações com a Venezuela, mas Lula se ofereceu a Trump para ser mediador na
disputa que se desenvolve no momento, em que a tentativa de invasão dos Estados
Unidos à Venezuela parece estar mais perto de se concretizar. É como o Brasil
pode se pronunciar na questão. Se houver invasão, seremos obrigados a apoiar a
Venezuela, não digo militarmente, mas pelo menos retoricamente. Não se pode ser
a favor da invasão de uma superpotência a um país da própria região — seria uma
admissão de que você pode ser invadido também. É uma situação delicada, que
precisa ser enfrentada, apesar da ilegitimidade de Maduro. Da mesma maneira,
não se pode apoiar uma invasão a Cuba, apesar de ser uma ditadura e um governo
ilegítimo. Ou vira bagunça. Quem tem mais força invade o outro, como a Rússia
invadiu a Ucrânia. É por isso que Lula não deveria ter se colocado a favor da
Rússia desde o primeiro momento.
Para reforçar a complexidade atual, há ainda a tentativa, dentro do Brasil e com o apoio do governo americano, de classificar a ação dos grupos de crime organizado como atos terroristas. A extrema direita que defende essa tese pretende abrir um flanco em nossa legislação que permita ação internacional alegadamente para combater o narcotráfico, mas, na verdade, para reforçar, por meio da militarização do combate necessário, a ação estrangeira de direita dentro do país. Esse objetivo vem ao encontro do que pensa Trump, e é posto em prática atualmente contra a Venezuela.

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