quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Cristiano Romero - O insustentável peso dos privilégios

Valor Econômico

A realidade é imperiosa e começa pelo fato de que o que se chama de mercado, na verdade, somos nós, titulares de contas em bancos

Há um consenso no debate nacional de que a economia brasileira padece de grave desequilíbrio fiscal, uma vez que o Estado, considerando-se todos os entes da Federação, gasta muito mais do que arrecada. Quando isso acontece, e no caso deste país a que se chama de Brasil o déficit das finanças públicas é estrutural, a dívida pública não para de crescer e, se a tendência não muda em algum momento, o prêmio (a taxa de juros) cobrado pelo mercado para financiar o governo escala às alturas, provocando três efeitos indigestos. Ei-los:

1- A disponibilidade de poupança para financiar o setor privado, verdadeiro responsável pelo crescimento da economia, diminui de forma acentuada, tornando elevado o custo do crédito; esta é o efeito direto entre indisciplina fiscal dos governos e o funcionamento de uma economia de mercado; é preciso lembrar ainda que, diante do aumento constante do déficit público, os governantes sobem os tributos, em vez de cortar despesas porque, geralmente, é mais fácil obter apoio político para aprovar “maldades" (alta da impostos) do que cortar “bondades” (gastos públicos que beneficiam setores específicos da sociedade; a combinação de juros altos e elevação constante da carga tributária desagua em aumento da informalidade, queda do investimento privado, baixa produtividade e, portanto, redução do potencial de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB);

2 - O crescimento permanente do estoque e dos juros da dívida faz com que esse item da despesa ocupe fatia cada vez maior do orçamento público, ensejando na saciedade ideias estapafúrdias, como a de que os juros no Brasil são altos porque os diretores do Banco Central (BC) são intrinsecamente malvados, senão, estão a serviço de rentistas, pessoas absolutamente sem caráter, cujo único interesse é tirar proveito da imensa população pobre deste território; o mercado, nesse raciocínio, é integrado por banqueiros sem coração que se reúnem com seus pares, na surdina, para decidir a taxa de juros que o C0mitê de Política Monetária anuncia a cada 45 dias.

3 - Com o tempo, cresce no mercado a expectativa de que, em algum momento, o governo dará calote no pagamento da dívida, uma vez que não haverá carga tributária que consiga cobrir o tamanho do débito e dos juros crescentes, pagos para a rolagem permanente dos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional.

A realidade é imperiosa e começa pelo fato de que o que se chama de mercado, na verdade, somos nós, titulares de contas em bancos. Quem compra títulos emitidos pelo governo são, além de tesoureiros das instituições financeiras, gestores de recursos e fortunas, fundos de pensão, seguradoras e investidores estrangeiros, é todo cidadão que, vivendo sob um regime democrático de direito e uma economia de mercado, precisa poupar para sua aposentadoria ou para custear os estudos de um filho ou para comprar um imóvel, pagar o tratamento de uma doença grave de um ente querido etc. A rigor, os atores citados anteriormente são intermediários desse processo.

Rentistas são figuras, de fato, antipáticas. Mas, se eles existem aos baldes no Brasil, é porque a aqui os governos aqui não têm vontade de política nem coragem para desalojar grupos que vivem à sombra do Estado ou são tão perdulários na gestão da coisa pública.

O problema fiscal é antigo, mas, como se sabe, só começou a ser enfrentado com seriedade no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1999-2002). Seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, surpreendeu ao dar sequência ao ajuste iniciado quatro anos antes, embora, no segundo mandato (2007-2010), tenha optado por estratégia que combinava aumento simultâneo de despesas e receitas, equação que, em algum momento, mostrar-se-ia insustentável, dado o fato de que há limite para a evolução da carga de impostos.

Durante o período de inflação crônica, entre medos da década de 1970 e julho de 1994, quando foi lançado o Plano Real, o desequilíbrio fiscal já existia e era a principal fonte do processo inflacionário. O setor público que emitia moeda para financiar despesas correntes e investimentos era o mesmo que usava o poder corrosivo da inflação para reduzir, em termos reais, o valor dos gastos públicos. Desta maneira, “equilibrava" as contas às custas de uma conta amarga paga, principalmente, pelos pobres, que não tinham como se proteger da permanente perda do poder de compra da moeda nacional.

Com a queda brusca dos índices de preços desde de 1994, a poeira inflacionária baixou e, assim, o gasto publico real emergiu. Depois de se chegar ao consenso de que era necessário enfrentar o problema nas gestões FHC e Lula, o governo seguinte, de Dilma Roussef, pôs tudo a perder. Assim, déficit e dívida voltaram a crescer, atingindo níveis recordes e perigosos.

No fim do ano passado, a Dívida Bruta do Governo Geral chegou a 88% do PIB. Em audiência virtual na Câmara dos Deputados, o subsecretário do Tesouro Nacional, Octávio Ladeira, mostrou que a evolução da dívida pública teria sido muito menos intensa se os governos, desde 2005, não tivessem concedido tantos benefícios tributários a grupos de interesse específica (ver tabela). Alguém ainda tem alguma dúvida de que o Brasil tem dono e do porquê de a população pobre, a maioria, não ter a menor chance de se emancipar?

 

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