domingo, 11 de agosto de 2019

Opinião do dia: Ascânio Seleme*

Bolsonaro já distorceu verdades sobre armas, meio ambiente, drogas, tortura, agrotóxicos, educação e muito mais. Os institutos de checagem se cansam de desmentir o presidente. Bolsonaro também estimula fake news. É da sua natureza trabalhar com dados falsos para confundir e escamotear fatos verídicos que não lhe interessam. É assim que ele faz política.

*Ascânio Seleme, jornalista. ‘Mentiras e mentiras’, O Globo 11/8/2019

Hélio Schwartsman: Presos à filosofia

- Folha de S. Paulo

Escapar da miséria é mais fácil do que da filosofia

É mais fácil escapar da miséria do que da filosofia. Afinal, chega a 1,3 bilhão o número de terrestres que deixou a pobreza extrema para trás nos últimos 30 anos, mas não há uma única decisão de política pública que não tenha como pressuposto pelo menos um par de opções filosóficas, mesmo que não explícitas.

Essa inevitabilidade da filosofia não é algo que afete apenas as ciências humanas, que talvez não sirvam para nada mesmo. A própria física não prescinde de uma ontologia, isto é, uma visão sobre o que existe e o que não existe, o que constitui a realidade, se é que podemos falar em algo assim.

Num exemplo mais concreto, os cientistas que desenvolveram a chamada interpretação de Copenhague da física quântica conviviam mais ou menos à vontade com os paradoxos que ela enseja porque eram em sua maioria instrumentalistas, ou seja, avaliavam teorias científicas apenas em função das previsões que elas fazem, sem se preocupar se são verdadeiras ou se descrevem a realidade. Foi só o instrumentalismo sair de moda, dando lugar a concepções mais realistas, para as bizarrices quânticas nos incomodarem mais profundamente.

Bruno Boghossian: O radicalismo ajuda Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Plataforma extremista não é majoritária, mas funciona como jogada de imagem

Jair Bolsonaro nunca quis saber de moderação. As atrocidades que compõem seu repertório há três décadas ajudaram a construir a figura do candidato radical que, mesmo sustentando posições extremistas, conseguiu se eleger presidente. No poder, ele usa os mesmos artifícios para consolidar sua base política.

A popularidade de Bolsonaro caiu desde o início do mandato, inclusive em segmentos que deram apoio precoce a sua candidatura. Em vez de tentar recuperar esses grupos, ele insiste numa plataforma que, segundo as pesquisas, tem aprovação de no máximo 30% da população.

O presidente não está em busca de apoio majoritário —não agora, pelo menos. O que Bolsonaro faz é usar o cargo como megafone para ampliar o alcance de suas palavras e dar revestimento oficial a posições que, com razão, costumavam ficar à margem do debate público.

Janio de Freitas: Inspirações para Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Criação de escolas militarizadas foi decisiva para infiltração do nazismo

O governo Bolsonaro não tem a direcioná-lo uma doutrina, nem de arremedo, que lhe dê fisionomia como razão de ser e de propósito. O nível médio de ignorância entre os que o habitam não permitiria lidar com ideias, rasas que fossem, nem com noções de ordem cultural, simplistas embora.

Ressentimento, interesses pessoais e de classe socioeconômica, racismo, preconceitos vários, décadas de orientação militar exterior, descaso pela comunidade planetária e seu ambiente e desprezo absoluto pelo outro induzem a alternância caótica de suas práticas. A similaridade delas com outras histórias ou atuais, no entanto, proporciona ao governo Bolsonaro a fisionomia que lhe falta em doutrina.

O governo providencia, por exemplo, a criação de 108 escolas militarizadas, para início de ambicioso programa. O plano não é original, nem o era nas primeiras referências ainda na campanha eleitoral. Foi uma criação decisiva para a infiltração, ao longo dos anos 1930, do nazismo e do culto ao ditador na vida da Alemanha. O voluntariado de multidões jovens para a guerra simultânea do nazismo a dez países europeus, em 1939-40, foi obra do ensino militarizado.

A hostilidade de Bolsonaro à cultura artística oficializou-se já na entrega do ministério próprio a um conservador radical e sem contato com o ramo.

A anticultura mostrou-se toda na identificação do cinema nacional ao que Bolsonaro, seu ministro e seus pastores imaginam do filme “Bruna Surfistinha”, nem visto pelo primeiro. Esse combate à cultura artística é usual nos governos autoritários, e se volta em especial contra percepções sexuais quando o poder é militarizado ou de submissão religiosa. O combate ao que foi chamado de “arte degenerada”, na Alemanha hitlerista, também não começou pela censura explícita. Usou por bom tempo o arrocho financeiro e outras dificuldades, até dominar toda a arte. É o que começa aqui.

Thiago Amparo*: O que nos ensina Shakespeare sobre tirania

- Folha de S. Paulo

Livro de cabeceira de Angela Merkel nos diz como lutar contra autoritarismos de hoje

“Baseando-se na indiferença à verdade, falta de vergonha e autoconfiança hiperinflacionada, o demagogo tagarela entra em uma terra de fantasia —'Quando eu for rei, como rei serei'— e ele convida seus ouvintes a entrar nessa mesma terra da fantasia com ele. Nela, dois e dois não são quatro.”

Não, esta não é uma análise política dos tempos atuais, tampouco uma descrição de governos populistas como são os de Maduro, Bolsonaro e Trump. Ao menos, não diretamente.

Este é um trecho do livro “Tirano: Shakespeare sobre Política” (ainda sem tradução ao português) de Stephen Greenblatt, professor de Harvard e um dos maiores especialistas do mundo no autor inglês.

Nesta semana, Angela Merkel, chanceler alemã de centro-direita, foi fotografada lendo este livro em suas férias na Itália. Pude ler este livro em uma tacada só durante um voo longo há alguns meses.

Como William Shakespeare, Greenblatt utiliza do artifício de falar do passado como forma de compreender o presente.

A fim de evitar possíveis inimizades entre o círculo político de sua época, Shakespeare garantia ao menos um século de distância entre as histórias que contava em suas peças e o seu tempo presente.

Mesmo não sendo a História (ou o teatro) uma bula de remédio, como nos alerta a historiadora Lilia Schwarcz em seu mais recente livro, Shakespeare, pelas lentes de Greenblatt, nos ajuda a navegar os tempos sombrios atuais.

Como pensa um tirano?

Rolf Kuntz *: Novo elogio a torturador reforça sinais de alarme

- O Estado de S.Paulo

As falas destemperadas compõem uma figura mal ajustada ao Estado democrático e de direito

O presidente Bolsonaro fala o que pensa, disse o ministro Onyx Lorenzoni. Mas ele realmente pensa o que fala? Pensa mesmo, tudo indica, e por isso é preciso levar muito a sério os sinais de alarme. Os brasileiros comprometidos com os direitos fundamentais devem olhar com muito cuidado quem defende uma ditadura, mistura religião com instituições e põe um torturador entre os heróis da Pátria. O cuidado deve ser maior quando essa pessoa é um chefe de governo. Essa figura mais uma vez homenageou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado em 2008 depois de um processo por acusação de tortura. O presidente o chamou de “herói nacional”, na quinta-feira, antes de receber sua viúva no Palácio do Planalto. Esse herói, segundo ele, “evitou que o Brasil caísse naquilo que a esquerda hoje em dia quer”. O presidente encerrou o contato com a imprensa, no entanto, sem explicar se um novo DOI-Codi será necessário para conter essa esquerda de “hoje em dia”.

Entre 1970 e 1974 Brilhante Ustra chefiou em São Paulo o DOI-Codi, um dos mais sinistros aparelhos de repressão da ditadura, conhecido pela barbárie de seus interrogadores e de seu líder. Raramente citado, o nome completo desse aparelho era Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna. Criado em 1970, esse órgão sucedeu à tenebrosa Operação Bandeirante (Oban). O coronel foi reconhecido e apontado publicamente por várias de suas vítimas, incluídos a deputada e artista Bete Mendes e o então vereador Gilberto Natalini, preso no DOI-Codi em 1972, aos 19 anos, quando estudante de Medicina.

Bolsonaro já se declarava admirador de Brilhante Ustra muito antes de chegar à Presidência da República. Ainda deputado, prestou culto à memória do torturador ao declarar seu voto, em 2016, a favor da cassação do mandato da presidente Dilma Rousseff.

Pedro S. Malan*: A linguagem dos mitos

- O Estado de S.Paulo

Estamos na categoria dos países grandes que criam problemas para si próprios? Penso que sim

“Na linguagem dos mitos, bem
como na das fábulas e do
romance popular, toda empresa
portadora de justiça,
reparadora de ofensas, resgate
de uma condição miserável, vem em geral representada como a
restauração de uma ordem ideal anterior; o desejo de um futuro
a ser conquistado é garantido pela memória de um passado perdido”
Italo Calvino

Ao reler o texto do autor (Por que ler os clássicos) é impossível não pensar na campanha pelo Brexit e seu lema, “take back control” (vamos tomar o controle de volta), ou no mantra de Trump, “make America great again” (vamos fazer a América grande de novo). Ou ainda em Putin, que vendeu aos seus a visão de que a Rússia volta a ter a grandeza de uma potência mundial; e no governo chinês, que olha com confiança seu futuro, mas sempre remetendo ao passado de glórias milenares como “Império do Meio”.

E o Brasil? Acreditamos, nós também, que o desejo de um futuro a ser conquistado é garantido pela memória de um passado perdido? Ou no contrário – que teremos um grande futuro independentemente da qualidade de nossa memória, e de nosso entendimento sobre o passado?

É difícil alcançar visão de futuro ali onde não há consciência social do passado e reconhecimento dos principais desafios do presente. Desafios que sempre serão o legado de nossas ações e omissões, e de nossas cambiantes formas de relação com o resto do mundo. Escrevi na introdução a um livro recente: “Ao longo destes 130 anos de República, não sabíamos (como não sabemos hoje) se ao caminhar estávamos pisando nas cinzas do passado ou nas sementes do futuro, juntas e misturadas, como sempre, sob nossos pés e em nossas memórias. Sempre conviveremos com o peso do passado e a promessa do futuro – e ambos têm traços de teimosa permanência”.

Dentre os quase 200 países soberanos contam-se nos dedos de uma mão os que estão, simultaneamente, na lista dos dez maiores em termos de extensão territorial, população e tamanho de sua economia. Uma década antes do surgimento da sigla Bric, George Kennan antecipou que os países em questão – China, Índia, Rússia, Brasil –, além dos EUA, tinham o que chamou de hubrys of inordinate size: “Certa falta de modéstia na autoimagem do grande país; um sentimento de que seu papel no mundo deveria ser equivalente à sua dimensão (nas três áreas acima) com a consequente tendência a superlativas pretensões e ambições... em geral, o país grande tem uma vulnerabilidade a sonhos de poder e glória aos quais Estados menores são menos inclinados”. Os países-monstro, como os designa o autor, “por vezes criam problemas para si próprios, mesmo quando não constituem problemas para outros”.

Eliane Cantanhêde: Motosserra

- O Estado de S. Paulo

Que grande empresa quer colar sua marca num país que involui no meio ambiente?

Só falta agora o presidente Jair Bolsonaro incluir o agronegócio na sua lista de inimigos e a tropa bolsonarista na internet passar a chamar produtores e exportadores rurais de petistas, esquerdopatas e comunistas, por fazerem uma advertência real: proteger o meio ambiente não é coisa da esquerda nem utopia, é uma questão de competitividade internacional.

“Desenvolvimento sustentável” é o equilíbrio entre economia e ecologia. Não é moda nem supérfluo, é um conceito massificado nas democracias e exige responsabilidade das empresas. Ser “environment-friendly” é um ótimo negócio. Não ser pode custar caro.

O Brasil é um dos três maiores exportadores agrícolas do mundo, o governo aprofunda um processo de privatizações que atiça o interesse externo e a equipe trabalha intensamente para atrair investimentos produtivos fundamentais para impulsionar o desenvolvimento e gerar empregos.

As decisões e manifestações de Bolsonaro sobre meio ambiente podem interferir negativamente nisso tudo, afetando a posição de liderança do Brasil na área ambiental e gerando desconfianças desnecessárias nos demais setores, empresas e conglomerados que estão de olho no Brasil.

Ok. O capital é pragmático e pode não dar muita bola para florestas, rios e reservas ecológicas e indígenas de um país distante da América do Sul, mas é exatamente por pragmatismo que é forçado a contemplar todas essas questões na hora de fazer negócio. Não se esqueçam que, quando falamos de imagem do Brasil lá fora, não estamos nos referindo apenas a governos, mas também a parlamentos, mídia, meios científicos e sociedades. Todos têm forte influência nas empresas.

Vera Magalhães: Os 3 pilares da tributária

- O Estado de S. Paulo

Contribuição sobre pagamentos seria casada com menor encargo trabalhista e fim de impostos

Com a transferência da reforma da Previdência do tapete verde da Câmara para o azul do Senado, a reforma tributária passa a ser o assunto prioritário da pauta econômica dos deputados no semestre. A dificuldade, até aqui, em se chegar a um texto de consenso entre o governo – e mesmo dentro dele – e o Parlamento, com o desafio extra de obter apoio dos Estados, deve fazer com que a nova batalha seja ainda mais difícil que a anterior.

Jair Bolsonaro voltou a dizer na sexta-feira o que já avisara na campanha: nada de CPMF. Paulo Guedes vai se dedicar a uma batalha hercúlea nos próximos dias: convencer o presidente que a CP, Contribuição sobre Pagamentos, proposta por Marcos Cintra, não é a mesma demonizada CPMF.

A reforma que será enviada ao Congresso está estruturada em três pilares. O primeiro é baseado no estudo do Ipea “Uma Reforma Dual e Modular da Tributação sobre o Consumo no Brasil”, de setembro de 2018, assinado por uma série de economistas, entre eles o atual secretário Adolfo Sachsida, e que propõe a substituição dos impostos sobre consumo por um IVA dual e modular, semelhante ao modelo canadense.

José Roberto Mendonça de Barros*: O PIB visto da Faria Lima

- O Estado de S.Paulo

Pujança vista dessa avenida paulista não se repete no resto da cidade e do País

Vistas da Avenida Faria Lima, as coisas vão bastante bem. Existem muitas razões para isso. A primeira delas resulta da importante queda da taxa Selic nos últimos meses, que está levando uma boa parte das pessoas a mudarem a estrutura de suas aplicações financeiras, saindo da renda fixa e buscando retornos maiores em aplicações de riscos mais elevados, sejam ações ou fundos lastreados em títulos de crédito (que pagam juros maiores).

Isso está levando a indústria financeira a correr atrás desse tipo de papel. Novos fundos de crédito, uma intensa busca por papéis incentivados, como debêntures de infraestrutura, fundos imobiliários, títulos de crédito do agronegócio e outros. Um grande número de novos gestores se lançou no mercado, ampliando a competição e a disputa por aplicadores.

Ademais, criou-se um amplo mercado para a abertura ou o aumento de capital das empresas que ainda vai continuar bombando neste ano. O levantamento das operações concluídas até aqui mostra uma captação superior a R$ 55 bilhões, cinco vezes maior do que todo o ano passado.

Ao lado desses movimentos, mas não menos importante, observamos uma intensa atividade nas áreas de reestruturação, fusões e aquisições de empresas, negócios que geram muito trabalho e comissões para bancos e butiques de investimentos. Essas operações decorrem tanto da entrada de novas empresas no Brasil quanto do enfraquecimento das companhias, que discutimos tantas vezes neste espaço, e que conduzem a pedidos de recuperações judiciais.

Luiz Carlos Azedo: A insensatez e a classe média

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Os que se mantiveram na classe média, diante do risco de perder essa condição, e os que voltaram à pobreza, promoveram o giro à direita que levou o presidente Jair Bolsonaro ao poder”

Uma das canções mais famosas de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, Insensatez é um clássico da bossa nova. Lançada em 1961, seus arranjos de piano, de autoria de Tom, revelam clara influência do Prelúdio nº 4 em Mi Menor de Chopin, ao passo que a letra é uma espécie de autocrítica amorosa de Vinicius, poeta de muitos casamentos e separações: “Ah, insensatez que você fez/ Coração mais sem cuidado/ Fez chorar de dor o seu amor/ Um amor tão delicado”.

Não foi à toa que Insensatez fez uma espetacular carreira musical no Brasil e no exterior, gravada por João Gilberto, Astrud Gilberto e outros grandes artistas brasileiros, como Nara Leão, Elis Regina, Sylvia Telles, Maria Creuza, Roberto Carlos e Fernanda Takai; a versão inglesa, de Norman Gimbel, por Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Peggy Lee, Nancy Wilson, Morgana King, Stan Getz, Claudine Longet e Dianna Krall. Na voz de Iggy Poop, mais recentemente, fez parte da trilha do filme Sete Vidas, com Will Smith no papel principal.

O filme é uma história sobre sentimento de culpa e depressão de um homem que se envolve num acidente automobilístico no qual morreram sete pessoas e cuja redenção, ele acredita, depende de salvar sete vidas. A letra de Insensatez mostra como fraqueza revela as ações desalmadas e apela à razão e à sinceridade como atitudes que levam ao perdão: “Vai, meu coração, ouve a razão/Usa só sinceridade/ Quem semeia vento, diz a razão/ Colhe sempre tempestade”. Termina com uma autoadvertência: “Vai, meu coração, pede perdão/ Perdão apaixonado/ Vai, porque quem não perde perdão/ Não é nunca perdoado”.

A bossa nova foi uma revolução musical que assinalou dois fenômenos interligados: a emergência cultural da classe média e “verticalização” das cidades. Surgiu na euforia dos Anos Dourados do governo Juscelino Kubitschek, protagonizado por um grupo de jovens músicos e compositores da classe média carioca que queriam promover a cultura brasileira internacionalmente. Seu marco fundador é a gravação de Chega de saudade num compacto simples, por João Gilberto, cuja batida de violão se inspirou no tamborim para revolucionar o que, na voz de Elizeth Cardoso, segundo Tom Zé, em Estudando a bossa, “era apenas mais um samba-canção.”

O LP Chega de saudade consagrou a bossa nova um ano depois, projetando Tom Jobim e Vinícius de Moraes nacional e internacionalmente. A seguir, o estrondoso sucesso de Garota de Ipanema, na voz de Astrud Gilberto, com Stan Getz no sax, João no violão e Tom no piano, fez dessa música uma das 50 grandes obras musicais da humanidade, segundo a Biblioteca do Congresso norte-americano. O canto falado de João Gilberto, influenciado pelo samba e pelo jazz, rompeu o paradigma da grande voz operística, sendo considerado a simbiose perfeita do violão e da voz, e passou a ser imitado por sucessivas gerações de instrumentistas e cantores.

Merval Pereira: Falta de inteligência

- O Globo

O Brasil já começa a sofrer consequências práticas pelo alinhamento total com a política externa de Trump

O alinhamento total de nossa política externa com os Estados Unidos do governo Trump já está rendendo consequências negativas para o Estado brasileiro. Depois de diversas polêmicas provocadas pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a Alemanha começou a retirada de seu apoio a ações de proteção da região amazônica.

Salles começou querendo assumir a gestão do Fundo Amazônia, mudando as diretrizes que os doadores consideravam ajustadas ao objetivo do projeto. Durante a renegociação, com a negativa dos dois países europeus de aceitarem os novos critérios do governo brasileiro, Salles chegou a acusar a exploração do petróleo na região ártica pela Noruega de provocar danos ambientais.

A Noruega reagiu, afirmando que sua atividade petrolífera no Ártico é a mais limpa possível, obedecendo às normas de preservação da natureza. A irritação do governo brasileiro com o que considera “intromissão” de países europeus nos negócios internos foi revelada em diversas ocasiões, de maneira pouco diplomática.

O próprio presidente Bolsonaro recentemente fez ironia com os encontros que já teve com o presidente da França Emanuel Mácron e a primeira-ministra da Alemanha Angela Merkel: “Vocês imaginam como eu gostei de conversar com os dois”, disse a jornalistas.

O vice-presidente Hamilton Mourão pegou carona na zombaria e comentou os acessos de calafrio que a chanceler alemã andou tendo em público. Para ele, Merkel tremeu depois de uma “encarada” de Trump, a quem chamou de “nosso presidente”.

O descontentamento do presidente Bolsonaro com as atitudes da França em relação à nossa política ambiental foi de demonstrado de maneira grosseira no cancelamento de uma audiência que teria com o ministro das Relações Exteriores da França, Jean Yves Lê Drian.

Ascânio Seleme: Mentiras e mentiras

- O Globo

Meu pai tem 93 anos e é um homem feliz. Ele bebe de vez em quando, fuma escondido e sai para dançar sempre que pode. Ele também mente um pouquinho. Mas são mentirinhas bobas, para proteger alguém, para não se aborrecer e não aborrecer ninguém. Outro dia ele caiu e quebrou duas costelas. Perguntei como foi aquilo. Meu pai, que mora em Belo Horizonte, me disse pelo telefone que caiu na sala da sua casa, que não foi nada de mais. Como assim, nada de mais? Fui a BH cuidar do assunto, teria que tirar tapetes, colocar corrimãos, tornar o ambiente mais seguro. Quando cheguei, soube por um sobrinho que ele não caiu na sala, mas num salão de dança.

Pois é. Seu Seleme frequenta três locais diferentes na cidade para dançar. Nas quintas, ele vai ao Engenho de Minas, onde caiu e quebrou as duas costelas. Nos fins de semana, prefere o Tip Top. E nas segundas, dança no Barbazul, o seu preferido. Certa noite, no Barbazul, um marido ciumento criou uma cena deplorável porque meu pai tirou sua mulher para dançar. O marido, de pouco mais de 40 anos, chegou a dar um tapa no dançarino nonagenário. Os garçons, claro, seguraram o homem exaltado e o expulsaram do lugar. Meu pai disse que o agressor errou o tapa. Mentira, ele não queria preocupar ninguém, nem provocar qualquer sentimento de dó.

Uma noite no Rio Scenarium, na Lapa, ele foi a uma mesa onde estavam sentadas duas mulheres. Muito elegante, dirigiu-se à mais nova e solicitou: “A senhorita me daria o prazer dessa dança?”. A moça olhou para o meu pai, olhou para a outra mulher da mesa e respondeu: “Vai depender da minha companheira”. A companheira também olhou para ele, pensou um pouco e decretou: “Não, não vai rolar”. Meu pai agradeceu, sorridente, voltou para a mesa ao lado onde eu o aguardava e ouvira todo o diálogo, e me disse: “Ela não pode dançar, torceu o joelho”.

Pais normalmente contam pequenas mentiras, quase sempre para poupar seus filhos. Mas o pai de Flávio, Carlos e Eduardo mente grande. As mentiras de Jair Bolsonaro são de outra natureza e têm objetivos diversos. E, mais grave, ele mente no atacado e mente para todo o país. Não precisava. Mas o que parece um impulso é maior do que ele. É estratégico. Desde sua posse, o presidente do Brasil já foi pego mentindo diversas vezes.

Bolsonaro já distorceu verdades sobre armas, meio ambiente, drogas, tortura, agrotóxicos, educação e muito mais. Os institutos de checagem se cansam de desmentir o presidente. Bolsonaro também estimula fake news. É da sua natureza trabalhar com dados falsos para confundir e escamotear fatos verídicos que não lhe interessam. É assim que ele faz política.

Dorrit Harazim: Dia dos pais roubados

- O Globo

Ser considerado ‘invasor’ e alvo declarado de extremistas na era Trump tornou-se o novo normal para 57,5 milhões de pessoas

Diferentemente do que ocorre no Brasil, em El Salvador e Guatemala o Día Del Padre é comemorado em 17 de junho. Nos Estados Unidos festeja-se a data no terceiro domingo do mesmo mês, e mundo afora o calendário aponta para outras 17 variantes. Esta semana, portanto, nada de especial envolvendo pais e filhos estava programado em lares latinos do Mississipi. Exceto pelo ICE, o Serviço de Imigração e Controle de Alfândegas, encarregado de reprimir a migração ilegal no país.

No meio da tarde de quarta-feira, 600 agentes fizeram uma razziarelâmpago em cinco pequenas cidades daquele estado sulista dependente da agropecuária. Pinçaram 680 pessoas durante o trabalho em fábricas de processamento de alimentos e os levaram de mãos atadas nas costas, para averiguação — muitos ainda com toucas higiênicas na cabeça. Na cerca de arame de uma dessas empresas, a Koch Foods Inc da minúscula Morton (3,5 mil habitantes), uma placa de “Contrata-se” resumia parte relevante da equação. A Koch é uma das maiores produtoras de carne de aves do país, com 13 mil empregados em seis estados.

A ação ocorreu na mesma tarde em que o presidente Donald Trump visitava sobreviventes das chacinas em Dayton e Ohio, que haviam deixado um rastro de horror nacional e desencadeado pânico na população latina. Coincidência infeliz. Ainda assim, foi considerada um êxito absoluto por Matthew Albence, diretor em exercício do ICE. “A operação seguiu à perfeição o manual de segurança e proteção aos agentes”, comemorou, ressaltando o fator surpresa que faltou em episódios anteriores, quando tuítes do próprio presidente embaralhavam os trabalhos.

Bernardo Mello Franco: O ministro que colabora

- O Globo

Nem Moro, nem Guedes. Em sete meses de governo, o ministro que mais facilitou a vida de Bolsonaro foi Dias Toffoli, presidente do STF

Nem Moro, nem Guedes. Em sete meses de governo, o ministro que mais facilitou a vida de Jair Bolsonaro foi Dias Toffoli. O detalhe é que ele não integra o governo do capitão. Dá expediente como ministro do Supremo Tribunal Federal.

O presidente deve a Toffoli um favor de mãe: a liminar que paralisou as investigações contra o primeiro-filho, Flávio Bolsonaro. Com uma canetada em pleno recesso, o ministro tirou a polícia do encalço do Zero Um. Para salvá-lo, travou centenas investigações que também usaram dados do Coaf e da Receita Federal.

“Nunca na história brasileira um plantão judiciário concedeu liminar num caso sem urgência e a causar um tumulto de tal ordem”, resumiu o professor Walter Maierovitch.

A liminar surpreendeu pela ousadia, não pelo propósito. Desde a campanha, Toffoli se esforça para cortejar Bolsonaro e os militares que o cercam. Numa atitude inédita na democracia, o ministro instalou um general na presidência do Supremo. Depois saiu-se com a declaração de que preferia chamar o golpe militar de “movimento de 1964”.

Com Bolsonaro no poder, Toffoli virou habitué do Planalto e do Alvorada. Em abril, acompanhou o presidente num encontro com pastores evangélicos que o apoiaram na eleição. No mês seguinte, posou de figurante num café da manhã com deputadas e senadoras governistas.

As aparições foram complementadas pelo anúncio de um estranho pacto entre Poderes, a pretexto de “destravar o Brasil para retomar o crescimento”.

Após o recesso de julho, o ministro resolveu dar mais uma prova de fidelidade. Na revista “Veja” que circula neste fim de semana, ele relata encontros em que teria acalmado políticos, empresários e militares insatisfeitos com Bolsonaro. Toffoli emerge da entrevista como o fiador de um governo em apuros.

“O Supremo deve ter esse papel moderador, oferecer soluções em momentos de crise”, afirma.

Míriam Leitão: O erro político da Lava-Jato

- O Globo

Alguns dos integrantes da Lava Jato permitiram que ela fosse vista como bolsanarista, esse é o erro original

O pior erro cometido pela Lava-Jato foi deixar-se usar politicamente e parecer bolsonarista. Isso foi ótimo para o grupo que chegou ao Planalto, mas prejudicial aos objetivos da operação. O movimento anticorrupção é amplo, e o presidente Jair Bolsonaro não é um modelo de ética. A manipulação política ficou mais fácil quando o juiz Sergio Moro tirou a toga e foi para o Ministério da Justiça, onde, como diz seu atual chefe, vive a “angústia” de não ter o poder que tinha. Em favor da Lava-Jato, o procurador Deltan Dallagnol deveria pedir para sair da força tarefa.

Moro deveria saber, mas não soube, que como foi da caneta dele que saiu a sentença que acabou afastando o candidato que estava em primeiro lugar nas pesquisas, ele jamais poderia ir trabalhar com o que estava em segundo e acabou beneficiado, vencendo a eleição. Desde que assumiu, só se enfraqueceu. Esta semana foi fritado pelo presidente: “Entendo a angústia do Moro, mas ele não julga mais ninguém”. Moro entregou sua toga e agora tem que ouvir isso do governante ao qual aderiu.

Como cidadão, Moro pode ter preferência política. Como juiz, não deveria. Alguns integrantes da Lava-Jato deixaram claras suas inclinações durante a eleição, favorecendo o uso político da operação. Esse é o erro original. Se a Lava-Jato quiser reparar os estragos terá que se mostrar acima das divisões partidárias.

Elio Gaspari: De novo com vocês, delações de Palocci

- O Globo / Folha de S. Paulo

Há um forte cheiro de pirotecnia nessa nova série de revelações do ex-ministro

Foi assim no ano passado: faltavam seis dias para o primeiro turno e o juiz Sergio Moro divulgou um anexo da colaboração do ex-ministro Antonio Palocci à Polícia Federal. Era um pastel de vento em cujo recheio havia uma única informação (Lula organizou uma caixinha de fornecedores da Petrobras e colocou o comissário como gerente), mas faltava a investigação. Quem pagou? Como? Para quem foi o dinheiro?

O efeito da "mão de Deus" no gol de Moro foi sentido no escarcéu que acompanhou a revelação. Hoje, graças ao site The Intercept Brasil, conhecem-se as mensagens trocadas pela turma da Lava Jato em torno do assunto.

Uma semana antes, no dia 25 de setembro, referindo-se a Moro e às confissões de Palocci, um procurador escreveu: "Russo [apelido do juiz] comentou que embora seja difícil provar, ele é o único que quebrou a 'omertá' petista". (Falava do código de silêncio do mafiosos.)

Uma procuradora acrescentou: "Não só é impossível provar como é impossível extrair algo da delação dele".

Um terceiro procurador foi além: "O melhor é que fala até daquilo que ele acha que pode ser que talvez seja. Não que talvez não fosse".

Dois dias depois da divulgação do anexo por Moro, uma procuradora perguntava: "Vamos fazer uso da delação do Palocci?"

Outro respondeu: "O que Palocci trouxe parece que está no Google".

Ricardo Noblat: E segue em passo acelerado a marcha da insensatez

- Blog do Noblat / Veja

Déficit de inteligência
Candidata imbatível ao título de o maior estadista mundial do início do século XXI, a primeira-ministra alemã Ângela Merkel certamente tem mais o que fazer do que se preocupar com o que dizem a seu respeito por estas bandas cada vez mais estúpidas.

Outro dia, o capitão do mato Jair Bolsonaro sugeriu que não teve o menor prazer em conversar com ela durante o encontro no Japão dos chefes de Estado das 20 maiores economias. Nem com ela nem com o presidente francês Emmanuel Macron.

Antes de Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão havia debochado do problema de saúde de Merkel que a fez tremer em sucessivas cerimônias públicas. Segundo Mourão, o problema decorre de “uma encarada” que ela levou de Donald Trump.

Mourão, hoje, é uma sombra do general destemido do passado, e do vice que em matéria de sensatez contrastava com o desvario e a ignorância do titular da República. Foi enquadrado pelo capitão indisciplinado. Deixou-se intimidar por um filho dele.

O capitão e o general foram surpreendidos com a decisão da pacata Merkel de congelar R$ 155 milhões para o financiamento de projetos de proteção da floresta amazônica. O motivo? O aumento do desmatamento desde que os dois tomaram posse dos cargos.

O que pensa a mídia: Editoriais

Sem dinheiro e sem inflação: Editorial / O Estado de S. Paulo

Com dinheiro curto e péssimas condições de emprego, as famílias continuam comprando com muita moderação e esse cuidado se reflete na inflação contida: ficou em 0,19% a alta do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no mês passado. Em junho a taxa havia sido quase nula, de 0,01%, mas, apesar da aceleração, a de julho foi a menor para esse mês em cinco anos. Diante do consumo fraco e dos preços bem comportados, é fácil manter a aposta em novo corte dos juros básicos na próxima reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC), programada para setembro. No dia 31 de julho o comitê baixou a taxa básica, a Selic, de 6,50% para 6%, em mais um lance para facilitar a recuperação da atividade econômica e, adiante, a criação de empregos.

Por enquanto, as estimativas convergem para uma expansão econômica igual ou pouco superior a 0,80%, neste ano, com inflação oficial em torno de 3,80%, bem abaixo da meta oficial de 4,25%, e juros básicos de 5,25%. Números como esses têm aparecido na pesquisa Focus, consulta realizada semanalmente pelo BC a economistas de instituições financeiras e consultorias.

De janeiro a julho o IPCA, principal medida oficial de inflação, subiu 2,42%. Em 12 meses a alta ficou em 3,22%. Pelo mesmo critério o aumento acumulado até junho havia sido pouco maior, 3,37%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Se dependesse da procura de bens e serviços no mercado, a inflação teria sido nula em julho. Quase toda alta de preços foi independente do comportamento dos consumidores. O aumento mais importante, de 1,20%, ocorreu nos componentes do item habitação. O custo da energia elétrica foi afetado pela incidência da bandeira tarifária amarela, com as contas de luz subindo em média 4,48%. Além disso, a conta de água ficou 0,73% mais cara, por causa das mudanças de preços em Salvador, Goiânia, Porto Alegre e Recife.

Poesia / Carlos Drummond de Andrade: Poema que aconteceu

Nenhum desejo neste domingo
nenhum problema nesta vida
o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
domingo sem fim nem começo.

A mão que escreve este poema
não sabe o que está escrevendo
mas é possível que se soubesse
nem ligasse.

Música / Teresa Cristina: Nem ouro, nem prata