Saída aventada por relator pode ser aceitável
Por O Globo
Reduzir algumas penas é razoável desde que
preserve punição à altura de crimes contra democracia. Mas anistia é
despropósito
Ainda é uma incógnita o conteúdo da proposta legislativa que o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) fará em relação aos condenados pela tentativa de golpe de Estado para manter no poder o ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele parece ter entendido, porém, que anistiá-los seria inaceitável. “Essa coisa de anistia ampla e irrestrita já foi superada”, afirmou em entrevista ao GLOBO. Paulinho disse que manterá encontros com representantes de todas as correntes políticas e do STF antes de elaborar sua proposta.
Embora sem definições, ele admite que o
projeto pode tornar mais brandas as penas previstas na Lei do Estado
Democrático de Direito. Haveria apenas uma mudança no Código Penal, que
permitiria aos réus recorrer para obter alívio em suas sentenças. O presidente
do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), já defendeu ideia semelhante, mas
afirmou que esperará a proposta de Paulinho. Para evitar confusão com a
tentativa de anistiar os crimes defendida por bolsonaristas, alguns
parlamentares decidiram chamar a proposta de PL da Dosimetria.
É, em tese, uma saída aceitável. Não é ilegítimo
criticar as penas aplicadas a vários dos condenados pela violência do 8 de
Janeiro. Mas é essencial que organizadores, financiadores e executores, mesmo
com sentenças menos severas, continuem com penas à altura dos crimes que
cometeram. A defesa da democracia exige punição exemplar aos responsáveis por
tramas golpistas. É a melhor vacina contra futuros golpes. A anistia, ao
contrário, funciona como incentivo ao golpismo. Não faltam, na História
brasileira, exemplos de golpistas que, anistiados, voltaram a tomar parte em
intentonas anos depois.
É fundamental, por tudo isso, descartar o
despropósito que representaria uma anistia. Insistir em perdão só abriria
espaço para agravar a tensão entre Legislativo e Judiciário. Num cenário em que
a anistia fosse aprovada, o caso certamente pararia nos tribunais e acabaria no
STF, com alta probabilidade de confronto entre os Poderes, já que há inúmeros
argumentos para declarar a medida inconstitucional.
Vários ministros do Supremo já afirmaram que
anistiar atos antidemocráticos, em especial os crimes contra o Estado
Democrático de Direito pelos quais foram condenados os golpistas, viola a
Constituição. “Estou convicto de que é ilegítimo e inconstitucional”, afirmou
no início da semana o decano do STF, ministro Gilmar Mendes. No julgamento de
Bolsonaro, o ministro Flávio Dino também discorreu sobre o tema: “Esses tipos
penais são insuscetíveis de anistia”. Até o ministro Luiz Fux, único a
inocentar Bolsonaro, se manifestara contra anistia em tais casos por ocasião do
julgamento do ex-deputado Daniel Silveira em 2023: “Entendo que crime contra o
Estado Democrático de Direito é um crime político e impassível de anistia,
porquanto o Estado Democrático de Direito é uma cláusula pétrea que nem mesmo o
Congresso Nacional, por emenda, pode suprimir”.
Os golpistas já causaram danos demais ao
país. O Brasil precisa virar a página do radicalismo para encarar as questões
que importam à população. O Congresso tem papel fundamental nisso e deve agir
com responsabilidade e sensatez.
Melhora fiscal dos municípios não traz motivo
para tranquilidade
Por O Globo
Apesar do avanço verificado em estudo da
Firjan, 36% das prefeituras estão em situação difícil ou crítica
Melhorou a situação fiscal dos municípios
brasileiros, mas ela não é sustentável, de acordo com o levantamento mais
recente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). À
primeira vista, as prefeituras parecem andar na direção certa. Numa escala que
classifica a gestão dos recursos públicos em quatro níveis (crítica, difícil,
boa e excelente), a média brasileira em 2024 foi descrita como boa, melhor
resultado desde o início da série histórica há 12 anos. Um olhar mais atento,
porém, revela diversos problemas. Em 36% dos municípios, a situação é difícil
ou crítica.
As prefeituras têm dificuldade de reduzir
despesas com pessoal quando o ritmo de crescimento da economia diminui e as
receitas caem. Grande parte é incapaz de cobrir os próprios gastos. Por fim,
verbas distribuídas pelas emendas parlamentares são pulverizadas e não chegam a
quem mais precisa.
Os cofres municipais ganharam reforço recente
com a expansão forte da economia e o aumento da distribuição de recursos. O
Fundo de Participação dos Municípios cresceu de R$ 120 bilhões em 2019 para R$
177 bilhões no ano passado. Antes da aprovação da reforma tributária, as
prefeituras correram para garantir receitas, na tentativa de se proteger de
eventual perda de arrecadação. Nos últimos cinco anos, os orçamentos municipais
cresceram 56,5% em termos reais. Foi essa a circunstância que permitiu certa
folga nas contas, apesar do aumento de gastos. O preocupante é que, mesmo numa
conjuntura favorável, parte considerável das prefeituras continuou em situação
difícil. Esse é o indício mais claro da urgência de reformas.
Um em quatro municípios não produz recursos
suficientes para pagar os salários do prefeito e dos vereadores, dependendo até
para isso dos repasses da União. A expansão na quantidade de municípios a
partir da Constituição de 1988 fez proliferar aqueles incapazes de sobreviver
por conta própria. A meta passou a ser criar empregos públicos. Tal lógica
precisa ser revertida com medidas que incentivem a fusão de prefeituras. “A
prioridade deve ser atender aos cidadãos, e não destinar mais recursos à
máquina pública”, diz o estudo da Firjan.
Também merece atenção o gasto com pessoal. Despesas com funcionários da ativa e aposentados cresceram 29% acima da inflação de 2019 a 2024. Ao todo, 540 prefeituras comprometem mais de 54% do orçamento com a folha de pagamento, pouco abaixo do limite de 60% determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Tal patamar já preocupa. Num cenário de crescimento econômico baixo, essas prefeituras terão dificuldade de reduzir a folha de pagamento. Por isso é fundamental que a reforma administrativa em debate na Câmara seja ampla e favoreça ajustes de custos. Outra questão que deveria ocupar os congressistas são as emendas parlamentares. Não há como reduzir desigualdades regionais quando montante tão grande de recursos públicos é distribuído com base em interesses meramente paroquiais.
Lula exagera nos gastos e país paga conta
pesada em juros
Por Folha de S. Paulo
EUA reduzem taxa, enquanto Brasil segue com
Selic escorchante; risco é despesa pública subir nas eleições
Para conter a inflação, BC precisa agir, a
ponto de o país comprometer R$ 1 trilhão com pagamento de juros, concentrando
renda e elevando dívida
As recentes decisões do Federal Reserve (Fed) e do Banco Central sobre
as taxas de juros evidenciam
trajetórias distintas nas políticas monetárias de Estados
Unidos e Brasil, com implicações para a economia global e
doméstica.
Enquanto o Fed anunciou um corte de 0,25
ponto percentual na taxa básica, para a faixa de 4% a 4,25% ao ano,
além de indicar reduções adicionais até o nível de 3% nos próximos meses,
o Copom manteve
a Selic em
15%, com um tom cauteloso frente a pressões inflacionárias persistentes.
A retomada do ciclo de afrouxamento monetário
nos EUA é motivada pelo enfraquecimento do mercado de trabalho e por evidências
de desaceleração perigosa na atividade.
Há riscos para a inflação em
função das tarifas impostas por Donald Trump,
que podem elevar preços para o consumidor, mas a visão da autoridade monetária
é que o choque será temporário.
No Brasil, a
manutenção dos juros em nível escorchante veio acompanhada por
mensagem dura que descarta cortes no curto prazo, em função de incertezas
externas e domésticas, notadamente quanto às contas públicas em desordem,
resiliência na atividade econômica e desancoragem das expectativas de inflação.
De fato, as projeções do setor privado,
embora tenham recuado nos últimos meses, ainda se situam em 4,8% e 4,3%,
respectivamente, para 2025 e 2026, muito acima da meta de 3%.
A melhora recente foi facilitada por fatores
como a redução nos preços de alimentos e pela apreciação do real, que barateou
importados. No entanto, os preços de serviços, sensíveis à demanda interna e ao
mercado de trabalho aquecido, seguem pressionados.
A divergência dos rumos monetários ampliará
ainda mais o diferencial de juros entre Brasil e EUA, atualmente em 10,75% ao
ano, atraindo fluxos de capital para o país. Esse movimento favorece a
apreciação do real, que já ronda os R$ 5,30, num ganho próximo a 16% desde o
início do ano. A valorização é bem-vinda, pois diminui pressões inflacionárias
e facilita o trabalho do BC.
O outro lado da moeda é que os juros estão
elevadíssimos porque o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esquentou a
economia com gastos insustentáveis. Para conter a carestia, o BC tem
de exagerar na dose, a ponto de o país comprometer R$ 1 trilhão com pagamento
de juros neste ano, concentrando a renda e elevando a dívida pública.
Na soma geral, porém, a conjuntura atual
aponta para o início do ciclo de cortes graduais na taxa básica de juros a
partir do primeiro trimestre, para 12,5% ao final do ano que vem, segundo
estimativas de analistas.
O principal risco para o Brasil é o governo
novamente embarcar num vale-tudo eleitoral, com aumento descontrolado das
despesas públicas. Esse cenário poderia reacender pressões inflacionárias e
forçar o BC a manter juros elevados por mais tempo, com enormes custos para o
país.
Eutanásia é questão de liberdade individual
Por Folha de S. Paulo
Mesmo com algumas restrições descabidas,
legislações sobre o tema avançam na França e na Inglaterra
Há insensatez no projeto inglês, como autorizar o suicídio assistido apenas para pacientes com expectativa de vida de no máximo 6 meses
O grande achado do Ocidente foi afirmar a
noção de indivíduo e ampliar seu escopo de direitos. Esse movimento teve início
no século 17 e, com interrupções e até reviravoltas, se estende até hoje.
Não são poucos nem irrelevantes os avanços,
como a abolição da escravidão, a liberdade de expressão, a descriminalização da
homossexualidade e das drogas e, mais recentemente, a regulamentação da morte
assistida.
Ainda não passam de uma dúzia os países que
permitem a eutanásia (quando o óbito é conduzido por um médico) ou o suicídio
assistido (o paciente recebe orientações médicas para pôr fim à própria vida),
mas a tendência é de alta. Duas das nações mais populosas da Europa, França e
Reino Unido, estão modificando suas leis nesse sentido.
Deputados franceses aprovaram, em maio, um
projeto de lei que autoriza a eutanásia para pacientes maiores de 18 anos e
residentes no país que sofram de doença incurável em fase avançada que cause
sofrimento. A proposta
será votada pelo Senado em outubro, e a expectativa é a de que seja
aprovada com outras limitações.
Na Inglaterra, o parlamento também
referendou um projeto bastante restritivo, que ainda passará pela
Câmara dos Lordes. O paciente precisa ter uma expectativa de vida de não mais
de seis meses e receber o aval de dois médicos independentes.
O que a experiência dos países que abraçaram
esse tipo de legislação ensina é que as restrições são importantes para
conseguir aprovar as normas, mas não resistem bem ao teste da realidade.
Se o princípio da morte assistida é evitar
sofrimento, como justificar que uma pessoa com previsão de seis meses de dores
tenha garantido o direito, mas uma fadada a dores por período maior não tenha?
E os aspectos subjetivos? O que é suportável para um pode ser intolerável para
outro.
Como perceberam Holanda e Canadá, não faz
muito sentido tentar circunscrever a autonomia individual a patologias
específicas, terminalidade e expectativas de vida médias.
De fato, isso torna a regulamentação ainda
mais desafiadora, já que o poder público e a sociedade têm interesse legítimo
em evitar suicídios motivados por causas tratáveis e transitórias —como a
maioria das depressões.
É triste constatar que, enquanto outros países avançam no campo das liberdades individuais, o Brasil estacionou. Se há até tentativas de retrocesso na já antiquada lei sobre o aborto, não se vislumbra debate sério sobre a eutanásia num Congresso Nacional populista que desconsidera evidências.
Dos males, o menor
Por O Estado de S. Paulo
Por meio do ‘PL da dosimetria’, Congresso tem
a chance de costurar um acordo para corrigir excessos na punição dos que foram
apenas massa de manobra dos líderes golpistas
A designação do deputado Paulinho da Força
(Solidariedade-SP) como relator do projeto de lei (PL) da chamada “anistia”
abre caminho para a construção de uma saída razoável para um imbróglio jurídico
e político do qual o País precisa se desvencilhar. O relator já indicou que seu
texto não deve ser chamado de “PL da anistia”, mas sim de “PL da dosimetria”. A
distinção é oportuna, pois indica que não haverá um inaceitável perdão para os
golpistas condenados, a começar por Jair Bolsonaro, e sim um ajuste das penas
aplicadas a indivíduos que, embora tenham praticado atos reprováveis, não podem
ser equiparados aos líderes de uma conspiração para subverter a ordem
constitucional democrática.
Em condições normais, um arranjo do tipo nem
deveria ser discutido, mas se impõe pela constatação, de resto consensual, de
que houve exageros no enquadramento penal dos idiotas úteis do 8 de Janeiro. A
Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Supremo Tribunal Federal (STF)
atribuíram a tipos penais gravíssimos – como golpe de Estado, abolição violenta
do Estado Democrático de Direito e associação criminosa armada – condutas que
não exigem tal grau de reprovação. O caso de Débora dos Santos, condenada a 14
anos de prisão por ter pichado com um batom a estátua da Justiça em frente ao
STF, tornou-se o emblema dessa desproporção.
À luz da gravidade dos crimes contra o Estado
Democrático de Direito, as penas atualmente previstas na legislação não são
excessivas. O Código Penal prevê de 4 a 8 anos de reclusão para o crime de
abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L) e de 4 a 12
anos para golpe de Estado (art. 359-M). O problema, portanto, está na forma
como se interpretou e aplicou a lei em alguns casos. É nesse ponto que o
projeto relatado por Paulinho da Força, até onde se sabe, é razoável. Ao propor
a revisão da dosimetria, abre-se espaço para corrigir a punição daqueles que
foram arrastados – por fanatismo, ignorância ou manipulação – para a razia
golpista, de modo a fazê-los cumprir penas proporcionais às suas condutas. São
pessoas que, embora responsáveis por seus ilícitos, não podem ser tratadas como
artífices de um golpe de Estado.
O que está em curso parece ser um acordo
político amplo entre o Congresso e o Supremo, sob a mediação do ex-presidente
Michel Temer. Essa concertação revela um certo grau de maturidade das
lideranças políticas envolvidas para lidar com os desdobramentos de um episódio
que poderia ter feito o País descambar para o arbítrio dos irresignados com o
resultado da eleição presidencial de 2022. A condenação de Bolsonaro e seus
comparsas do “núcleo crucial” da trama golpista deve permanecer viva como o
marco histórico da intolerância contra aventuras autoritárias. Ao mesmo tempo,
não pode servir de pretexto para injustiças que, ao fim e ao cabo, penalizam em
excesso os bagrinhos que serviram como massa de manobra.
Não pode haver indulgência para os grandes
responsáveis pelo maior ataque à Constituição da Nova República, a começar por
Bolsonaro. Em boa hora, Paulinho da Força já indicou que isso está fora de
cogitação. Ao que tudo indica, a defesa de uma “anistia ampla, geral e
irrestrita” tende a ficar restrita a Bolsonaro, seu partido, o PL, e seus
apoiadores cativos aqui e alhures, como o ainda deputado Eduardo Bolsonaro
(PL-SP). O Brasil precisa virar essa página. O Congresso precisa se concentrar
em uma agenda virtuosa para o País. Isso significa dar tratamento jurídico
adequado às diferentes responsabilidades pelos atos que culminaram no 8 de
Janeiro, sem ceder a pressões do bolsonarismo nem perpetuar distorções penais.
A agenda nacional não pode seguir sobrestada em razão de uma pauta que só
interessa a Bolsonaro e os radicais que o cercam.
Dos males, portanto, o menor. O “PL da
dosimetria” não anula condenações, não absolve culpados e não altera
substancialmente a lei penal. Mas permite calibrar a resposta do Estado à trama
golpista de modo mais justo, distinguindo os que atentaram contra a democracia
daqueles que, embora culpados, foram marionetes de um projeto criminoso de
poder. Para ser forte, a democracia deve punir com rigor quem a ataca. Mas
também há de ser magnânima.
A Europa entre estagnação e populismo
Por O Estado de S. Paulo
A Europa está ficando para trás em inovação,
defesa e crescimento. Como alerta Mario Draghi, a apatia dos partidos
tradicionais ante disfunções econômicas favorece distorções políticas
“Um ano depois, a Europa está em uma situação
mais difícil. Nosso modelo de crescimento está se esgotando. As vulnerabilidades
estão aumentando”, advertiu à Comissão Europeia o ex-presidente do Banco
Central Europeu Mario Draghi, um ano após apresentar seu relatório sobre a
competitividade do bloco. “Fomos lembrados, dolorosamente, de que a inação
ameaça não só nossa competitividade, mas também nossa própria soberania.” É um
alerta a um tempo econômico e político: se a Europa hesitar em enfrentar suas
deficiências estruturais, a consequência não será apenas menos crescimento, mas
o colapso do centro democrático.
Draghi prescreveu o óbvio e o difícil. O
óbvio: completar o mercado único, reduzir barreiras que ainda funcionam como
tarifas disfarçadas, desfazer-se de regulações excessivas e investir em
tecnologias críticas. O difícil: admitir que nenhum Estado nacional, isoladamente,
pode sustentar o custo dessas medidas, e que a única via para recuperar
soberania é mais integração. A alternativa é aceitar a irrelevância, enquanto
EUA e China ditam as regras da economia. “Precisamos de ação urgente para
enfrentar necessidades urgentes. Porque nossas empresas e trabalhadores já não
podem esperar.”
O problema é que, enquanto as elites
tergiversam, os eleitores se impacientam. Estagnação prolongada e serviços
públicos decadentes corroem a confiança nos partidos do establishment. Protestos na França
e Reino Unido e o avanço da extrema direita nas urnas alemãs não são acidentes
isolados. São sintomas de um mal-estar profundo: cidadãos que já não acreditam
nas respostas da política tradicional.
O vácuo é ocupado pelos populistas. Uns
prometem proteção social ilimitada; outros, nacionalismo econômico e fechamento
de fronteiras. Ambos vendem ilusões. Trata-se de uma dinâmica perversa: quanto
mais os partidos tradicionais se esquivam de reformas impopulares, mais espaço
abrem para radicais que não terão escrúpulos em corroer instituições para
acumular poder. A erosão democrática contemporânea raramente se dá por golpes,
mas por dentro, com governos eleitos minando gradualmente freios e contrapesos.
A defesa da democracia, portanto, passa também
pela defesa da competitividade. Draghi tem razão ao afirmar que prosperidade e
soberania caminham juntas. Sociedades incapazes de gerar crescimento sustentado
tornam-se vulneráveis à tentação de líderes fortes que prometem atalhos. Não é
coincidência que a frustração com a globalização, somada ao declínio
industrial, tenha alimentado tanto o trumpismo quanto os nativismos europeus.
Mas não basta crescer: é preciso mostrar
resultados tangíveis, sobretudo para os grupos que mais se sentem abandonados. Países
do sul da Europa, ao resistirem ao populismo e implementarem reformas fiscais
duras, colheram frutos políticos e econômicos. Portugal, Espanha e Grécia
voltaram a crescer mais do que a Alemanha. Esses exemplos provam que disciplina
fiscal e inovação podem caminhar juntas, desarmando discursos fáceis de
radicais.
A tentação, no entanto, é sempre
procrastinar. “Com frequência, fabricam-se desculpas para essa lentidão”, disse
Draghi. “Às vezes a inércia é até apresentada como respeito ao Estado de Direito.
Isso é complacência.” Essa complacência ameaça não apenas a competitividade,
mas a própria legitimidade da democracia europeia.
A lição vale para outras democracias
ocidentais, inclusive o Brasil. Onde reformas são postergadas, a polarização se
intensifica, e os eleitores oscilam entre extremos, cujos “remédios” só agravam
a doença. Onde há disposição de enfrentar privilégios, cortar desperdícios e
investir no futuro, a política de centro ainda pode prosperar.
O diagnóstico é claro: sem crescimento, não
há contrato social sustentável; sem instituições fortes, não há democracia
duradoura. A Europa precisa redescobrir sua capacidade de agir, e rápido.
Reformar, integrar e investir não são meras escolhas econômicas. São escolhas
existenciais para um continente que corre o risco de perder relevância externa
e estabilidade interna. Entre a estagnação e o populismo, só há uma saída:
coragem política.
A veloz mudança demográfica
Por O Estado de S. Paulo
Desaceleração do crescimento populacional e
encolhimento de capitais dão pistas do desafio
A pesquisa Estimativas da População, divulgada recentemente pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou uma acentuada
desaceleração do crescimento populacional. Em 1.º de julho deste ano, eram
213.421.037 habitantes, uma alta de apenas 0,39% em relação a 2024. E, pela
primeira vez, até capitais, como Salvador, Porto Alegre e Belo Horizonte,
registraram o encolhimento do número de seus moradores, num sinal das mudanças
demográficas em curso no País.
Dos 5.571 municípios, 2.079 (37,3%) tiveram
queda populacional; 3.011 (54,0%) ficaram com taxa entre 0 e 0,9%; e apenas 122
municípios (2,2%) cresceram 2% ou mais. Segundo o gerente de Estudos e Análises
da Dinâmica Demográfica do IBGE, Marcio Minamiguchi, os dados confirmam o que
já era indicado pelo Censo 2022 e pelas Projeções da População. Ou seja, todos
já sabem o que está acontecendo: há forte refluxo populacional sem que o Brasil
tenha aproveitado o bônus demográfico, que se observa quando a proporção da
população ativa supera a de crianças e idosos, elevando a produtividade e o
aumento da renda média.
O Brasil atingirá seu ápice populacional em
2041 e, em apenas duas décadas, a população total já começará a diminuir. Essa
queda e o envelhecimento terão consequências sobre a saúde pública, a
Previdência e a assistência social, assim como sobre a educação e a formação
para o trabalho.
O Relatório
sobre o Futuro dos Empregos 2025, do Fórum Econômico Mundial,
realizado em parceria, no Brasil, com a Fundação Dom Cabral, mostra, por
exemplo, que até 2030 serão criados 170 milhões de postos de trabalho no mundo
e outros 92 milhões serão destruídos em razão das inovações com inteligência
artificial, um saldo de 78 milhões. Mas, enquanto o mundo muda, o Brasil ainda
patina em educação, com quase um terço da população analfabeta funcional e só
23% com altas habilidades digitais, segundo o Indicador de Alfabetismo
Funcional (Inaf), da Ação Educativa.
Além disso, um estudo de Janaína Feijó,
economista e pesquisadora da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro
de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), apurou que, no ano passado,
havia 8,6 milhões de brasileiros ocupados com mais de 60 anos de idade, uma
alta de quase 70% em relação aos 5,1 milhões de 2012. Como esse fenômeno só
tende a se acentuar, serão necessárias políticas públicas eficazes a essa
crescente geração prateada.
Não menos importante, o País tem um encontro
marcado com uma reforma da Previdência. Como apontou o economista Fabio
Giambiagi no estudo A
Previdência Social no Brasil: tendências e desafios, os benefícios
crescerem a uma taxa que é quase o dobro do PIB nas últimas quatro décadas,
enquanto os efeitos da reforma de 2019 já começam a se dissipar.
Logo, investimentos em educação e qualificação profissional, reformas das fontes de custeio de serviços públicos e critérios mais rígidos para concessão de benefícios terão de ser discutidos com profundidade e seriedade pelo Executivo e Legislativo. Que as autoridades comecem a buscar o apoio da sociedade para tantas e tão graves mudanças.
Crimes da crise da covid devem ser apurados
Por Correio Braziliense
O ministro Flávio Dino acerta ao determinar
investigações sobre a condução da pandemia. O Brasil deve reconhecer que houve
escolhas políticas conscientes durante a pandemia que ampliaram a tragédia
A tragédia da covid-19 no Brasil não pode ser
tratada como mera fatalidade. O país registrou mais de 700 mil mortes ao longo
da pandemia, segundo dados oficiais do Ministério da Saúde, tornando-se uma das
nações com maior número absoluto de vítimas no mundo. Essa cifra, por si só,
evidencia a gravidade da crise sanitária e o peso das escolhas políticas no
agravamento do cenário.
O ministro Flávio Dino acerta ao determinar
investigações sobre a condução da pandemia. As apurações não se restringem a um
balanço administrativo: elas dizem respeito à responsabilização por crimes
contra a saúde pública, condutas que resultaram em perdas irreparáveis. Por
determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Federal
dará seguimento às investigações da CPMI da Covid, que havia indiciado várias
pessoas, inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro, cujas atitudes
deliberadamente hostis à ciência orientaram a resposta do governo federal ao
coronavírus.
Entre janeiro de 2021 e o início de 2022,
enquanto o Brasil acumulava centenas de milhares de novos óbitos, políticos e
autoridades sabotavam medidas básicas de contenção, como o incentivo ao uso de
máscaras e o distanciamento social, além de defenderem tratamentos ineficazes.
Ao mesmo tempo, atrasavam negociações para a compra de vacinas, travando o
processo de imunização em um país que historicamente tem uma das estruturas de
imunização mais bem estruturadas do mundo: o Programa Nacionais de Imunização
(PNI).
Esse quadro ficou mais dramático diante de
episódios como a crise em Manaus, quando a falta de oxigênio hospitalar levou
pacientes à morte por asfixia, numa cena que simboliza a incompetência e a
negligência das autoridades. A omissão governamental, somada à politização do
tema, custou milhares de vidas, que poderiam ter sido salvas com uma gestão
responsável e coordenada. Relatório do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (Pnud) divulgado ano passado sustenta que ao menos 300 mil
mortes por covid-19 poderiam ter sido evitadas no país.
A responsabilidade, portanto, não é apenas
moral, mas também jurídica. Quando um governo se torna vetor de desinformação,
desestimula a vacinação e compromete a cooperação internacional para aquisição
de insumos, coloca em risco não só a saúde coletiva, mas a própria integridade
do sistema público de saúde. O SUS, apesar de sua resiliência, não pode
enfrentar pandemias dessa magnitude sem o apoio firme das mais altas instâncias
do Executivo.
Investigar e responsabilizar é, assim, um imperativo democrático. O Brasil não pode naturalizar a perda de 700 mil vidas como se fosse parte dos "danos colaterais" de uma guerra. Pelo contrário, deve reconhecer que houve escolhas políticas conscientes que ampliaram a tragédia. Até porque isso serve de alerta: o país precisa manter a sociedade e o sistema de saúde em permanente vigilância. A covid-19 não será o último desafio sanitário global. A experiência recente deve servir como lição para reforçar a ciência, as instituições de controle, o financiamento do Sistema Único de Saúde e as políticas de equidade em saúde.
Taxa Selic deve ficar em 15% até o fim do ano
Por O Povo (CE)
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse
ter ficado "preocupado" com o patamar atual. Gleisi Hoffmann,
ministra das Relações Institucionais, considerou "incompreensível"
não haver queda na taxa de juros
Com os assuntos políticos dominando o
noticiário, passou mais ou menos despercebido o resultado da reunião do Comitê
de Política Monetária (Copom). A decisão foi manter a taxa básica de juros em
15% ao ano.
Também não se observou nenhum protesto do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva reprovando o Banco Central, o que era
comum quando Roberto Campos Neto chefiava o BC. Lula chegou a dizer que Campos
Neto era "anti-Brasil" e que Gabriel Galípolo, atual presidente do
BC, indicado por ele, iria "consertar" a taxa de juros.
Campos Neto concluiu seu mandato em dezembro
de 2024, deixando a Selic em 12,5%, isto é, 2,5 pontos percentuais a menos do
que a taxa atual, sob o comando de Galípolo. No entanto, desde que ele assumiu
a direção do Banco Central, cessaram as queixas de Lula.
A crítica do governo aos juros altos
representa a corrente dos que entendem que a Selic mais baixa estimula os
setores empresariais, favorecendo o desenvolvimento do país. Além disso, com
juros mais baixos, o custo da dívida pública se reduz, liberando recursos para
aumentar os investimentos públicos.
Na visão contrária alinham-se o mercado
financeiro e setores liberais mais conservadores, que dão prioridade ao
controle da inflação. A taxa de juros alta provoca diminuição do consumo e
torna os empréstimos mais caros, reduzindo a pressão inflacionária.
E por que o Copom manteve a taxa de juros em
15%?
O comunicado oficial do Copom explica a
manutenção da taxa em 15%, "em função da conjuntura e da política
econômica nos Estados Unidos". Ou seja, há um ambiente de incerteza, que
não garante que a inflação vá recuar para 3%, o centro da meta.
A conjuntura brasileira também foi levada em
conta pelo Copom, que viu "crescimento moderado" nos indicadores de
atividade econômica, apesar do "dinamismo" do mercado de trabalho.
"As expectativas de inflação para 2025 e 2026, apuradas pela pesquisa
Focus (boletim do BC), permanecem em valores acima da meta, situando-se em 4,8%
e 4,3%, respectivamente", registrou a nota.
A perspectiva do mercado é que a taxa de
juros comece a cair somente em 2026. Mas o BC não descarta retomar as altas se
for preciso forçar a inflação a ficar dentro da meta.
Para ter certeza sobre as intenções do Banco
Central, será preciso esperar as próximas reuniões do Copom, que serão
realizadas nos dias 4 e 5 de novembro e 9 e 10 de dezembro.
Lula não fez crítica ao presidente do Banco
Central, deixou a tarefa para seus ministros. Fernando Haddad (Fazenda), disse
que ficou "preocupado" com o patamar atual. Gleisi Hoffmann (Relações
Institucionais) considerou "incompreensível" não ter havido queda.
Eles, porém, não citaram o nome de Gabriel Galípolo.
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