EDITORIAIS
Senado precisa derrubar o PL da Grilagem
O Globo
É a cada dia mais preocupante o desmonte da
legislação de proteção ambiental no Brasil, em desafio flagrante aos protestos
da sociedade, do setor produtivo e às ameaças de boicotes internacionais a
produtos agrícolas brasileiros. A sucessão de “boiadas” prossegue impávida e
incólume e, embora a expressão tenha sido consagrada pelo ex-ministro Ricardo
Salles, não é responsabilidade apenas do Executivo.
O Legislativo assumiu protagonismo no
retrocesso, ao contrário do que supunha Salles na famigerada reunião
ministerial de abril do ano passado ao defender as “boiadas infralegais”, que
não dependiam do Congresso. É verdade que, na gestão Salles, pelo menos 57
dispositivos regulatórios desse tipo foram “flexibilizados”, segundo estudo da
UFRJ. Sob a presidência de Arthur Lira (PP-AL), porém, a Câmara dos Deputados
se tornou nos últimos meses o principal caminho para as “boiadas”.
Em maio, o plenário da Câmara aprovou uma nova lei de licenciamento ambiental, que praticamente institui um “liberou geral” nas obras e no arcabouço regulatório essencial para proteger florestas, ecossistemas e recursos hídricos. Nada menos que nove ex-ministros do Meio Ambiente criticaram o projeto, apelidado “mãe de todas as boiadas”, agora em apreciação no Senado.
Na segunda-feira, a Câmara voltou à carga e
aprovou, em regime de urgência, um projeto de lei de regularização fundiária
que também recebeu um apelido sugestivo: “PL da Grilagem”. O texto, que agora
também segue para o Senado, basicamente oferece uma série de brechas para
legalizar a invasão de terras públicas, em particular na Amazônia. São essas,
como se sabe, as áreas mais sujeitas a desmatamento.
O PL da Grilagem representa o pior tipo
possível de retrocesso neste momento em que a imagem do Brasil diante da
comunidade internacional está associada aos sucessivos recordes de devastação e
incêndios florestais. Não é à toa que o governo Bolsonaro vem sendo encarado
como uma espécie de piromaníaco, disposto a sacrificar a responsabilidade
ambiental em nome das demandas de madeireiras ilegais, grileiros e garimpeiros
interessados na exploração em terras indígenas.
Empresários europeus já se reuniram numa
coalizão que promete boicotar exportações agrícolas brasileiras caso o PL da
Grilagem seja aprovado no Senado. Se esse projeto ou o do licenciamento
ambiental virarem lei, não haverá esperança de que o acordo de livre-comércio
entre Mercosul e União Europeia receba o aval necessário para entrar em vigor.
Nos Estados Unidos, o governo Joe Biden já
deixou claro que a política brasileira para a Amazônia será crítica na relação
entre os dois países. Foi vergonhosa a participação do presidente Jair
Bolsonaro na cúpula do clima convocada por Biden em abril. É também flagrante o
despreparo do governo brasileiro para a reunião sobre o clima da ONU em
Glasgow. É esse o contexto em que se sucedem “boiadas” como o PL da Grilagem.
Quem acreditava que a saída de Salles do
governo traria um alívio no desmatamento da Amazônia estava enganado. A Câmara
presidida por Lira tem prestado um desserviço sem paralelo ao país e ao planeta
em que todos os deputados, assim como seus filhos e netos, terão de continuar a
viver. Cabe agora ao Senado restaurar o bom senso e derrubar as “boiadas” que
vierem de lá.
Nova sede nababesca da Alerj é um acinte
diante da penúria do estado
O Globo
Na terça-feira, a Assembleia Legislativa do
Rio (Alerj) inaugurou uma nova sede nababesca no Centro. O Edifício Lúcio
Costa, de 31 andares, já abrigara o antigo Banerj e parte da administração
estadual. Passou por uma reforma de R$ 170 milhões para receber os nobres
deputados e cerca de 5 mil funcionários. O “Alerjão”, como vem sendo chamado, é
um acinte à sociedade. Retrato da incoerência de uma Casa dissociada da realidade
do Rio e do país, que vivem grave crise sanitária, econômica e social.
A Alerj não conhece crises. Parece não ter
nada a ver com o estado de finanças cambaleantes que estava à beira da falência
em 2017 quando aderiu ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Durante o tempo em
que foi administrado pelo estado, o edifício era um descalabro. Praticamente
metade dos 31 andares estava interditada por problemas em instalações elétricas
e hidráulicas. A fachada deixava à mostra vergalhões enferrujados. Sofreu uma série
de pequenos incêndios que colocavam os servidores em risco. Se o governo do
estado não tinha dinheiro nem para manter o prédio, parece que os cofres da
Alerj estavam cheios, pois ela comprou o edifício e o reformou.
O despropósito se estende ao trabalho
legislativo. Sem se importar com a grave situação fiscal do Rio, o presidente
da Alerj, André Ceciliano (PT), disse que não será fácil aprovar o conjunto de
reformas para adequar o estado às exigências do novo RRF. O projeto enviado à
Casa pelo Executivo já foi apelidado pelos parlamentares de “pacote de
maldades”. Uma inversão absurda de valores, pois o equilíbrio fiscal é
essencial para o governo ter condições de pôr em prática políticas públicas.
Entre os pontos sensíveis para os deputados, estão o aumento do tempo de
contribuição para a aposentadoria de militares e bombeiros (de 30 para 35 anos)
e as restrições a reajustes salariais de servidores. A defesa das corporações
do funcionalismo sempre tem precedência sobre o interesse da população.
Passou da hora de os parlamentares
fluminenses assumirem suas responsabilidades. Não se deve esquecer que o acordo
fiscal de 2017 não foi renovado no ano passado porque o estado não cumpriu as
exigências pactuadas com a União. Tem agora uma segunda chance com a adesão a
um novo modelo, mais vantajoso por aumentar o prazo para o pagamento da dívida,
porém mais rigoroso nas medidas de austeridade. Não se deve imaginar que o Rio
obterá benefícios sem contrapartidas.
É respeitar o acordo ou ficar fora dele.
Será que os deputados fluminenses querem que o estado retorne à situação de
quatro anos atrás, quando UPAs foram fechadas, aulas tiveram de ser suspensas,
obras foram paralisadas e não havia dinheiro sequer para botar combustível nas
viaturas policiais? Isso sim é um pacote de maldades.
É possível que nossos parlamentares,
confortavelmente instalados em gabinetes de cem metros quadrados no espigão
reformado com R$ 170 milhões em dinheiro público, percam a noção do que se
passa no Rio. Basta chegarem à janela e olharem em volta para terem um choque
de realidade.
Um País prisioneiro das eleições
O Estado de S. Paulo
Quando o País deveria estar discutindo o desafio de se recuperar após a pandemia, perde tempo com os delírios de Bolsonaro
O ex-presidente Lula da Silva nunca desceu
dos palanques. Desde que se elegeu presidente pela primeira vez, o líder
petista tratou de revestir todos os seus atos e palavras de características
eleitoreiras, fazendo campanha permanente. Nessas circunstâncias, a tensão é
constante, pois os discordantes são tratados como inimigos movidos a interesses
eleitorais, e o único projeto concreto, para o qual todas as energias do
governo são mobilizadas, é vencer a eleição seguinte.
Esse foi um dos principais motivos pelos
quais o eleitorado brasileiro se cansou do lulopetismo. Jair Bolsonaro
elegeu-se presidente com a promessa de acabar com as práticas nefastas dos
petistas, mas não a cumpriu, como mostram os acertos esquisitos com o Centrão,
os negócios estranhos com vacinas e as manobras extravagantes para obter
recursos destinados a projetos populistas. Mais do que isso: tal como Lula da
Silva, Bolsonaro transforma tudo em comício.
Os virulentos ataques de Bolsonaro ao atual
sistema de votação e à Justiça Eleitoral fazem parte dessa estratégia. É evidente
que interessa ao presidente tratar de eleições muito antes que elas ocorram,
não só porque não sabe governar, mas sobretudo porque a campanha eleitoral é
seu hábitat natural.
Bolsonaro criou uma próspera holding
familiar para disputar e vencer eleições. Esse empreendimento desconhece
limites éticos e morais – a ponto de Bolsonaro ter obrigado um dos filhos a
disputar eleição contra a própria mãe do rapaz. Diante disso, rachadinha é
quase um pecadilho.
Assim, é natural que Bolsonaro continue a
investir pesado em sua reeleição. Sob inspiração do lulopetismo, por exemplo,
quer fazer do Bolsa Família seu maior ativo eleitoral. Nem parece o mesmo
político que, em 2011, disse que o Bolsa Família servia para “tirar dinheiro de
quem produz e dar para quem se acomoda, para que use seu título de eleitor e
mantenha quem está no poder”.
No auge da pandemia, Bolsonaro deu duro
para se livrar da responsabilidade como presidente e tratou de transformar a
crise em oportunidade eleitoral, ao antagonizar governadores que, segundo ele,
tudo fazem para prejudicá-lo porque são, eles mesmos, candidatos à sua cadeira.
Do mesmo modo, o escândalo armado por
Bolsonaro a respeito da confiabilidade das urnas eletrônicas se presta a
colocar as eleições na berlinda, muito antes da hora. Usa a discussão estéril e
extemporânea sobre o atual sistema de votação, já amplamente testado e
aprovado, para levantar suspeitas sobre a Justiça Eleitoral e o Supremo
Tribunal Federal – que estariam, segundo a teoria bolsonarista, mancomunados para
favorecer seu antípoda, Lula da Silva, na eleição de 2022.
Assim, Bolsonaro invoca o fantasma
lulopetista, que ainda assombra boa parte dos eleitores brasileiros,
apresentando-se como o único capaz de enfrentá-lo. Na alucinação bolsonarista,
essa seria precisamente a razão pela qual os petistas infiltrados nas Cortes
superiores estariam tentando derrotá-lo, libertando Lula da Silva e permitindo
fraudes nas urnas eletrônicas para eleger o petista.
Tudo isso é tolice, claro, não passando de
discurso palanqueiro. Bolsonaro quer fazer do Brasil um prisioneiro das
eleições.
Isso acarreta muitos problemas. Campanhas
eleitorais, por definição, são o momento em que ideias são colocadas em
contraste, muitas vezes de maneira enfática e, não raro, agressiva. Uma vez terminada
a eleição, os vencedores devem tratar de governar, e isso demanda negociação
política inclusive com adversários. Quando um governo não tem projeto nem tem
traquejo democrático, como é o caso do atual, é vantajoso manter um confronto
eleitoral imaginário, ainda mais quando do outro lado está Lula da Silva, o
inimigo ideal.
Assim, quando os brasileiros deveriam estar
discutindo maneiras de enfrentar o imenso desafio de recuperar o País após a
pandemia de covid-19, perdem tempo e energia institucional com os delírios
eleitoreiros de Bolsonaro, e isso depois de passarem anos mobilizados pelo
cansativo divisionismo lulopetista. O Brasil precisa se libertar o quanto antes
desse longo ciclo de demagogia e empulhação.
Os precatórios da campanha de reeleição
O Estado de S. Paulo
O governo Bolsonaro quer usar recursos de terceiros para fortalecer a campanha de reeleição
Ao mesmo tempo que planeja gastar mais e
arrecadar menos com o pacote eleitoreiro de bondades – entre outras medidas,
aumentar o valor do Bolsa Família e ampliar a isenção do Imposto de Renda –, o
governo de Jair Bolsonaro tenta manobras para não honrar o que deve. Anunciou
recentemente que almeja não pagar os precatórios de 2022.
A proposta é acintosa. No ano que vem, o
governo federal quer pagar apenas os precatórios de até R$ 66 mil. Os restantes
teriam o seu pagamento parcelado ao longo de dez anos ou seriam utilizados como
crédito pelos detentores dos direitos ao longo desse tempo. Além disso, em
relação aos precatórios de mais de R$ 66 mihões, o governo planeja criar uma
regra permanente de parcelamento.
“Devo, não nego; pagarei assim que puder”,
disse o ministro da Economia, Paulo Guedes. No entanto, a proposta do governo é
ainda mais debochada. Não é pagar quando puder, e sim quando quiser – o que é
um evidente abuso.
“O que o governo está propondo é um calote,
porque os precatórios resultam de ações judiciais de longa duração, às vezes
10, 20, 30 anos. Depois que o autor da ação ganha a sua causa, vem o governo
dizer ‘só te pago daqui a 10 anos’? Você tem casos de pessoas que morrem sem
receber. Esse tipo de reação do governo busca transformar os precatórios em
dívida de segunda categoria”, disse o economista Maílson da Nóbrega ao Estadão/Broadcast.
A medida anunciada de atrasar unilateralmente
o pagamento de precatórios é absolutamente contraditória com o discurso, muito
repetido pelo governo federal, de que uma de suas prioridades seria melhorar o
ambiente de negócios e aumentar a segurança jurídica. Um governo que atrasa o
pagamento de precatórios – dívidas que foram reconhecidas pela Justiça e que já
transitaram em julgado – revela descompromisso com suas obrigações mais
básicas.
A agravar a situação, o governo não quer
pagar os precatórios justamente no ano eleitoral, para dispor de mais dinheiro
para nutrir as medidas eleitoreiras. Ou seja, o governo de Jair Bolsonaro quer
usar recursos de terceiros para fortalecer a campanha de reeleição.
Segundo o Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), a proposta do governo federal de alterar as regras
do pagamento dos precatórios é uma tentativa de institucionalização do calote
para fins eleitoreiros.
Nessa história sobre os precatórios de
2022, o próprio discurso do governo federal revela descaso com aquilo que é uma
obrigação primária, o cumprimento de decisões judiciais. Segundo Paulo Guedes,
o montante total dos precatórios do ano que vem representaria um meteoro que
precisa ser abatido por um míssil – a tal proposta de parcelamento –, para
salvar as finanças federais.
“O governo não deveria se surpreender com
essa informação do Judiciário, os R$ 89 bilhões (de dívidas em precatórios). O
ministro (Paulo
Guedes) se mostrou surpreso e lançou mão mais uma vez de metáforas
tétricas: meteoro, míssil... Por que isso? Todos os processos nos tribunais
superiores são acompanhados por advogados da União. Tudo indica que não há
comunicação entre a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério da Economia”,
disse Maílson da Nóbrega.
Não é de hoje que governos tentam atrasar o
pagamento de precatórios. Querem transformar o que é uma estrita obrigação em
uma faculdade. Nenhum devedor tem o direito de arbitrar unilateralmente o valor
que vai pagar ao credor.
O presidente Jair Bolsonaro foi além. O
governo federal planeja atrasar os precatórios para fins eleitorais. Em vez de
cumprir suas obrigações, quer aumentar os gastos em medidas que geram votos.
A manobra é imoral e ilegal. Cumprir a lei
é também respeitar a decisão judicial que transitou em julgado. Além disso, se
a proposta for efetivada, o poder público terá ao longo dos próximos anos
dificuldades ainda maiores para pagar os precatórios. Além dos relativos a cada
ano, haverá os precatórios parcelados da campanha de reeleição de Jair
Bolsonaro.
A oscilação da indústria
O Estado de S. Paulo
Produção industrial fechou um semestre de vários tombos e de lenta recuperação
Com novo tropeço em junho, a
indústria fechou um semestre de estagnação, conseguindo apenas manter-se no
patamar de fevereiro de 2020, anterior ao choque da pandemia. Este ano
começou com modesto crescimento em janeiro, quando a produção aumentou 0,2%.
Quem se animou logo enfrentou uma decepção, porque em seguida vieram três meses
de desempenho negativo. Depois dessa nova queda, quando o setor afundou 4,7%,
houve um ganho de 1,4% em maio, mas no mês seguinte o avanço foi nulo. Números
melhores aparecem quando os confrontos envolvem prazos pouco mais longos:
subida de 12,9% em relação à primeira metade de 2020 e de 6,6% em 12 meses
sobre o período anterior, mas as bases de comparação, nesses casos, são muito
baixas.
Sequelas da crise sentidas em todo o mundo
explicam, em parte, a fraqueza da indústria. A escassez de insumos, como certos
componentes eletrônicos, tem dificultado a atividade e elevado custos. Do lado
da demanda, como lembra o economista André Macedo, gerente da pesquisa
industrial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é preciso
levar em conta o desemprego ainda alto e a redução da massa de salários.
Fatores ocasionais, como a redução da safra de alguns produtos agrícolas, como
o açúcar, também se incluem nas explicações. Mas os dados da indústria se
encaixam no quadro mais amplo de uma reativação econômica ainda insegura,
embora o ministro da Economia, Paulo Guedes, insista em falar de uma
recuperação em V.
Em junho, a produção diminuiu em três das
quatro grandes categorias econômicas e em 14 dos 26 ramos cobertos pela
pesquisa. Houve recuo mensal em bens intermediários (-0,6%), bens de consumo
duráveis (-0,6%) e em bens de consumo semiduráveis e não duráveis (-1,3%). O
único aumento (+1,4%) ocorreu em bens de capital.
A oscilação observada mês a mês em cada
segmento industrial pode ser explicada por vários fatores, mas é preciso
atribuir importância especial ao ritmo do consumo, ainda lento. Depois de
crescer 0,2% em janeiro e 1,1% em fevereiro, as vendas do comércio varejista
caíram 3% em março. Aumentaram, depois, 4,9% em abril e 1,4% em maio. Mas em
dezembro de 2020, é importante lembrar, as vendas haviam despencado 5,5%.
O desempenho do varejo no começo deste ano
é facilmente compreensível quando se observa o mercado de trabalho, com 14,8
milhões de desocupados no trimestre móvel encerrado em abril e 34 milhões
tentando sobreviver na informalidade. O ministro da Economia tenta desacreditar
esses números atacando o IBGE. A agência oficial de estatísticas opera, no
entanto, segundo padrões internacionais e, apesar das pressões do governo, tem
preservado sua qualidade. Antes de Paulo Guedes, o presidente Jair Bolsonaro já
havia procurado desqualificar o instituto. Tendo estudado estatística, o
ministro se distingue do presidente pelo menos nesse aspecto. Não deixa de
segui-lo, no entanto, nos valores e no comportamento político.
A indústria de bens de capital foi a única,
entre as grandes categorias, a apresentar crescimento em junho. Nesse mês, a
produção de máquinas e equipamentos foi 1,4% maior que em maio. No semestre, o
total fabricado foi 45,6% superior ao de um ano antes. A expansão acumulada em
12 meses chegou a 20,4%. Mas também nesse caso os grandes números se explicam
pela base de comparação muito baixa.
Além disso, o crescimento no ano está longe
de assinalar um surto de investimento produtivo. A retomada é explicável, muito
mais facilmente, pela urgência de garantir a recomposição de uma capacidade
produtiva seriamente prejudicada. Dois números podem tornar mais claro esse ponto.
No trimestre móvel encerrado em junho, a produção da indústria geral ficou
16,7% abaixo do pico registrado em maio de 2011. No caso dos bens de capital, a
diferença foi de 25,4% em relação ao pico alcançado em setembro de 2013. No
longo retrocesso da indústria, o setor de bens de produção foi, obviamente, o
mais afetado. O caminho de volta terá de passar por uma séria retomada do
investimento produtivo.
Instabilidade é regra
Folha de S. Paulo
Volúpia de mudanças eleitorais na Câmara
deveria dar lugar a abordagem cautelosa
Não por acaso, o subdesenvolvimento
civilizacional e econômico está associado à amplitude de variação das regras do
jogo ao longo do tempo. O chiste de que no Brasil nem o passado é previsível
carrega um pouco dessa percepção.
Um dos sismos periódicos que reforçam essa
característica são as mudanças pretendidas —e muitas vezes obtidas— por
deputados e senadores nas normas eleitorais. Do Congresso se insinua mais uma
avalanche de alterações as mais diversas, tentando se aproveitar da janela que
se fecha em outubro para que possam valer já em 2022.
Na
Câmara o intento de fazer terra arrasada das regras vigentes se destaca. Se
depender da proposta de emenda à Carta relatada pela deputada Renata Abreu
(Podemos-SP), subverte-se o sistema proporcional de preenchimento de vagas para
o Legislativo a favor de um exotismo chamado de distritão.
Seriam eleitos os primeiros colocados na
votação em cada estado, desprezando-se todos os escrutínios direcionados aos
demais concorrentes. No modelo vigente há muito tempo no Brasil, todo voto
conta, e as cadeiras são distribuídas conforme a votação de cada agrupamento
partidário.
Deputados cogitam também uma série de
mudanças que dificultam seja a concorrência de desafiantes contra quem exerce
mandato, seja a fiscalização dos atos e gastos de campanha pelas autoridades.
Associadas ao maná de R$ 5,7 bilhões almejado para o financiamento de
campanhas, tornariam o sistema paradoxalmente mais dispendioso e mais opaco
para o contribuinte.
A ousadia inconstitucional de censurar
pesquisas eleitorais e o retrocesso do voto impresso também compõem a lista de
desejos extravagantes de deputados para a reforma eleitoral. O Brasil ganhará
se todo esse pacote se mantiver apenas no plano das intenções inconsequentes de
parlamentares.
A abordagem do Senado, que já aprovou
algumas propostas de escopo bem mais reduzido e as despachou para a Câmara,
parece diferente. A chamada minirreforma eleitoral dos senadores tenta ajustar
o mecanismo das cotas para candidatas mulheres, cujo espírito tem sido
sobejamente burlado pelo emprego de laranjas.
Além disso, o acervo de medidas aprovadas
na Casa que representa a Federação dificulta ainda mais o acesso de legendas
nada representativas a cadeiras no Congresso, uma medida profilática na direção
de reduzir a aberração da multiplicação de agremiações no país.
Ainda que o mérito das propostas do Senado
mereça ser mais bem debatido na passagem pela Câmara, a opção por alterações
cautelosas e incrementais é a mais correta. Basta de fazer o solo sob as regras
eleitorais tremer a cada dois anos.
De filho para mãe
Folha de S. Paulo
Caso de Ciro Nogueira mostra que suplência
de senadores precisa ser revista
Rompimentos e traições, assim como alianças
e reaproximações, estão na essência do jogo da política. Não obstante,
políticos têm pesadelos com a possibilidade de serem apunhalados pelas costas
por correligionários que um dia apoiaram e elevaram a cargos mais altos.
Michel Temer (MDB) não foi fiel à
presidente Dilma Rousseff (PT), de quem era vice. João Doria demonstrou pouca
gratidão a Geraldo Alckmin, seu padrinho político no PSDB. Exemplos não faltam.
Na utopia dos políticos, eles só trariam
para seu entorno pessoas cuja possibilidade de traí-los fosse zero,
especialmente em cargos cuja incumbência seja a de substituí-los. No mundo
real, é difícil.
Um candidato a presidente, governador ou
prefeito precisa convidar para a chapa um vice que traga votos ou, ao menos,
reduza resistências, o que invariavelmente resulta num copostulante com uma
agenda política diferente da sua —isto é, um potencial traidor.
Existe, contudo, uma espécie de Shangri-La
em que se podem indicar para vice apenas pessoas de extrema confiança: o
Senado. Como ninguém presta maior atenção a quem são os suplentes dos
candidatos a senador, os cabeças de chapa sentem-se livres para chamar quem bem
desejarem.
Essa situação ficou escancarada com a ida
de Ciro Nogueira (PP-PI) para a Casa Civil. Ocupará sua cadeira no Senado
ninguém menos que sua mãe, Eliane Nogueira. Chamar a mãe para suplente
constitui provavelmente o que de mais perto existe de um seguro antitraição.
Do ponto de vista do interesse público,
contudo, a existência de suplentes de senador não é uma ideia feliz do
constituinte. Pode-se argumentar que o problema está em eleitores e imprensa,
que não dão o devido destaque a esses cargos, mas o fato é que estamos diante
de um déficit democrático.
Pessoas que passam quase escondidas pelo
escrutínio do voto são com alguma frequência convocadas a exercer temporária ou
definitivamente mandatos na Câmara Alta do Parlamento.
Há meios de enfrentar o problema. Nos menos
intervencionistas, apenas se proibiria que cônjuges e parentes se tornassem
suplentes.
Numa saída mais radical, o próprio cargo
poderia ser extinto —e, havendo impedimento do titular, uma nova eleição seria
convocada, definindo-se um substituto temporário. Qualquer que seja o remédio,
o caso de Ciro Nogueira demonstra que o tema merece debate.
Agenda econômica entra no embalo eleitoral
Valor Econômico
Para quem estuda há muito uma forma de
bancar a ampliação do Bolsa Família, a saída é frustrante e suspeita
O governo começou a adotar medidas
econômicas para melhorar o prestígio do presidente Jair Bolsonaro, que anda em
baixa, e dar-lhe maiores chances de se reeleger. As mudanças no Imposto de
Renda e no pagamento dos precatórios são apenas as primeiras com esse objetivo
e outras virão. O resultado das ações do Planalto, com apoio do ministro da
Economia, Paulo Guedes, é muito ruim. O dólar voltou a avançar ontem com a
ressurreição do risco fiscal, que estava adormecido, os juros futuros subiram,
o Banco Central sofre pressão para elevar mais a Selic e a inflação pode galgar
mais alguns pontos com isso. O preço a pagar pela reeleição será tanto mais
alto quanto maiores forem os desatinos do presidente - para eles, parece não
haver limites.
Em julho, o ministro Paulo Guedes disse
que, depois de o governo ficar na defesa por muito tempo, chegara a hora de
partir para o ataque (Folha de S. Paulo). A primeira parte da frase não era
muito clara, mas a segunda sim: os cofres públicos pagarão a conta. Não há
motivos, além dos eleitoreiros, que expliquem por que o governo elevou o limite
de isenção do imposto de renda das pessoas físicas agora. A promessa de
campanha, que até poderia ter sido parcialmente cumprida antes, era um delírio:
isenção para quem ganha até 5 salários mínimos. Ficou pela metade: R$ 2,5 mil.
Mas, para isentar o IR, o que correspondeu
a uma correção na tabela de 29%, o governo resolveu tributar dividendos, acabar
com juros sobre capital próprio, tributar fundos imobiliários etc. Pelos
cálculos da Receita, haveria ganho na arrecadação de pouco mais de R$ 2 bilhões
no primeiro ano e um pouco menos que isso no segundo. O setor privado fez
outras contas e constatou um aumento geral da carga sobre as empresas. Os
parlamentares, que têm uma aritmética particular, transformaram o ganho em um
rombo fiscal de R$ 30 bilhões, invertendo a lógica, que já era torta, do pacote
tributário. Paulo Guedes deu aval à dilapidação de seu projeto, enquanto que o
presidente Bolsonaro, como sempre, culpou o próprio governo, ao atribuir à
Receita o fato de ter ido com “muita sede ao pote”.
Até hoje, o Ministério da Economia não
enviou a segunda parte de seu projeto de reforma tributária - se é que existe -
e pouco fez pela primeira, a da união PIS-Cofins em um tributo único federal. O
ministro foi um empecilho da uma reforma tributária ampla, e a específica que
enviou ao Congresso, que não racionaliza nem simplifica coisa alguma,
transformou-se em seu contrário, com ampliação dos benefícios para as empresas.
Há dois anos o governo fala em robustecer o
Bolsa Família e, de olho nas urnas, Bolsonaro mencionou elevar os R$ 192 de
pagamento médio do programa para R$ 300 - e já fala em R$ 400. Guedes fez uma
conta de chegar para abrir um espaço no Orçamento de 2022 (com a subtração
inicial contratada de R$ 5,7 bilhões para o fundo eleitoral) de R$ 42 bilhões.
Para fazer o aumento e ampliar em 3 milhões o número de beneficiários, para
cerca de R$ 17 milhões, seriam necessários pelo menos R$ 20 bilhões.
O governo resolveu então parcelar os
precatórios, dívidas que transitaram em Justiça, foram reconhecidas e não há
mais recursos contra elas. Este passivo subiu de R$ 55,4 bilhões para R$ 84,9
bilhões e o mesmo ministro que não viu problema em criar um rombo de R$ 30
bilhões com o projeto de IR alegou que não há dinheiro para pagar dívidas com
precatórios que foram acrescidas no mesmo montante. Dívidas acima de R$ 66 mil
até R$ 66 milhões serão parceladas até 2029. As superiores a este valor terão
parcelamento permanente. Em muitos casos, quem esperou até 10 anos na via
crucis judicial para reaver seu direito terá de esperar mais dez para que isso
ocorra.
O truque contábil não enganou ninguém -
protelaram-se gastos obrigatórios para abrir espaço para despesas correntes, o
que a lei fiscal não permite. Para quem estuda há muito uma forma de bancar a
ampliação do Bolsa Família, a saída é frustrante e suspeita. Os mercados
reagiram à esperteza punindo o real e os juros.
Todas as questões levantadas com as
soluções equivocadas do governo são pertinentes. Na discussão do orçamento é
possível debater se a protelação ou pagamento com emissão de dívida pública são
soluções boas para o problema dos precatórios. Ou acordar um esquema de
correção das faixas de rendimentos do IRPJ, ou ainda a questão dos dividendos
em uma reforma tributária ampla, que de fato o governo não quer. No embalo eleitoral,
a racionalidade vai embora.
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