segunda-feira, 28 de julho de 2025

Brasil pós-tarifaço fica diferente – Fernando Gabeira

O Globo

Donald Trump fortaleceu Lula, afundou o bolsonarismo, parece que não tem noção do efeito de seus atos

Não exporto nada para os Estados Unidos, exceto algumas perguntas. Uma delas é esta: por que o país não tem um embaixador no Brasil? Somos o maior país da América do Sul, a décima economia do mundo, compramos mais do que vendemos para eles. A resposta razoável não pode apontar para diferenças ideológicas. Nesse caso, os Estados Unidos não teriam embaixada na China.

O interessante é que estão construindo uma nova embaixada em Brasília num terreno de 50 mil metros quadrados ao custo de R$ 3,5 bilhões. O prédio será inaugurado em 2030. Será que vão esperar que Lula deixe o poder? Estão cavando o solo para construir instalações subterrâneas. Será que cavarão infinitamente e buscarão o embaixador no Japão?

Trump vive um momento especial, e isso pode jogar a nosso favor. O escândalo Jeffrey Epstein chegou a ele. O milionário que se suicidou na cadeia e gostava de menininhas deixou um rastro que envolve várias personalidades. O príncipe Andrew já pagou a sua cota.

Trump lidera o Make America Great Again, e nesse movimento há muita gente que acha que os políticos são corruptos e pedófilos. O que acontecerá se concluírem que Trump é como os outros?

Punido com uma tarifa absurda, o Brasil encontrará solidariedade internacional, pois são muitos os países que se sentem atacados por Trump. O interessante é que, em termos brasileiros, ele conseguiu o contrário do que pretendia. Fortaleceu Lula, afundou o bolsonarismo, parece que não tem noção do efeito de seus atos.

Aliás, isso é algo que pretendo estudar melhor. Existe um componente autodestrutivo na direita. Nem sempre é necessário combatê-la, apenas deixar que desenvolva suas tendências suicidas.

Foi assim com a pandemia. Quando Bolsonaro concluiu que era apenas uma gripezinha e imitou pessoas sufocadas, ele estava roubando o oxigênio de seu futuro político.

Agora, Trump anuncia uma tarifa exorbitante, pede por Bolsonaro, que agradece a medida americana, dando a entender que a apoia e conta com ela em sua defesa. Mais uma vez, ele entra num processo de autodestruição que dispensa adversários. Está inelegível, será condenado por tentativa de golpe e consegue, no meio do caminho, personificar uma campanha antinacional.

As pessoas que combatem Bolsonaro podem ter seu mérito, mas é inegável que as escolhas dele definem as derrotas. Pessoas mais preparadas que Trump já produziram efeitos opostos ao que intencionavam.

Não sabemos se ele é capaz de elaborar isso. Mas a verdade é que influenciou as eleições de 2026 apenas com uma cartinha, parcialmente copiada de outras cartas, contendo alguns erros essenciais como ignorar o déficit brasileiro em relação aos Estados Unidos.

Quem visse Lula dando uma corridinha para fazer um discurso em Santiago, constataria que ele rejuvenesceu dez anos e está pronto para um novo mandato até 2030. Esse é o horizonte que se abre a partir de 1º de agosto. Para mim, nada de novo, pois já me acostumei com o PT no governo, desde o princípio do século.

Vou tocando o barco, sem saber se chegarei até lá, quando Lula deixar o poder, e os americanos inaugurarem sua nova embaixada em 2030. Apesar de tudo, será interessante.

Pelo menos, Trump já não estará mais por perto, e a política americana pode recuperar o mínimo de bom senso, melhor dizendo, começará a fazer sentido.


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