O Estado de S. Paulo
A corrida para tornar-se um país rico no século 21 será mais difícil. O que não quer dizer que não haja oportunidades a serem exploradas
Em 2024 o real completa seus primeiros 30
anos como a moeda nacional de estável poder de compra. Um marco histórico, dado
nosso passado de recordista mundial de inflação acumulada, do início dos anos
1960 ao início dos anos 1990.
Nenhum brasileiro que tenha menos de 46 anos
(a maioria da população) tem lembrança vívida da marcha da insensatez que foi a
evolução de nossa inflação – alta, crônica e crescente por décadas até chegar
aos surreais 2.400% no ano de 1993, o último ano antes da criação do real. Da
mesma forma, nenhum brasileiro que tinha menos de 46 anos em 1989 (novamente, a
maioria da população) jamais havia votado para presidente da República. Há que
comemorar os 35 anos de eleições diretas para o cargo, apesar das dores do
aprendizado.
Ao derrotar a hiperinflação e se consolidar, o real permitiu que o País pudesse vislumbrar, com um pouco mais de clareza, a magnitude de outros problemas econômicos, sociais e político-institucionais que precisavam ser enfrentados para que pudéssemos vislumbrar nosso futuro, no longo prazo, com mais confiança. Nas comemorações dos 30 anos do real e de nossa democracia seria importante incorporar uma visão que vá além de 2024, do próximo triênio, do restante desta década.
Em sua edição mais recente, a revista The
Economist mostra que isso é o que procuram fazer vários países em
desenvolvimento no mundo de hoje. Segundo a revista, em 2050 haverá um novo
grupo de potências econômicas – se seus planos ambiciosos se concretizarem. A
Índia de Modi pretende alcançar em 2047 (centenário de sua independência) o
status de país de alta renda, tal como definido pelo Banco Mundial. A média de
crescimento para tal deveria alcançar 8% ao ano, a ser obtida via investimentos
em indústria de alta tecnologia. A Indonésia pretende explorar as oportunidades
de investimento propiciadas pela transição energética, e espera crescer 7% ao
ano nas próximas décadas. Os países árabes do Golfo preveem diversificar suas
economias para as áreas de serviços, turismo e inteligência artificial. Há
vários outros países com objetivos ambiciosos por alcançar.
Vale lembrar que a experiência dos países
desenvolvidos, da Coreia do Sul, da China, mostra claramente que “o motor de
longo prazo para o crescimento é a mudança tecnológica” (Arthur Lewis), “a
força propulsora de descobertas e inovações” (Paul Romer), a “destruição
criadora” (J. Schumpeter). E que “a capacidade de um país elevar o padrão de
vida de sua população ao longo do tempo depende quase que inteiramente de sua
produtividade” (Paul Krugman). Essa produtividade depende fundamentalmente da
educação de qualidade, ali onde mais importa, que é nos anos iniciais de vida –
onde é possível tentar reduzir as enormes desigualdades de oportunidade na
partida, que estão na raiz de nossos níveis de pobreza, violência e
desigualdade de renda e riqueza.
Em livro publicado em 1986 (How the West Grew
Rich), Rosenberg e Birdzell sugerem que “poucos países em desenvolvimento,
começando de longe, podem esperar recuperar o atraso em relação à dinâmica
entrelaçada de tecnologia, produção industrial e crescimento econômico do
Ocidente”. Em sua opinião, “os países do Terceiro Mundo têm um potencial de
crescimento muito substancial, (...) mas arranjos institucionais inadequados
para a inovação, provavelmente, mais cedo ou mais tarde, limitarão o
crescimento futuro”.
A observação, velha de 40 anos, não é tão
descabida quanto pode parecer à primeira vista. Afinal, foram relativamente
poucos os países que nestes 40 anos conseguiram superar a chamada “armadilha de
renda média”. Edmar Bacha identificou uma dúzia deles. O Brasil tem condições
de enfrentar com êxito esse desafio. Se formos capazes de não só anunciar
objetivos desejáveis, mas identificar os meios e instrumentos para alcançá-los
ao longo do tempo. Ao fazê-lo é que afloram com clareza os trade-offs, os conflitos
de razão e de interesse, os custos, as difíceis escolhas e a inescapável
definição de prioridades.
O mundo ficou mais perigoso nesta terceira
década do século 21. Como concluiu a matéria da The Economist, a corrida para
tornar-se um país rico no século 21 será mais difícil e extenuante (gruelling
no original) do que aquela do século 20. O que não quer dizer que não haja
oportunidades a serem exploradas por países que se organizam para tal – com
visão de longo prazo.
Ainda a propósito de comemorações. O Programa
de Pós-Graduação e Pesquisa do Departamento de Economia da PUC-Rio, criado em
1978, completou seus primeiros 45 anos. Nesse período formaram-se 490 alunos no
programa de mestrado, dos quais 223 concluíram doutorados em universidade de
primeira linha nos EUA e na Europa. Ex-professores e ex-alunos do departamento
ocuparam posições relevantes em sucessivos governos. Vinte e dois foram
diretores do Banco Central; seis, seus presidentes. Dez integraram a diretoria
do BNDES, quatro deles como presidentes do banco; três presidiram o IBGE. Dos
membros da equipe central do Plano Real, nada menos que seis foram ligados ao
departamento como professores ou ex-alunos. Não é pouco – há o que comemorar.
*Economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC.
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