Quem diria, o ministro da Economia, Paulo Guedes, formado na ortodoxa
escola de Chicago, agora se declara disposto a passar calote, como a Argentina vem fazendo: “Devo, não nego, pago quando puder”.
Foi o que disse ao propor que as dívidas precatórias entre R$ 66 mil e R$ 66 milhões por credor a vencerem em 2022 sejam pagas em dez anos até 2029. Em grande número de casos, o pagamento dos precatórios já está atrasado em muitos anos, coisa aí de 10, 20 anos, prazo em que percorreram na Justiça. E, no entanto, o governo propõe agora mais dez anos para quitar, em suaves prestações anuais, e assim, empurrar o pepino para os próximos governos.
É uma proposta que não será negociada com os credores, como acontece nos casos de reestruturação das dívidas com investidores internacionais. Guedes pretende que seja imposta unilateralmente por meio de uma Proposta de Emenda da Constituição (PEC). Mais, o ministro confessou que está levando um frango por baixo de suas pernas. Ou, nas expressões dele, confessa que “um meteoro caiu no colo do governo, de surpresa”.
Como entende que sua equipe “dormiu no
ponto”, está reconhecendo, também, que o Ministério da Economia foi
irresponsável no acompanhamento do crescimento dessa dívida. Não tomou
conhecimento do que lhe vinha sendo cobrado na Justiça.
Essa PEC, que pretende honrar de imediato
apenas precatórios de até R$ 66 mil, pagar as dívidas superiores em até dez
anos e tornar permanente a regra de pagamento em prestações para os
débitos superiores a R$ 66 milhões (o superprecatório, equivalente a mil vezes
o salário mínimo), contém uma cláusula de eficácia duvidosa. Admite que esse
passivo seja aceito como crédito do credor que pode ser usado como pagamento
total ou de parcelas na aquisição de empresas públicas federais nas próximas
privatizações de ativos do governo.
No entanto, não há um conjunto de estatais
passíveis de privatização que chegue a valer esses R$ 66 bilhões. Além disso,
se for aprovada, a PEC corre o risco de ser contestada e barrada na
Justiça, na medida em que não passaria de uma pedalada.
A principal razão pela qual o governo está
se recusando a pagar essa dívida é de natureza eleitoreira. Quer usar os parcos
recursos disponíveis para cobrir pacotes de bondade cujo objetivo é lubrificar
a máquina populista do presidente Jair Bolsonaro. É o sacrifício do
equilíbrio fiscal em benefício do projeto eleitoral do governo.
Do ponto de vista macroeconômico, fica
escancarada a deterioração fiscal da administração Bolsonaro, cujo foco ele
quer desviar com projetos e declarações polêmicas,
como o da substituição nas eleições do voto eletrônico pelo voto
impresso auditável.
A percepção da piora do quadro fiscal se junta rapidamente a outras deteriorações: ao rápido e forte aumento da inflação, à alta dos juros (que também aumenta a dívida pública), a novas pressões sobre o câmbio e à persistência de forte desemprego, que alcança 14,6% da força de trabalho do País (14,8 milhões de pessoas) no trimestre móvel encerrado em maio.
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