Correio Braziliense
Bolsonaro está pedindo para
ser impedido de disputar as eleições ou mesmo ser afastado do cargo, por
atitudes que atentam contra o Estado de direito democrático
Talvez o título mais adequado da coluna
fosse A marcha da insensatez, inspirado no livro quase homônimo da escritora
Barbara W. Tuchman sobre decisões erradas dos governantes, contra seus próprios
interesses, pelos mais diversos motivos, como na Guerra de Troia, na reforma
protestante, na independência dos Estados Unidos e na Guerra do Vietnã. Sempre
houve momentos em que a razão foi impotente diante da ideologia e dos
interesses mais mesquinhos. Parece ser o que está acontecendo no país, sob o
protagonismo do presidente Jair Bolsonaro, que tenta impor sua vontade ao
Congresso e ao Judiciário, ou apenas criar um pretexto para lançar o país num
abismo político-institucional.
Em razão de seus sucessivos ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF), com acusações sem provas contra o sistema de votação em urna eletrônica, o que já havia provocado uma dura reação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Alexandre de Moraes acolheu notícia-crime encaminhada por unanimidade por aquela Corte ao Supremo Tribunal Federal (STF), e decidiu incluir o presidente Jair Bolsonaro no chamado inquérito das fake news. A apuração levará em conta os ataques feitos pelo presidente às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral do país. O inquérito foi aberto em março de 2019, pelo então presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, para investigar notícias fraudulentas, ofensas e ameaças aos integrantes da mais alta magistratura do país.
Nas suas lives, entrevistas e postagens nas
redes sociais, segundo a decisão de Moraes, Bolsonaro pode ter cometido um
rosário de crimes: calúnia (art. 138 do Código Penal); difamação (art. 139);
injúria (art. 140); incitação ao crime (art. 286); apologia ao crime ou
criminoso (art. 287); associação criminosa (art. 288); denunciação caluniosa
(art. 339); tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o
regime vigente ou o Estado de Direito (art. 17 da Lei de Segurança Nacional);
fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração
da ordem política ou social (art.22,I, da Lei de Segurança Nacional);incitar à
subversão da ordem política ou social (art. 23, I, da Lei de Segurança
Nacional); dar causa à instauração de investigação policial, de processo
judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de
improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato
infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral (art. 326-A do
Código Eleitoral).
O ministro Moraes presidirá o TSE nas
eleições. O presidente da República está pedindo para ser impedido de disputar
as eleições de 2022 ou mesmo ser afastado do cargo, por atitudes que atentam
contra o Estado de direito democrático, ao desafiar à legislação vigente e aos
ministros do Supremo. Não se sabe se o presidente da República vive uma crise
de ansiedade, por causa do peso das suas responsabilidades, do mau desempenho
do governo e da perda de popularidade, o que pode levar a um surto psicótico,
ou se faz um audacioso cálculo político, para precipitar uma grave crise
institucional antes das eleições, diante da ameaça de derrota eleitoral cada
vez mais iminente, isto é, uma virada de mesa.
Conjuntura
Diante de tanta subjetividade envolvida nas atitudes do presidente da
República, o melhor a fazer é examinar os cenários e a correlação de forças que
podem nos conduzir ao desfecho dessa crise entre Bolsonaro e a maioria dos
integrantes do Supremo. Como na Teoria da Relatividade, porém, o tempo da
Justiça não é o mesmo da política e da economia. O ambiente internacional não é
favorável a um golpe de Estado no Brasil, principalmente durante o governo do
presidente Joe Biden, nos Estados Unidos, país com o qual temos relações
amplas, históricas e multifacetadas. Há sim, no mundo, uma onda autoritária,
mas somos um país do Ocidente. Bolsonaro vive às turras com os chineses; a
Rússia não é uma parceira privilegiada do governo brasileiro, embora o
presidente da República tenha certa simetria política com o líder russo
Vladimir Putin.
No plano interno, Bolsonaro perde o apoio
do stablishment econômico e institucional, que também não está interessado no
“quanto pior, melhor”. Sua política econômica garroteia as possibilidades de
recuperação eleitoral, porque o cobertor está curto: a atividade econômica se
recupera, mas a inflação provoca elevação de juros e freia a geração de
empregos; o governo tenta implementar uma política de compensação social, mas
sacrifica os contratos, pedalando os precatórios, o que cria insegurança
jurídica e reduz investimentos privados. No plano político, tornou-se
prisioneiro do Centrão, que vai apoiar o governo até as eleições; o projeto de
reeleição, não necessariamente, depende da situação eleitoral de cada estado.
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