Ilustríssima / Folha de S. Paulo
Não podemos permanecer passivos à manipulação
de algoritmos e governos autoritários
[RESUMO] Derrocada da
relevância social do jornalismo e explosão da cacofonia gerada pela internet
nas últimas décadas, fatos intimamente interligados, nos levaram a uma crise
civilizacional da qual temos sido reféns passivos. Esse cenário de terra
arrasada, que beneficia poucas e poderosas empresas, virou um solo propício
para a desinformação e o surgimento de políticos autoritários em todo o mundo.
Restaurar os valores democráticos exigirá resposta enérgica para reimaginar o
jornalismo e as plataformas digitas.
Estamos imersos em uma crise histórica de
longa duração. Os pilares que sustentaram a democracia liberal do século 20
—representação política, jornalismo profissional, instituições reguladoras,
pactos de coesão social— sofrem
um processo de desestruturação progressiva.
A explosão informacional trazida pela
internet não produziu mais esclarecimento; ampliou o ruído, fragmentou
consensos e corroeu formas tradicionais de mediação. O jornalismo, paralisado
em sua arrogância institucional, não soube compreender a emergência do novo
ambiente em rede.
As plataformas digitais, ao contrário, não
hesitaram: capturaram rapidamente o centro da esfera pública, reconfigurando as
formas de circulação de informação, opinião e afeto.
Embora a literatura crítica internacional
acumule diagnósticos relevantes sobre a colonização algorítmica e o declínio
das instituições intermediárias, é notável —e preocupante— o silêncio
generalizado, inclusive no jornalismo, sobre a verdadeira dimensão dessa crise.
Esta talvez seja a mais grave omissão pública do nosso tempo.
O que proponho aqui não é apenas um
diagnóstico, mas um esforço deliberado de nomear essa dissolução como uma crise
estrutural e civilizacional, com a qual o jornalismo tradicional se mostrou,
até aqui, incapaz de lidar.
Não relato apenas uma experiência pessoal, mas a trajetória de uma geração que acreditou na função pública do jornalismo e assistiu, perplexa, ao seu esvaziamento como mediador qualificado da opinião pública.
Minha trajetória —do Jornal da Tarde e da Agência Estado à
criação da Broadcast e ao diálogo com o MIT Media Lab— revela que o caminho não
está na nostalgia nem na resistência passiva, mas na reinvenção ativa do
jornalismo como infraestrutura pública de articulação social. Na virada do
milênio, ao mergulhar nas pesquisas do Media Lab, compreendi que não vivíamos
apenas uma revolução tecnológica, mas uma profunda e irreversível transformação
epistemológica.
Foi Harold Innis,
autor de "O Viés da Comunicação" e pai da Escola de Toronto, quem
melhor formulou esta chave interpretativa: a forma como uma sociedade se
comunica determina sua estrutura de poder.
Ao estudar a transição dos impérios orais
para os escritos, dos registros em pedra à imprensa de massa, mostrou como o
tempo social é moldado pelos meios de registro e transmissão da informação.
Mais que isso: o meio técnico dominante molda
o próprio ambiente social, delimitando as possibilidades de organização
política, econômica e cultural. Marshall
McLuhan, seu discípulo mais conhecido, levou essa ideia adiante. Ao afirmar
que "o meio é a mensagem", deslocou o foco do conteúdo para a forma
da mediação. Televisão, rádio, jornal —cada meio conforma uma sensibilidade e
uma lógica de organização social.
Hoje, a internet, com sua capacidade de
retroalimentação em tempo real, constitui um novo sistema nervoso coletivo: um
ambiente cognitivo global estruturado por tecnologias que transcendem
fronteiras e operam em ritmo contínuo. Mas, pela primeira vez na história, essa
infraestrutura técnica está concentrada nas mãos de poucos atores privados, sem
mediação pública e sem projeto democrático correspondente.
Mesmo em crise, os jornais ainda exercem
influência simbólica —citados por autoridades, lidos por formadores de opinião,
referenciados por outras mídias. Mas é uma influência terminal, sem futuro, se
não houver reconfiguração estrutural.
O jornalismo precisa deixar de ser apenas um
produtor de conteúdos e retomar seu papel como arquitetura informacional:
organizador de fluxos, mediador de sentidos, articulador de redes. No século
20, os jornais foram centros de gravidade de comunidades, catalisadores de
sociabilidades e pactos sociais. A travessia para o século 21 exige que reaprendam
a desempenhar essa função em ambiente digital.
Essa função foi esvaziada não pela
obsolescência de sua missão, mas pela incapacidade institucional de compreender
e ocupar o novo ambiente em rede.
A internet, concebida nas décadas de 1960 e
1970 como uma infraestrutura descentralizada e resistente ao controle, foi
rapidamente capturada por interesses corporativos. Google, Facebook, Amazon
e outras empresas surgidas em garagens ocuparam o vácuo deixado por um
jornalismo preso à lógica do broadcast, enquanto o mundo passava a se
estruturar segundo uma nova lógica em rede.
O resultado é uma arquitetura algorítmica
voltada à maximização do engajamento, que expõe o público à manipulação
informativa em escala industrial e coloniza a esfera pública com interesses
comerciais disfarçados de neutralidade técnica.
O poder informacional, antes disperso em
múltiplos centros de mediação, hoje está concentrado em poucas corporações que
controlam não apenas os fluxos de atenção, mas as condições para a produção
social de sentido.
Das trilhas do Peabiru à rede das
redes
Carrego a história como lente e vejo a rede
como extensão das antigas trilhas culturais: as rotas atlânticas que expandiram
a economia mediterrânea; os peabirus que cruzavam os Andes e o litoral
brasileiro e serviram de base para a aventura do bandeirismo, a expansão das
nossas fronteiras e a ocupação do interior; os caminhos do telégrafo que
unificaram o território nacional; as rotativas que ajudaram a consolidar os
Estados-nação.
A rede é, agora, a nova trilha —fluida,
fragmentada, repleta de bifurcações e zonas de sombra. Como aquelas trilhas do
passado, ela redefine os circuitos do poder e da circulação. Mas vai além:
conecta consciências, reorganiza o espaço público e inaugura um novo estágio da
humanidade.
Inspirado por meu bisavô Júlio Mesquita —que,
por meio de sua atuação como empresário e jornalista, foi um dos principais
articuladores das redes sociais e de interesse que estruturaram São Paulo no
início do século 20—, dediquei minha trajetória jornalística também à
compreensão de como se organizam os fluxos de informação na sociedade.
Em 1991, na Agência Estado, ao lançar a
Broadcast, sabíamos que estávamos criando um protótipo do que viria: uma
estrutura de informação em tempo real, personalizada, dinâmica e interativa,
embrião da lógica em rede que depois se tornaria dominante.
A diferença é fundamental: a Broadcast nasceu
com responsabilidade editorial, ancorada em critérios de curadoria e
compromisso com a veracidade. Já as plataformas sociais, apesar de seu
potencial exponencial de crescimento, foram concebidas com um único objetivo:
monetizar a atenção. E é justamente aí que começa o problema.
A imprensa tradicional, presa à lógica do
século 20, ignorou que a nova mídia era interativa. Quando percebeu, já era
tarde. Em vez de assumir o papel de curadora dos fluxos, preferiu simular a
estética digital e disputar cliques. Transplantou a lógica do papel para a web
como um cadáver reanimado —e ele ainda anda.
As Redações seguiram produzindo para o
público, não com ele. Ignoraram o canal de volta e perderam o centro do
processo democrático. Enquanto isso, os
algoritmos aprenderam a explorar o medo, o tribalismo e o consumo. A esfera
pública foi colonizada.
As big techs deixaram de ser apenas empresas:
tornaram-se plataformas essenciais à democracia contemporânea, controlando a
infraestrutura social por onde nos comunicamos, nos organizamos e tomamos
decisões coletivas. Essa centralidade, contudo, não veio acompanhada de um
sistema de governança compatível com a responsabilidade que passaram a exercer.
O controle privado concentra poder sem
contrapesos institucionais. Nesse vácuo floresceram aventureiros da
comunicação, explorando inseguranças e preconceitos por meio de manipulação
emocional. Essa degeneração da esfera pública é hoje uma ameaça real à democracia.
Quem controla os fluxos de atenção controla a
opinião pública. As plataformas sabem disso. Seus
algoritmos não são neutros: moldam o que vemos, como interagimos, até como
votamos.
Hoje, cinco ou seis empresas, todas de
tecnologia, têm poder de manipular a esfera pública global. Um poder inédito.
Nem a igreja medieval, nem os impérios da imprensa ou a TV dos anos 1960
tiveram alcance comparável. Pior: é um poder opaco, automatizado e orientado
por cliques, não por um debate saudável.
A Comissão Europeia reconheceu isso em 2018,
ao inspirar os primeiros marcos de regulação digital na Europa. Seu relatório
mostrou que os algoritmos priorizam engajamento e monetização, amplificando a
polarização, espalhando desinformação e corroendo o tecido democrático.
Concluiu que não basta regulação ou checagem: é preciso restaurar a coesão
simbólica por meio de narrativas públicas potentes.
Ao propor uma abordagem interdisciplinar
—unindo psicologia, ciência política, jornalismo, computação e educação—, o
documento aponta que a desordem informacional exige mais do que ajustes
técnicos: requer reconstrução coletiva da confiança pública.
Na narrativa dominante, diz-se que a
desinformação se combate com "educação midiática". Como se o cidadão
comum tivesse a obrigação de entender algoritmos, filtros bolha e fluxos
patrocinados. É uma falácia —e uma perversidade.
O próprio relatório reconhece isso. A
educação midiática deve ser um esforço cívico em larga escala, envolvendo
educadores, jornalistas, ONGs, plataformas e políticas públicas, e não um fardo
individual.
A responsabilidade pela qualidade do ambiente
informacional é institucional, ética, política e regulatória. Mas as
plataformas evitam essa responsabilidade —e parte da imprensa, ao ecoar esse
discurso, torna-se cúmplice.
A aliança tácita: Trump, Musk e os
novos autoritários
O que testemunhamos é a convergência entre
regimes autoritários eleitos e a infraestrutura informacional dominada pelas
big techs. O caso americano é emblemático: Donald
Trump ameaça jornalistas, semeia ódio contra a imprensa e, ao mesmo tempo,
foi cortejado por figuras como Elon Musk, que controla uma das principais
plataformas de circulação de discurso político.
Essa aliança é tácita, mas eficiente. Regimes
como o de Trump deslegitimam a imprensa, enquanto as plataformas desestruturam
sua base econômica e capturam sua audiência.
Ambos têm interesse em um jornalismo fraco.
Um quer evitar o escrutínio; o outro, monopolizar a atenção. Contudo, a relação
entre Estado e plataformas é mais ambígua do que uma simples aliança. Moldam-se
mutuamente, ora se cooptam, ora se confrontam.
O
recente rompimento público entre Musk e Trump —após divergências sobre
subsídios, regulação e posturas institucionais— expôs as tensões internas desse
arranjo informal, mas estrutural. A lógica de cooptação permanece, mas os
atores já disputam o protagonismo da esfera pública.
Esse embate aparece nos conflitos
regulatórios em democracias marcadas por crises de representação e erosão da
mediação jornalística. Na
Hungria, Orbán subordinou a imprensa e instrumentalizou as plataformas.
Na Rússia, o Kremlin
promoveu redes locais e explora brechas em plataformas globais para
desinformação. Na
China, o controle é total: bloqueio de redes ocidentais, vigilância e
regulação que transforma aplicativos em extensões do Estado.
Na Índia, Modi pressiona
plataformas, reforça leis de controle e mobiliza redes para campanhas
nacionalistas. Nas Filipinas, Duterte usou o Facebook para consolidar
apoio e atacar opositores.
No Brasil, sob Bolsonaro, as
plataformas digitais deixaram de ser apenas meios e passaram a integrar uma
verdadeira rede social de fato, centralizada no entorno familiar do poder,
com Carlos Bolsonaro atuando como publisher —definindo pautas, controlando
edições, operando sistemas de distribuição e mecanismos de cooptação.
WhatsApp, X (ex-Twitter) e Facebook
tornaram-se canais centrais da comunicação oficial do governo. A base foi
mobilizada digitalmente para atacar a imprensa, hostilizar adversários e
deslegitimar instituições. O caso brasileiro revela, com nitidez, como a lógica
das plataformas pode ser instrumentalizada para corroer a esfera pública e
minar os fundamentos da mediação democrática.
Se o jornalismo tivesse se reinventado como
mediador em rede, e não como emissor vertical, boa parte do espaço ocupado pela
desinformação poderia ter sido contido. Trump, Orbán, Duterte e Bolsonaro
talvez não tivessem encontrado terreno tão fértil para manipular a opinião
pública.
Nesse cenário, a imprensa não pode mais se
limitar a produzir e distribuir informação. Precisa, como fez a família
Bolsonaro de forma perversa, fomentar e monitorar redes sociais de fato, mas
com outra finalidade: reconstruir o espaço comum da linguagem, da escuta e do
conflito civilizado.
Essa é hoje a tarefa essencial do jornalismo.
Para cumpri-la, é preciso desenvolver sistemas e ambientes próprios, que
sustentem uma relação em rede com o público, rompendo com a lógica reativa e
subordinada às plataformas. Não se trata apenas de informar, mas de reorganizar
a esfera pública em torno de vínculos mais legítimos, mediações transparentes e
sentidos compartilhados.
Isso exige uma organização editorial
conectada a redes sociais reais —aquelas formadas por vínculos vivos nos
territórios, vínculos entre o público e seus grupos de interesse, compostos
também por educadores, cientistas, lideranças locais e cobertos por jornalistas
de campo.
Isso vai muito além das estruturas
artificiais que as plataformas das big techs passaram a chamar de
"redes", com a cumplicidade da imprensa, apenas para sustentar um
modelo de negócios perverso, baseado na extração da atenção e na desinformação.
O jornalismo que se faz necessário hoje é
aquele capaz de articular inteligência distribuída e sustentar-se não apenas
por publicidade, mas por confiança, pertencimento e corresponsabilidade.
Não se trata de nostalgia. Como alertava
McLuhan, tendemos a enfrentar o novo com os reflexos do passado, "uma
marcha para o futuro olhando para o retrovisor".
É hora de redesenhar a mediação: não há
democracia sem esfera pública, nem esfera pública sem estruturas de mediação.
E, neste novo ambiente, isso exige criar relações em rede com o público
—vínculos contínuos, distribuídos e confiáveis, capazes de sustentar um
jornalismo que não apenas informe, mas articule—, reconectando-o.
Na encruzilhada
O "Relatório de Desenvolvimento Humano 2025 — Uma
Questão de Escolha: Pessoas e Possibilidades na Era da IA", publicado
recentemente pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), é
um chamado à ação.
Segundo o documento, a reconstrução da
democracia passa, necessariamente, pela reconstrução do jornalismo, articulada
a um novo pacto político que inclua governança democrática das infraestruturas
digitais, transparência algorítmica, responsabilização das plataformas e
estímulo a ecossistemas informacionais sustentáveis.
O que está em jogo é uma encruzilhada
civilizatória entre emancipação e servidão algorítmica. O conceito central do
relatório é o "poder agencial algorítmico": algoritmos que moldam
escolhas, organizam o visível e delimitam o possível. Treinados com dados
históricos, amplificam desigualdades sob a aparência de neutralidade.
Essa infraestrutura, controlada por poucos,
configura uma colonização simbólica. As plataformas moldam afetos, polarizam
crenças e corroem os mecanismos da opinião pública. O relatório propõe
caminhos: uma "inovação com intenção", orientada por valores
públicos, e uma "economia de complementaridade" entre humanos e
máquinas.
Três nós górdios
O PNUD é incisivo: o
futuro da IA será determinado por escolhas políticas e institucionais, não
tecnológicas.
Três pilares são fundamentais: transparência,
para que os critérios que orientam a operação algorítmica sejam compreensíveis
e auditáveis; responsabilidade, para que decisões automatizadas possam ser
contestadas e revisadas; e contestabilidade, para que haja mecanismos
institucionais efetivos de revisão e correção.
O relatório alerta que, ao deixar as
plataformas definirem os termos do debate, estamos entregando a cidadania a
sistemas opacos e não contestáveis. Essa "automatização do poder"
captura atenção, promove consumo e reforça desigualdades. Este é o núcleo da
questão: a governança da inteligência artificial é, antes de tudo, um desafio
político.
Não há arranjo institucional viável sem enfrentar a extrema concentração de
poder informacional e computacional nas mãos de um punhado de empresas
privadas, guiadas unicamente por lucro e controle de mercado. As propostas de
regulação, tal como estão sendo desenhadas, tendem a reforçar ainda mais esse
domínio.
Só uma ação coercitiva de alcance global
—capaz de afetar diretamente seus ganhos, desmontar estruturas de monopólio e
inverter os incentivos predatórios— pode, de fato, mudar o jogo. É preciso
falar a única linguagem que elas entendem: o bolso.
O diagnóstico do PNUD converge com a análise
que Martin
Wolf, principal comentarista econômico do Financial Times, vem
desenvolvendo desde 2014: caminhamos para uma era de regimes autocráticos,
impulsionados por ressentimentos de massa gerados pelo capitalismo financeiro e
alavancados por plataformas digitais que concentram o poder informacional.
Em "The Crisis of Democratic Capitalism", Wolf
argumenta que a sobrevivência da democracia depende de instituições
intermediárias fortes e legitimadas, capazes de sustentar uma esfera pública
funcional. Sem jornalismo independente, crítico e estruturado como mediação
confiável, abre-se espaço para a desinformação, o tribalismo e a erosão dos
fundamentos republicanos.
A questão central não é apenas regular as
plataformas, mas reconstruir a esfera pública em meio a novas infraestruturas
de poder. O relatório do PNUD é um chamado à ação: não podemos seguir como
usuários passivos de sistemas algorítmicos. Precisamos deliberar coletivamente
sobre o desenvolvimento tecnológico, a arquitetura informacional e os valores
que a orientam.
Este é um ponto de inflexão civilizatório: ou
criamos mecanismos institucionais para conter a lógica extrativista das
plataformas, ou veremos consolidar-se um colonialismo digital que restringe
liberdades, corrói a deliberação democrática e reduz a agência humana à lógica
dos algoritmos.
O desafio é político. Exige
um novo pacto social que subordine a tecnologia à emancipação, não à dominação.
O silêncio público e institucional sobre a
gravidade dessa crise é, ele próprio, parte do problema. Persistir nesse
mutismo equivale a legitimar a nova ordem algorítmica como inevitável e
incontornável. Romper com esse silêncio é o primeiro passo para a reconstrução
da esfera pública.
Ou tomamos a iniciativa de desautomatizar a
esfera pública e democratizar as infraestruturas digitais, ou permaneceremos
como espectadores passivos da consolidação de uma nova ordem social
algorítmica, na qual a liberdade e a democracia não terão mais espaço para
florescer.
Não se trata apenas de propor ajustes ou
inovações incrementais: é preciso coragem política, intelectual e institucional
para reimaginar o jornalismo e as infraestruturas digitais como bens públicos
essenciais à democracia.
Esta tarefa é ainda mais urgente diante do
quadro de insegurança e desesperança que hoje atravessa a humanidade, resultado
da falência das formas tradicionais de representação política, do declínio da
mediação jornalística e da emergência de um poder informacional opaco e
concentrado.
A reconstrução da esfera pública, portanto,
não é apenas um imperativo técnico ou institucional, mas uma resposta
necessária ao mal-estar difuso que corrói a confiança coletiva e ameaça o
próprio futuro da democracia.
Este é o desafio essencial do nosso tempo
—enfrentar a consolidação de uma nova ordem social algorítmica, imposta por conglomerados
tecnológicos privados que hoje detêm mais poder do que muitos Estados
nacionais.
É também o momento de lutar para retomar o
espírito original da internet, uma rede sem centro e controle, pensada para
crescer pelas bordas, fortalecer a autonomia dos indivíduos e ampliar os
horizontes da cooperação humana.
Essa promessa foi capturada e distorcida por
aplicações controladas por grandes plataformas, que concentram poder, extraem
atenção e impõem lógicas opacas de vigilância e manipulação.
Se não formos capazes de reequilibrar essa
correlação de forças, a democracia será apenas um simulacro tolerado pelas
plataformas, e o jornalismo, uma função residual subordinada ao mercado da
atenção.
*Jornalista, é conselheiro do InovaUSP e pesquisador do ecossistema informacional; ex-diretor do Jornal da Tarde e da Agência Estado
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