O Globo
Quem depende do ônibus, do metrô ou do trem
não enxerga eficiência: vê o tempo escorrer na fila
Trump, Bolsonaro, Lula, STF… tudo isso está
tomando a nossa atenção ultimamente, mas os problemas de sempre seguem sem
solução alguma. Pela primeira vez na História, a cobertura de saneamento básico
da Índia ultrapassou a do Brasil. Nas últimas semanas, cidades como Belo
Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo escancararam, mais uma vez, o colapso do
transporte público brasileiro.
O trabalhador segue refém de um sistema repleto de atrasos, superlotação, greves, janelas quebradas, redução de frotas e caos tarifário.
No fim de junho, em Belo Horizonte, 22 linhas
ficaram sem circular após paralisação dos motoristas, que denunciaram salários
atrasados, falta de pagamento do FGTS e
jornadas excessivas. A greve expôs a fragilidade da relação entre empresas e
poder público, agravada pela queda na arrecadação e pela demora nos repasses de
subsídios. E a crise não é restrita a Belo Horizonte: o sistema metropolitano
de Minas segue em colapso, com demanda em queda, tarifas acima do aceitável e
veículos sucateados — alguns com 18 anos de circulação e estrutura precária.
No Rio de Janeiro, houve diminuição da frota
de ônibus, especialmente nas zonas mais pobres. Somado a isso, o novo sistema
de bilhetagem Jaé — que deveria democratizar o acesso ao transporte — atrasou e
tem gerado confusão na integração entre modais. O BRT continua lotado, com
longas filas, e os trens da SuperVia seguem sucateados.
Em São Paulo, entre o fim de junho e meados
de julho de 2025, surgiu uma onda de apedrejamentos e ataques a ônibus: 569
veículos foram danificados desde 12 de junho até 7 de julho, com casos de
janelas estilhaçadas, passageiros feridos e suspensão temporária de linhas.
Apesar do impacto direto na mobilidade de
milhares de trabalhadores e estudantes, o governo estadual demorou a se
posicionar com firmeza. Não houve anúncio imediato de reforço no policiamento
preventivo, nem de ações integradas com inteligência digital.
Uma pesquisa elaborada pela Rede Nossa São
Paulo revela que, em 2024, o tempo médio de deslocamento dos paulistanos foi de
duas horas e 47 minutos por dia. Vamos imaginar que, tirando as oito horas de
sono diárias (na prática é menos, mas adotamos como referência), chegamos ao
total de 16 horas ativas. Quase 20% desse período é passado no transporte
público de má qualidade.
Isso faz pensar, em especial, nos
governadores Romeu Zema (Minas)
e Tarcísio
de Freitas (São Paulo), que figuram como presidenciáveis e vendem a
imagem de gestores eficientes — quando a realidade da população é bem diferente
ao usar os serviços públicos oferecidos por seus respectivos estados. Quem
depende do ônibus, do metrô ou do trem não enxerga eficiência: vê o tempo
escorrer na fila, a dignidade suar entre corpos espremidos, e o futuro se
distanciar a cada engarrafamento.
O transporte público não é só um problema
urbano, mas sim um vetor de desigualdade, um desafio de governança e, mais do
que nunca, um teste de viabilidade para qualquer projeto de país. Enquanto rola
a briga de poder entre extremos lá em cima, capturando nossos olhares, o dia a
dia mostra que, quando se trata de Brasil, o buraco é muito mais embaixo.
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