(The New York Times)
Não é verdadeira a tese de que a crise da Europa prova que o estado de bem-estar social não funciona nem a de que uma imediata austeridade fiscal deveria ser adotada nos EUA
É assim que o euro termina - não com um "bang", mas com um "bunga-bunga". Não faz muito tempo, líderes europeus insistiam que a Grécia poderia e deveria permanecer no euro desde que pagasse integralmente suas dívidas. Agora, com a Itália caindo do penhasco, está difícil até perceber como o euro poderá sobreviver.
Mas o que significa um colapso do euro? Sempre que ocorrem desastres, alguns ideólogos se apressam em afirmar que o desastre vem corroborar suas opiniões. É hora, portanto, de começar a desmascarar.
O principal, em primeiro lugar: a tentativa de criar uma moeda comum europeia foi uma dessas ideias que cruzam as linhas ideológicas usuais.
Foi saudada pela direita americana, que viu nela a próxima coisa boa para reviver o padrão ouro, e pela esquerda britânica, que viu nela um grande passo para uma Europa social-democrata. Mas foi combatida pelos conservadores britânicos, que também viram nela um passo para uma Europa social-democrata. E foi questionada por liberais americanos, preocupados - corretamente, eu diria (mas na época eu diria, não diria?) - sobre o que ocorreria se países não pudessem usar a política monetária e fiscal para combater recessões.
Agora que o projeto do euro está em perigo, que lições poderíamos tirar? Tenho escutado duas afirmações, ambas falsas: que os males da Europa refletem o fracasso do estado de bem-estar social em geral, e que a crise da Europa fortalece a ideia de uma imediata austeridade fiscal nos Estados Unidos.
A afirmação de que a crise da Europa prova que o estado de bem-estar não funciona vem de muitos republicanos. Por exemplo, Mitt Romney acusou o presidente Obama de se inspirar nos "democratas socialistas" europeus e afirmou que "a Europa não está funcionando na Europa". A ideia, presumivelmente, é que os países em crise estão em dificuldade porque estão gemendo sob o fardo de elevados gastos públicos. Os fatos dizem o contrário, porém.
É verdade que todos os países europeus têm benefícios sociais mais generosos - incluindo um sistema de saúde universal - e gastos públicos mais altos que os Estados Unidos. Mas os países hoje em crise não têm estados de bem-estar maiores que as nações que estão se dando bem - aliás, a correlação vai no sentido contrário. A Suécia, com benefícios famosamente altos, tem um desempenho brilhante, um dos poucos países cujo Produto Interno Bruto é hoje mais alto do que era antes da crise. Enquanto isso, antes da crise, os "gastos sociais" - gastos com programas de bem-estar social - eram mais baixos, como porcentagem da renda nacional, do que em todos os países hoje encrencados.
Oh, e o Canadá, que tem um sistema de saúde universal e uma ajuda muito mais generosa aos pobres que os Estados Unidos, tem enfrentado a crise melhor do que nós.
A crise do euro, portanto, nada diz sobre a sustentabilidade do estado de bem-estar. Mas será inspiração para apertarmos o cinto numa economia deprimida? Ouve-se essa afirmação o tempo todo. Os Estados Unidos, nos disseram, fariam melhor cortando os gastos imediatamente para não terminarem como Grécia ou Itália. De novo, porém, os fatos contam uma história diferente.
Primeiro, quando se olha para o mundo, percebe-se que o grande fator determinante para as taxas de juros não é o nível do endividamento público, mas se um governo toma emprestado na própria moeda.
O Japão está endividado muito mais profundamente que a Itália, mas a taxa de juros dos bônus japoneses de longo prazo estão em torno de 1% ante 7% na Itália. As perspectivas fiscais da Grã-Bretanha parecem piores que as da Espanha, mas a Grã-Bretanha pode captar empréstimos a pouco mais de 2%, ao passo que Espanha está pagando quase 6%.
O que houve é que ao aderirem ao euro, Espanha e Itália de fato se reduziram à condição de países de terceiro mundo que precisam tomar emprestado em moedas alheias, com toda a perda de flexibilidade que isso implica. Em particular, como países da zona do euro não podem imprimir dinheiro mesmo numa emergência, eles ficam sujeitos a financiar problemas de um modo que países que conservaram as próprias moedas não ficam - e o resultado é o que estamos vendo. Os Estados Unidos, que tomam emprestado em dólares, não têm esse problema.
A outra coisa que é preciso saber é que, em face da crise atual, a austeridade foi um fracasso em todos os lugares onde foi tentada: nenhum país com dívidas significativas conseguiu voltar às boas graças dos mercados financeiros.
Por exemplo, a Irlanda é o bom menino da Europa, tendo reagido a seus problemas de dívida com uma austeridade selvagem que empurrou a taxa de desemprego para 14%. No entanto, a taxa de juros dos bônus irlandeses ainda está acima de 8% - pior que a da Itália.
A moral da história, então, é tomar cuidado com os ideólogos que estão tentando sequestrar a crise europeia em favor das próprias agendas. Se dermos ouvido a esses ideólogos, tudo que acabaremos fazendo é tornar nossos próprios problemas - que são diferentes dos problemas europeus, mas igualmente severos - ainda piores. / Tradução de Celso Paciornik
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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