quinta-feira, 5 de agosto de 2021

O que a mídia pensa: Editoriais

EDITORIAIS

Senado precisa derrubar o PL da Grilagem

O Globo

É a cada dia mais preocupante o desmonte da legislação de proteção ambiental no Brasil, em desafio flagrante aos protestos da sociedade, do setor produtivo e às ameaças de boicotes internacionais a produtos agrícolas brasileiros. A sucessão de “boiadas” prossegue impávida e incólume e, embora a expressão tenha sido consagrada pelo ex-ministro Ricardo Salles, não é responsabilidade apenas do Executivo.

O Legislativo assumiu protagonismo no retrocesso, ao contrário do que supunha Salles na famigerada reunião ministerial de abril do ano passado ao defender as “boiadas infralegais”, que não dependiam do Congresso. É verdade que, na gestão Salles, pelo menos 57 dispositivos regulatórios desse tipo foram “flexibilizados”, segundo estudo da UFRJ. Sob a presidência de Arthur Lira (PP-AL), porém, a Câmara dos Deputados se tornou nos últimos meses o principal caminho para as “boiadas”.

Em maio, o plenário da Câmara aprovou uma nova lei de licenciamento ambiental, que praticamente institui um “liberou geral” nas obras e no arcabouço regulatório essencial para proteger florestas, ecossistemas e recursos hídricos. Nada menos que nove ex-ministros do Meio Ambiente criticaram o projeto, apelidado “mãe de todas as boiadas”, agora em apreciação no Senado.

Na segunda-feira, a Câmara voltou à carga e aprovou, em regime de urgência, um projeto de lei de regularização fundiária que também recebeu um apelido sugestivo: “PL da Grilagem”. O texto, que agora também segue para o Senado, basicamente oferece uma série de brechas para legalizar a invasão de terras públicas, em particular na Amazônia. São essas, como se sabe, as áreas mais sujeitas a desmatamento.

O PL da Grilagem representa o pior tipo possível de retrocesso neste momento em que a imagem do Brasil diante da comunidade internacional está associada aos sucessivos recordes de devastação e incêndios florestais. Não é à toa que o governo Bolsonaro vem sendo encarado como uma espécie de piromaníaco, disposto a sacrificar a responsabilidade ambiental em nome das demandas de madeireiras ilegais, grileiros e garimpeiros interessados na exploração em terras indígenas.

Empresários europeus já se reuniram numa coalizão que promete boicotar exportações agrícolas brasileiras caso o PL da Grilagem seja aprovado no Senado. Se esse projeto ou o do licenciamento ambiental virarem lei, não haverá esperança de que o acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia receba o aval necessário para entrar em vigor.

Nos Estados Unidos, o governo Joe Biden já deixou claro que a política brasileira para a Amazônia será crítica na relação entre os dois países. Foi vergonhosa a participação do presidente Jair Bolsonaro na cúpula do clima convocada por Biden em abril. É também flagrante o despreparo do governo brasileiro para a reunião sobre o clima da ONU em Glasgow. É esse o contexto em que se sucedem “boiadas” como o PL da Grilagem.

Quem acreditava que a saída de Salles do governo traria um alívio no desmatamento da Amazônia estava enganado. A Câmara presidida por Lira tem prestado um desserviço sem paralelo ao país e ao planeta em que todos os deputados, assim como seus filhos e netos, terão de continuar a viver. Cabe agora ao Senado restaurar o bom senso e derrubar as “boiadas” que vierem de lá.

Nova sede nababesca da Alerj é um acinte diante da penúria do estado

O Globo

Na terça-feira, a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) inaugurou uma nova sede nababesca no Centro. O Edifício Lúcio Costa, de 31 andares, já abrigara o antigo Banerj e parte da administração estadual. Passou por uma reforma de R$ 170 milhões para receber os nobres deputados e cerca de 5 mil funcionários. O “Alerjão”, como vem sendo chamado, é um acinte à sociedade. Retrato da incoerência de uma Casa dissociada da realidade do Rio e do país, que vivem grave crise sanitária, econômica e social.

A Alerj não conhece crises. Parece não ter nada a ver com o estado de finanças cambaleantes que estava à beira da falência em 2017 quando aderiu ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Durante o tempo em que foi administrado pelo estado, o edifício era um descalabro. Praticamente metade dos 31 andares estava interditada por problemas em instalações elétricas e hidráulicas. A fachada deixava à mostra vergalhões enferrujados. Sofreu uma série de pequenos incêndios que colocavam os servidores em risco. Se o governo do estado não tinha dinheiro nem para manter o prédio, parece que os cofres da Alerj estavam cheios, pois ela comprou o edifício e o reformou.

O despropósito se estende ao trabalho legislativo. Sem se importar com a grave situação fiscal do Rio, o presidente da Alerj, André Ceciliano (PT), disse que não será fácil aprovar o conjunto de reformas para adequar o estado às exigências do novo RRF. O projeto enviado à Casa pelo Executivo já foi apelidado pelos parlamentares de “pacote de maldades”. Uma inversão absurda de valores, pois o equilíbrio fiscal é essencial para o governo ter condições de pôr em prática políticas públicas. Entre os pontos sensíveis para os deputados, estão o aumento do tempo de contribuição para a aposentadoria de militares e bombeiros (de 30 para 35 anos) e as restrições a reajustes salariais de servidores. A defesa das corporações do funcionalismo sempre tem precedência sobre o interesse da população.

Passou da hora de os parlamentares fluminenses assumirem suas responsabilidades. Não se deve esquecer que o acordo fiscal de 2017 não foi renovado no ano passado porque o estado não cumpriu as exigências pactuadas com a União. Tem agora uma segunda chance com a adesão a um novo modelo, mais vantajoso por aumentar o prazo para o pagamento da dívida, porém mais rigoroso nas medidas de austeridade. Não se deve imaginar que o Rio obterá benefícios sem contrapartidas.

É respeitar o acordo ou ficar fora dele. Será que os deputados fluminenses querem que o estado retorne à situação de quatro anos atrás, quando UPAs foram fechadas, aulas tiveram de ser suspensas, obras foram paralisadas e não havia dinheiro sequer para botar combustível nas viaturas policiais? Isso sim é um pacote de maldades.

É possível que nossos parlamentares, confortavelmente instalados em gabinetes de cem metros quadrados no espigão reformado com R$ 170 milhões em dinheiro público, percam a noção do que se passa no Rio. Basta chegarem à janela e olharem em volta para terem um choque de realidade.

Um País prisioneiro das eleições

O Estado de S. Paulo

Quando o País deveria estar discutindo o desafio de se recuperar após a pandemia, perde tempo com os delírios de Bolsonaro

O ex-presidente Lula da Silva nunca desceu dos palanques. Desde que se elegeu presidente pela primeira vez, o líder petista tratou de revestir todos os seus atos e palavras de características eleitoreiras, fazendo campanha permanente. Nessas circunstâncias, a tensão é constante, pois os discordantes são tratados como inimigos movidos a interesses eleitorais, e o único projeto concreto, para o qual todas as energias do governo são mobilizadas, é vencer a eleição seguinte.

Esse foi um dos principais motivos pelos quais o eleitorado brasileiro se cansou do lulopetismo. Jair Bolsonaro elegeu-se presidente com a promessa de acabar com as práticas nefastas dos petistas, mas não a cumpriu, como mostram os acertos esquisitos com o Centrão, os negócios estranhos com vacinas e as manobras extravagantes para obter recursos destinados a projetos populistas. Mais do que isso: tal como Lula da Silva, Bolsonaro transforma tudo em comício.

Os virulentos ataques de Bolsonaro ao atual sistema de votação e à Justiça Eleitoral fazem parte dessa estratégia. É evidente que interessa ao presidente tratar de eleições muito antes que elas ocorram, não só porque não sabe governar, mas sobretudo porque a campanha eleitoral é seu hábitat natural.

Bolsonaro criou uma próspera holding familiar para disputar e vencer eleições. Esse empreendimento desconhece limites éticos e morais – a ponto de Bolsonaro ter obrigado um dos filhos a disputar eleição contra a própria mãe do rapaz. Diante disso, rachadinha é quase um pecadilho.

Assim, é natural que Bolsonaro continue a investir pesado em sua reeleição. Sob inspiração do lulopetismo, por exemplo, quer fazer do Bolsa Família seu maior ativo eleitoral. Nem parece o mesmo político que, em 2011, disse que o Bolsa Família servia para “tirar dinheiro de quem produz e dar para quem se acomoda, para que use seu título de eleitor e mantenha quem está no poder”.

No auge da pandemia, Bolsonaro deu duro para se livrar da responsabilidade como presidente e tratou de transformar a crise em oportunidade eleitoral, ao antagonizar governadores que, segundo ele, tudo fazem para prejudicá-lo porque são, eles mesmos, candidatos à sua cadeira.

Do mesmo modo, o escândalo armado por Bolsonaro a respeito da confiabilidade das urnas eletrônicas se presta a colocar as eleições na berlinda, muito antes da hora. Usa a discussão estéril e extemporânea sobre o atual sistema de votação, já amplamente testado e aprovado, para levantar suspeitas sobre a Justiça Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal – que estariam, segundo a teoria bolsonarista, mancomunados para favorecer seu antípoda, Lula da Silva, na eleição de 2022.

Assim, Bolsonaro invoca o fantasma lulopetista, que ainda assombra boa parte dos eleitores brasileiros, apresentando-se como o único capaz de enfrentá-lo. Na alucinação bolsonarista, essa seria precisamente a razão pela qual os petistas infiltrados nas Cortes superiores estariam tentando derrotá-lo, libertando Lula da Silva e permitindo fraudes nas urnas eletrônicas para eleger o petista.

Tudo isso é tolice, claro, não passando de discurso palanqueiro. Bolsonaro quer fazer do Brasil um prisioneiro das eleições.

Isso acarreta muitos problemas. Campanhas eleitorais, por definição, são o momento em que ideias são colocadas em contraste, muitas vezes de maneira enfática e, não raro, agressiva. Uma vez terminada a eleição, os vencedores devem tratar de governar, e isso demanda negociação política inclusive com adversários. Quando um governo não tem projeto nem tem traquejo democrático, como é o caso do atual, é vantajoso manter um confronto eleitoral imaginário, ainda mais quando do outro lado está Lula da Silva, o inimigo ideal.

Assim, quando os brasileiros deveriam estar discutindo maneiras de enfrentar o imenso desafio de recuperar o País após a pandemia de covid-19, perdem tempo e energia institucional com os delírios eleitoreiros de Bolsonaro, e isso depois de passarem anos mobilizados pelo cansativo divisionismo lulopetista. O Brasil precisa se libertar o quanto antes desse longo ciclo de demagogia e empulhação.

Os precatórios da campanha de reeleição

O Estado de S. Paulo

O governo Bolsonaro quer usar recursos de terceiros para fortalecer a campanha de reeleição

Ao mesmo tempo que planeja gastar mais e arrecadar menos com o pacote eleitoreiro de bondades – entre outras medidas, aumentar o valor do Bolsa Família e ampliar a isenção do Imposto de Renda –, o governo de Jair Bolsonaro tenta manobras para não honrar o que deve. Anunciou recentemente que almeja não pagar os precatórios de 2022.

A proposta é acintosa. No ano que vem, o governo federal quer pagar apenas os precatórios de até R$ 66 mil. Os restantes teriam o seu pagamento parcelado ao longo de dez anos ou seriam utilizados como crédito pelos detentores dos direitos ao longo desse tempo. Além disso, em relação aos precatórios de mais de R$ 66 mihões, o governo planeja criar uma regra permanente de parcelamento.

“Devo, não nego; pagarei assim que puder”, disse o ministro da Economia, Paulo Guedes. No entanto, a proposta do governo é ainda mais debochada. Não é pagar quando puder, e sim quando quiser – o que é um evidente abuso.

“O que o governo está propondo é um calote, porque os precatórios resultam de ações judiciais de longa duração, às vezes 10, 20, 30 anos. Depois que o autor da ação ganha a sua causa, vem o governo dizer ‘só te pago daqui a 10 anos’? Você tem casos de pessoas que morrem sem receber. Esse tipo de reação do governo busca transformar os precatórios em dívida de segunda categoria”, disse o economista Maílson da Nóbrega ao Estadão/Broadcast.

A medida anunciada de atrasar unilateralmente o pagamento de precatórios é absolutamente contraditória com o discurso, muito repetido pelo governo federal, de que uma de suas prioridades seria melhorar o ambiente de negócios e aumentar a segurança jurídica. Um governo que atrasa o pagamento de precatórios – dívidas que foram reconhecidas pela Justiça e que já transitaram em julgado – revela descompromisso com suas obrigações mais básicas.

A agravar a situação, o governo não quer pagar os precatórios justamente no ano eleitoral, para dispor de mais dinheiro para nutrir as medidas eleitoreiras. Ou seja, o governo de Jair Bolsonaro quer usar recursos de terceiros para fortalecer a campanha de reeleição.

Segundo o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a proposta do governo federal de alterar as regras do pagamento dos precatórios é uma tentativa de institucionalização do calote para fins eleitoreiros.

Nessa história sobre os precatórios de 2022, o próprio discurso do governo federal revela descaso com aquilo que é uma obrigação primária, o cumprimento de decisões judiciais. Segundo Paulo Guedes, o montante total dos precatórios do ano que vem representaria um meteoro que precisa ser abatido por um míssil – a tal proposta de parcelamento –, para salvar as finanças federais.

“O governo não deveria se surpreender com essa informação do Judiciário, os R$ 89 bilhões (de dívidas em precatórios). O ministro (Paulo Guedes) se mostrou surpreso e lançou mão mais uma vez de metáforas tétricas: meteoro, míssil... Por que isso? Todos os processos nos tribunais superiores são acompanhados por advogados da União. Tudo indica que não há comunicação entre a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério da Economia”, disse Maílson da Nóbrega.

Não é de hoje que governos tentam atrasar o pagamento de precatórios. Querem transformar o que é uma estrita obrigação em uma faculdade. Nenhum devedor tem o direito de arbitrar unilateralmente o valor que vai pagar ao credor.

O presidente Jair Bolsonaro foi além. O governo federal planeja atrasar os precatórios para fins eleitorais. Em vez de cumprir suas obrigações, quer aumentar os gastos em medidas que geram votos.

A manobra é imoral e ilegal. Cumprir a lei é também respeitar a decisão judicial que transitou em julgado. Além disso, se a proposta for efetivada, o poder público terá ao longo dos próximos anos dificuldades ainda maiores para pagar os precatórios. Além dos relativos a cada ano, haverá os precatórios parcelados da campanha de reeleição de Jair Bolsonaro.

A oscilação da indústria

O Estado de S. Paulo

Produção industrial fechou um semestre de vários tombos e de lenta recuperação

Com novo tropeço em junho, a indústria fechou um semestre de estagnação, conseguindo apenas manter-se no patamar de fevereiro de 2020, anterior ao choque da pandemia. Este ano começou com modesto crescimento em janeiro, quando a produção aumentou 0,2%. Quem se animou logo enfrentou uma decepção, porque em seguida vieram três meses de desempenho negativo. Depois dessa nova queda, quando o setor afundou 4,7%, houve um ganho de 1,4% em maio, mas no mês seguinte o avanço foi nulo. Números melhores aparecem quando os confrontos envolvem prazos pouco mais longos: subida de 12,9% em relação à primeira metade de 2020 e de 6,6% em 12 meses sobre o período anterior, mas as bases de comparação, nesses casos, são muito baixas.

Sequelas da crise sentidas em todo o mundo explicam, em parte, a fraqueza da indústria. A escassez de insumos, como certos componentes eletrônicos, tem dificultado a atividade e elevado custos. Do lado da demanda, como lembra o economista André Macedo, gerente da pesquisa industrial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é preciso levar em conta o desemprego ainda alto e a redução da massa de salários. Fatores ocasionais, como a redução da safra de alguns produtos agrícolas, como o açúcar, também se incluem nas explicações. Mas os dados da indústria se encaixam no quadro mais amplo de uma reativação econômica ainda insegura, embora o ministro da Economia, Paulo Guedes, insista em falar de uma recuperação em V.

Em junho, a produção diminuiu em três das quatro grandes categorias econômicas e em 14 dos 26 ramos cobertos pela pesquisa. Houve recuo mensal em bens intermediários (-0,6%), bens de consumo duráveis (-0,6%) e em bens de consumo semiduráveis e não duráveis (-1,3%). O único aumento (+1,4%) ocorreu em bens de capital.

A oscilação observada mês a mês em cada segmento industrial pode ser explicada por vários fatores, mas é preciso atribuir importância especial ao ritmo do consumo, ainda lento. Depois de crescer 0,2% em janeiro e 1,1% em fevereiro, as vendas do comércio varejista caíram 3% em março. Aumentaram, depois, 4,9% em abril e 1,4% em maio. Mas em dezembro de 2020, é importante lembrar, as vendas haviam despencado 5,5%.

O desempenho do varejo no começo deste ano é facilmente compreensível quando se observa o mercado de trabalho, com 14,8 milhões de desocupados no trimestre móvel encerrado em abril e 34 milhões tentando sobreviver na informalidade. O ministro da Economia tenta desacreditar esses números atacando o IBGE. A agência oficial de estatísticas opera, no entanto, segundo padrões internacionais e, apesar das pressões do governo, tem preservado sua qualidade. Antes de Paulo Guedes, o presidente Jair Bolsonaro já havia procurado desqualificar o instituto. Tendo estudado estatística, o ministro se distingue do presidente pelo menos nesse aspecto. Não deixa de segui-lo, no entanto, nos valores e no comportamento político.

A indústria de bens de capital foi a única, entre as grandes categorias, a apresentar crescimento em junho. Nesse mês, a produção de máquinas e equipamentos foi 1,4% maior que em maio. No semestre, o total fabricado foi 45,6% superior ao de um ano antes. A expansão acumulada em 12 meses chegou a 20,4%. Mas também nesse caso os grandes números se explicam pela base de comparação muito baixa.

Além disso, o crescimento no ano está longe de assinalar um surto de investimento produtivo. A retomada é explicável, muito mais facilmente, pela urgência de garantir a recomposição de uma capacidade produtiva seriamente prejudicada. Dois números podem tornar mais claro esse ponto. No trimestre móvel encerrado em junho, a produção da indústria geral ficou 16,7% abaixo do pico registrado em maio de 2011. No caso dos bens de capital, a diferença foi de 25,4% em relação ao pico alcançado em setembro de 2013. No longo retrocesso da indústria, o setor de bens de produção foi, obviamente, o mais afetado. O caminho de volta terá de passar por uma séria retomada do investimento produtivo.

Instabilidade é regra

Folha de S. Paulo

Volúpia de mudanças eleitorais na Câmara deveria dar lugar a abordagem cautelosa

Não por acaso, o subdesenvolvimento civilizacional e econômico está associado à amplitude de variação das regras do jogo ao longo do tempo. O chiste de que no Brasil nem o passado é previsível carrega um pouco dessa percepção.

Um dos sismos periódicos que reforçam essa característica são as mudanças pretendidas —e muitas vezes obtidas— por deputados e senadores nas normas eleitorais. Do Congresso se insinua mais uma avalanche de alterações as mais diversas, tentando se aproveitar da janela que se fecha em outubro para que possam valer já em 2022.

Na Câmara o intento de fazer terra arrasada das regras vigentes se destaca. Se depender da proposta de emenda à Carta relatada pela deputada Renata Abreu (Podemos-SP), subverte-se o sistema proporcional de preenchimento de vagas para o Legislativo a favor de um exotismo chamado de distritão.

Seriam eleitos os primeiros colocados na votação em cada estado, desprezando-se todos os escrutínios direcionados aos demais concorrentes. No modelo vigente há muito tempo no Brasil, todo voto conta, e as cadeiras são distribuídas conforme a votação de cada agrupamento partidário.

Deputados cogitam também uma série de mudanças que dificultam seja a concorrência de desafiantes contra quem exerce mandato, seja a fiscalização dos atos e gastos de campanha pelas autoridades. Associadas ao maná de R$ 5,7 bilhões almejado para o financiamento de campanhas, tornariam o sistema paradoxalmente mais dispendioso e mais opaco para o contribuinte.

A ousadia inconstitucional de censurar pesquisas eleitorais e o retrocesso do voto impresso também compõem a lista de desejos extravagantes de deputados para a reforma eleitoral. O Brasil ganhará se todo esse pacote se mantiver apenas no plano das intenções inconsequentes de parlamentares.

A abordagem do Senado, que já aprovou algumas propostas de escopo bem mais reduzido e as despachou para a Câmara, parece diferente. A chamada minirreforma eleitoral dos senadores tenta ajustar o mecanismo das cotas para candidatas mulheres, cujo espírito tem sido sobejamente burlado pelo emprego de laranjas.

Além disso, o acervo de medidas aprovadas na Casa que representa a Federação dificulta ainda mais o acesso de legendas nada representativas a cadeiras no Congresso, uma medida profilática na direção de reduzir a aberração da multiplicação de agremiações no país.

Ainda que o mérito das propostas do Senado mereça ser mais bem debatido na passagem pela Câmara, a opção por alterações cautelosas e incrementais é a mais correta. Basta de fazer o solo sob as regras eleitorais tremer a cada dois anos.

De filho para mãe

Folha de S. Paulo

Caso de Ciro Nogueira mostra que suplência de senadores precisa ser revista

Rompimentos e traições, assim como alianças e reaproximações, estão na essência do jogo da política. Não obstante, políticos têm pesadelos com a possibilidade de serem apunhalados pelas costas por correligionários que um dia apoiaram e elevaram a cargos mais altos.

Michel Temer (MDB) não foi fiel à presidente Dilma Rousseff (PT), de quem era vice. João Doria demonstrou pouca gratidão a Geraldo Alckmin, seu padrinho político no PSDB. Exemplos não faltam.

Na utopia dos políticos, eles só trariam para seu entorno pessoas cuja possibilidade de traí-los fosse zero, especialmente em cargos cuja incumbência seja a de substituí-los. No mundo real, é difícil.

Um candidato a presidente, governador ou prefeito precisa convidar para a chapa um vice que traga votos ou, ao menos, reduza resistências, o que invariavelmente resulta num copostulante com uma agenda política diferente da sua —isto é, um potencial traidor.

Existe, contudo, uma espécie de Shangri-La em que se podem indicar para vice apenas pessoas de extrema confiança: o Senado. Como ninguém presta maior atenção a quem são os suplentes dos candidatos a senador, os cabeças de chapa sentem-se livres para chamar quem bem desejarem.

Essa situação ficou escancarada com a ida de Ciro Nogueira (PP-PI) para a Casa Civil. Ocupará sua cadeira no Senado ninguém menos que sua mãe, Eliane Nogueira. Chamar a mãe para suplente constitui provavelmente o que de mais perto existe de um seguro antitraição.

Do ponto de vista do interesse público, contudo, a existência de suplentes de senador não é uma ideia feliz do constituinte. Pode-se argumentar que o problema está em eleitores e imprensa, que não dão o devido destaque a esses cargos, mas o fato é que estamos diante de um déficit democrático.

Pessoas que passam quase escondidas pelo escrutínio do voto são com alguma frequência convocadas a exercer temporária ou definitivamente mandatos na Câmara Alta do Parlamento.

Há meios de enfrentar o problema. Nos menos intervencionistas, apenas se proibiria que cônjuges e parentes se tornassem suplentes.

Numa saída mais radical, o próprio cargo poderia ser extinto —e, havendo impedimento do titular, uma nova eleição seria convocada, definindo-se um substituto temporário. Qualquer que seja o remédio, o caso de Ciro Nogueira demonstra que o tema merece debate.

Agenda econômica entra no embalo eleitoral

Valor Econômico

Para quem estuda há muito uma forma de bancar a ampliação do Bolsa Família, a saída é frustrante e suspeita

O governo começou a adotar medidas econômicas para melhorar o prestígio do presidente Jair Bolsonaro, que anda em baixa, e dar-lhe maiores chances de se reeleger. As mudanças no Imposto de Renda e no pagamento dos precatórios são apenas as primeiras com esse objetivo e outras virão. O resultado das ações do Planalto, com apoio do ministro da Economia, Paulo Guedes, é muito ruim. O dólar voltou a avançar ontem com a ressurreição do risco fiscal, que estava adormecido, os juros futuros subiram, o Banco Central sofre pressão para elevar mais a Selic e a inflação pode galgar mais alguns pontos com isso. O preço a pagar pela reeleição será tanto mais alto quanto maiores forem os desatinos do presidente - para eles, parece não haver limites.

Em julho, o ministro Paulo Guedes disse que, depois de o governo ficar na defesa por muito tempo, chegara a hora de partir para o ataque (Folha de S. Paulo). A primeira parte da frase não era muito clara, mas a segunda sim: os cofres públicos pagarão a conta. Não há motivos, além dos eleitoreiros, que expliquem por que o governo elevou o limite de isenção do imposto de renda das pessoas físicas agora. A promessa de campanha, que até poderia ter sido parcialmente cumprida antes, era um delírio: isenção para quem ganha até 5 salários mínimos. Ficou pela metade: R$ 2,5 mil.

Mas, para isentar o IR, o que correspondeu a uma correção na tabela de 29%, o governo resolveu tributar dividendos, acabar com juros sobre capital próprio, tributar fundos imobiliários etc. Pelos cálculos da Receita, haveria ganho na arrecadação de pouco mais de R$ 2 bilhões no primeiro ano e um pouco menos que isso no segundo. O setor privado fez outras contas e constatou um aumento geral da carga sobre as empresas. Os parlamentares, que têm uma aritmética particular, transformaram o ganho em um rombo fiscal de R$ 30 bilhões, invertendo a lógica, que já era torta, do pacote tributário. Paulo Guedes deu aval à dilapidação de seu projeto, enquanto que o presidente Bolsonaro, como sempre, culpou o próprio governo, ao atribuir à Receita o fato de ter ido com “muita sede ao pote”.

Até hoje, o Ministério da Economia não enviou a segunda parte de seu projeto de reforma tributária - se é que existe - e pouco fez pela primeira, a da união PIS-Cofins em um tributo único federal. O ministro foi um empecilho da uma reforma tributária ampla, e a específica que enviou ao Congresso, que não racionaliza nem simplifica coisa alguma, transformou-se em seu contrário, com ampliação dos benefícios para as empresas.

Há dois anos o governo fala em robustecer o Bolsa Família e, de olho nas urnas, Bolsonaro mencionou elevar os R$ 192 de pagamento médio do programa para R$ 300 - e já fala em R$ 400. Guedes fez uma conta de chegar para abrir um espaço no Orçamento de 2022 (com a subtração inicial contratada de R$ 5,7 bilhões para o fundo eleitoral) de R$ 42 bilhões. Para fazer o aumento e ampliar em 3 milhões o número de beneficiários, para cerca de R$ 17 milhões, seriam necessários pelo menos R$ 20 bilhões.

O governo resolveu então parcelar os precatórios, dívidas que transitaram em Justiça, foram reconhecidas e não há mais recursos contra elas. Este passivo subiu de R$ 55,4 bilhões para R$ 84,9 bilhões e o mesmo ministro que não viu problema em criar um rombo de R$ 30 bilhões com o projeto de IR alegou que não há dinheiro para pagar dívidas com precatórios que foram acrescidas no mesmo montante. Dívidas acima de R$ 66 mil até R$ 66 milhões serão parceladas até 2029. As superiores a este valor terão parcelamento permanente. Em muitos casos, quem esperou até 10 anos na via crucis judicial para reaver seu direito terá de esperar mais dez para que isso ocorra.

O truque contábil não enganou ninguém - protelaram-se gastos obrigatórios para abrir espaço para despesas correntes, o que a lei fiscal não permite. Para quem estuda há muito uma forma de bancar a ampliação do Bolsa Família, a saída é frustrante e suspeita. Os mercados reagiram à esperteza punindo o real e os juros.

Todas as questões levantadas com as soluções equivocadas do governo são pertinentes. Na discussão do orçamento é possível debater se a protelação ou pagamento com emissão de dívida pública são soluções boas para o problema dos precatórios. Ou acordar um esquema de correção das faixas de rendimentos do IRPJ, ou ainda a questão dos dividendos em uma reforma tributária ampla, que de fato o governo não quer. No embalo eleitoral, a racionalidade vai embora.

 

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