segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Segundo governo Trump exigirá equilíbrio do Brasil

O Globo

País deve buscar novos canais de comunicação, explorar interesses mútuos e reduzir potenciais danos

O segundo mandato de Donald Trump, que começa nesta segunda-feira, causa ansiedade. As promessas e ameaças feitas na campanha e depois da eleição, se cumpridas à risca, têm o potencial de causar mudanças radicais. Na economia, Trump falou na imposição de tarifas de importação a China e países aliados, como México e Canadá. O compromisso de deportar 15 milhões de imigrantes talvez seja de difícil execução, mas não há dúvida de que o número de pessoas expulsas dos Estados Unidos crescerá. Nas relações exteriores, na política fiscal, na administração da máquina pública, em diferentes esferas Trump promete uma revolução. Muitas mudanças terão repercussões globais por canais como o mercado financeiro. Temperamental e com apoio do Congresso, o novo presidente promete ser sinônimo de instabilidade.

Diante desse cenário, o governo brasileiro deve buscar canais de comunicação, explorar interesses comuns e trabalhar para diminuir impactos negativos. Alimentar preconceitos ideológicos só provocará ruído. A melhor estratégia será buscar a construção de pontes onde for possível. O Brasil é um dos maiores mercados externos para uma quantidade grande de empresas americanas, inclusive belicosas plataformas digitais. É do interesse comum que essas companhias sigam investindo na expansão dos negócios.

Como sobreviver no mundo novo – Fernando Gabeira

O Globo

Alguns fatores da luta contra o aquecimento global convergem diretamente para uma pauta de resistência democrática

Para evitar compras supérfluas, resolvi consertar algumas roupas velhas. Por meio das redes sociais, consegui uma costureira que veio da Baixada Fluminense com sua máquina, trabalhou algumas horas e resolveu tudo.

Fiquei maravilhado com o fato de as redes sociais, além de terem importância comercial, abrirem fontes de renda para milhares de trabalhadores autônomos. Andei pesquisando, e alguns números indicam que cerca de 10 milhões de pessoas geram parte ou toda a sua renda nas redes. Numa pesquisa de 2023, mais de 60% das pequenas empresas brasileiras retiravam parte ou toda a sua renda de plataformas como Instagram e Facebook.

No momento, temos discutido muito o alinhamento da Meta ao governo Trump e a desmontagem de sua estrutura de checagem do material que veicula. Sem dúvida, um tema importante porque trata de questões políticas, democracia, liberdade de expressão, fake news e respeito à legislação nacional.

A Groenlândia na mira do Império – Demétrio Magnoli

O Globo

‘Não me comprometo com isso’, replicou Trump ao ser indagado se excluiria o uso da força para anexar a Groenlândia e o Canal do Panamá:

— Pode ser que tenhamos de fazer algo. O canal é vital para nosso país e precisamos da Groenlândia por razões de segurança nacional.

A declaração insere-se na “arte da negociação” do presidente que retorna, baseada em intimidações preliminares destinadas a extrair concessões. Mas é ameaça de uso da força para alterar fronteiras: um bombardeio retórico da fortaleza de regras que protege a ordem internacional do Pós-Guerra. Serve a Xi Jinping e Putin, que podem alegar o mesmo sobre Taiwan e a Ucrânia. A Dinamarca pertence à Otan. Uma invasão de seu território pela potência que lidera a aliança significaria o fim da Otan.

Preto Zezé - O clima da favela

O Globo

Populações de baixa renda têm menos recursos para se adaptar ou se recuperar de desastres

A crise climática é fato, e temos dados e pesquisas de sobra. Embora seu entendimento ainda seja algo distante, ela tem impactos severos nas favelas, tanto em termos sociais quanto ambientais.

As favelas — que surgem muitas vezes caracterizadas por urbanização desordenada e infraestrutura precária — têm sido impactadas de várias formas. Diante disso, após o G20 das Favelas, que pautou as maiores economias do planeta, caminha-se para o F30 (Favela 30), com o objetivo de tratar a questão ambiental, tão crucial para esses territórios.

Durante este período de chuvas e eventos climáticos extremos, as favelas são as mais atingidas por inundações e deslizamentos de terra. Isso ocorre devido à falta de um planejamento justo de distribuição da terra, que obriga populações a se alojarem em locais vulneráveis, como encostas ou regiões próximas a rios.

O preço do protecionismo de Donald Trump - Assis Moreira

Valor Econômico

As guerras comerciais poderão ser bem mais graves e mais custosas, no novo cenário geopolítico

Donald Trump retorna hoje à Casa Branca aumentando a incerteza em tempos já conturbados, crescimento econômico mundial lento, persistentes pressões inflacionárias, tensões geopolíticas, conflitos e guerras, mudanças climáticas e mudanças tecnológicas rápidas centradas na Inteligência Artificial e em outras tecnologias de ponta emergentes.

Com Trump 2.0, as guerras comerciais poderão ser bem mais graves, a se julgar pelo que ele ameaça implementar a partir desta semana, como o choque de tarifas – ele mencionou várias vezes alta de 10% a 20% sobre os produtos de todos os países, e de até 60% especificamente sobre produtos chineses.

O protecionismo de Trump é justificado por sua equipe para ao mesmo tempo ‘punir’ a China por políticas desleais e conter a expansão chinesa, reequilibrar a balança comercial, reindustrializar o país, reforçar a segurança nacional, financiar parte da prometida redução do imposto sobre o lucro das empresas, sem esquecer eventuais sanções sobre países que abandonarem o dolar como moeda de transações internacionais - como membros do Brics, grupo liderado pelo Brasil em 2025.

Quem poderá deter Donald Trump? - Bruno Carazza

Valor Econômico

Com Elon Musk e outros empresários na sua gestão, Trump espera transformar economia americana

Logo no início de seu mandato, Jair Bolsonaro nomeou José Salim Mattar para o recém-criado cargo de secretário Especial de Desestatização. Fundador da maior locadora de automóveis da América Latina, o empresário se dizia um defensor das ideias liberais e com o tempo se converteu num dos principais doadores de campanha do Brasil - em 2022 ele aportou R$ 2,9 milhões do próprio bolso na eleição, a maioria para candidatos de direita.

A ideia do superministro da Economia, Paulo Guedes, de trazer um empresário de sucesso para comandar a secretaria responsável pelas privatizações era superar as resistências da burocracia, imprimindo ao processo o ritmo e a eficiência próprios do setor privado. Com a venda de estatais e de imóveis da União, Guedes esperava gerar R$ 2 trilhões de caixa até o final do mandato.

Brasil entre riscos e oportunidades em um cenário de incertezas - Reginaldo Nogueira*

Correio Braziliense

Olhando para frente, há razões para otimismo moderado. O Brasil tem uma economia diversificada, um setor agrícola competitivo e um mercado consumidor significativo

O ano de 2025 começa para o Brasil em um contexto de desafios internos e pressões externas que testam a resiliência de sua economia. Com a inflação em alta, ajustes fiscais pendentes e um cenário global mais incerto, o país precisa equilibrar crescimento econômico e estabilidade financeira. Apesar das dificuldades, também há oportunidades para fortalecer as bases do desenvolvimento, caso decisões estratégicas sejam tomadas com foco no longo prazo.

No plano interno, a economia brasileira vive um momento de superaquecimento. O desemprego está em níveis historicamente baixos, enquanto a demanda cresce mais rápido do que a oferta, pressionando os preços. Nesse contexto, o Banco Central terá que tomar medidas para desacelerar o ritmo de crescimento em 2025 e 2026, com o objetivo de trazer a inflação de volta à meta de 3% ao ano. Esse ajuste será essencial para garantir a estabilidade econômica no médio prazo, ainda que possa gerar certo desconforto no curto prazo.

Entrevista |Fernando Limongi*: ‘Modelo de coalizão resiste, mas falta agenda a Lula’

Hugo Henud / O Estado de S. Paulo

Outro desafio para a governabilidade do petista é o fortalecimento do Congresso

O presidencialismo de coalizão – modelo que permite ao Executivo formar alianças com o Legislativo para garantir governabilidade – ainda demonstra eficiência, mesmo diante de desafios como fortalecimento do Congresso. A avaliação é do cientista político Fernando Limongi, autor de Democracia Negociada – obra que vê a negociação política como essencial para construir consensos em momentos de crises. O professor de Economia da FGV Leonardo Weller é coautor do livro.

“Quando o governo precisa fazer uma coalizão, ele vai fazer. Mas aí tem outro problema que é que o governo não sabe muito bem qual é sua agenda. Lula fala do passado. Mas como voltar? Não há o Bolsa Família ou o Minha Casa, Minha Vida como novidade”, disse Limongi ao Estadão.

Casamento por conveniência - Carlos Pereira

O Estado de S. Paulo

A baixa coesão partidária no Brasil é fruto da busca pela sobrevivência eleitoral

É muito comum entre eleitores brasileiros uma boa dose de frustração em relação aos partidos políticos. Muitos argumentam que os partidos não têm uma ideologia clara, não partilham de crenças comuns, nem de objetivos compartilhados. Isto é, têm baixa coesão.

No artigo “Frustrated marriage? The ideological distance of members of congress from their parties in Latin America”, os cientistas políticos João Guedes e Scott Morgenstern mostram que essa frustração não ocorre apenas entre os eleitores brasileiros, mas também é observada entre os próprios parlamentares latino-americanos.

A pesquisa deles é baseada em questionários aplicados com 1753 legisladores de 51 partidos políticos de 18 países latino-americanos entre 2010 e 2017 pelo “Observatório de Elites Parlamssentares na América Latina” (PELA).

Entrevista | Naomi Klein: ‘Trump atraiu eleitores frustrados imitando táticas da esquerda’

Walter Porto / Folha de S. Paulo

Pesquisadora argumenta que a ascensão de extremistas criou 'mundo invertido' sinistro nas lacunas do progressismo

Naomi Klein começou a ser sugada por uma crise de identidade. De início parecia só um incômodo chato, mas de repente ela se sentia sumindo no meio de um redemoinho, sem saber onde se segurar. Não se engane, estamos falando mais de política que de psicanálise.

Uma das intelectuais mais celebradas da América do Norte, a canadense era às vezes confundida com outra escritora de sucesso, Naomi Wolf. Até aí, nada anormal —as duas eram quase contemporâneas, tinham alguma semelhança física e defendiam ideias de esquerda.

Klein ficou conhecida por críticas sistêmicas ao neoliberalismo em obras como "Sem Logo" e "A Doutrina do Choque". Wolf se celebrizou por "O Mito da Beleza", um protesto contundente contra as imposições sociais ao corpo feminino.

Tudo passou a ficar bem mais estranho quando Wolf, a "outra Naomi", começou a ser rejeitada pelo campo progressista ao embasar cada vez menos suas ideias em fatos históricos e científicos, entrando numa espiral de teorias conspiratórias.

Ao ser cobrada nas redes sociais como se fosse sua homônima, Klein testemunhou de perto a metamorfose de Wolf em uma estandarte do negacionismo do clima e da pandemia. Sua contraparte virou convidada de honra no podcast "The War Room", de Steve Bannon, o estrategista-mor de Donald Trump.

Às vésperas da posse do republicano para um segundo mandato, o livro que Klein escreveu sobre sua experiência, "Doppelgänger", ilumina os métodos pelos quais o trumpismo atraiu eleitores imitando táticas da esquerda, criando um submundo de "fatos alternativos", se apresentando como mais tolerante a erros e estendendo tapete vermelho a ex-progressistas frustrados.

A autora entendeu que seu mergulho no "mundo invertido" da outra Naomi ensinava algo sobre as mudanças por que passam tantas democracias hoje, na "parte mais assustadora" de sua "jornada doppelgänger" —expressão alemã que define duas pessoas que se parecem muito.

"Não é apenas um indivíduo que pode ter um duplo sinistro; nações e culturas também os têm." O Estado incorporado pela extrema direita, segundo ela, é o "irmão gêmeo ubíquo das democracias liberais ocidentais", "versões sombrias de nosso eu coletivo".

O livro lançado há pouco no Brasil fala da sensação geral de não saber mais discernir o que é real do que não é —um sentimento difuso de desorientação, de "jet lag coletivo". Foi buscando retomar o esteio que Klein elaborou seu longo ensaio e deu essa entrevista exclusiva à Folha por videoconferência.

O Legislativo e as demandas locais - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

O Executivo também atua partidariamente nas transferências discricionárias federais aos municípios

É trivial reconhecer que as transferências do governo central para entes subnacionais são marcadas por uma lógica político-partidária. Há um conjunto de evidências empíricas considerável a respeito. Importa considerar o que há de novo em relação a estas transferências.

No passado, as transferências discricionárias federais e emendas orçamentárias beneficiaram o partido do ocupante do Poder Executivo. As transferências, inclusive, são superiores em valores às emendas. Mais importante: estão sob comando do Executivo.

Canções para um novo desafio mundial - Vagner Gomes de Souza

Dedico à gente miúda que sobrevive sem água e em busca do sorriso na comunidade de Nova Jersei, em Paciência (RJ), o nosso grito nesse artigo.

Depois do álbum “Bloco na Rua”, Ney Matogrosso, agora numa perfeita aliança vocal com Hecto, nos ensina que é necessária uma autocrítica daqueles que se consideram representantes do pensamento progressista. Só os ingênuos não compreenderiam nas 9 letras de “Canções para um Novo Mundo” um necessário manifesto contra as mazelas de um mundo em que os níveis de desigualdade social em forma espiral.

A chegada de Donald Trump no jogo mundial indica que a nova “Pax Americana” tem como propósito o aumento dos ganhos gananciosos do mundo dos negócios. A plutocracia está organizada politicamente internacionalmente enquanto as forças democráticas se deixaram envolver em pautas cada vez mais fraturadas como se fossem “ambulantes de temas sociais”.

A capacidade de selecionar e interpretar composições que nos incomodam e nos faz refletir confere ao trabalho musical de Ney Matogrosso e Hecto um peso também de reflexão intelectual que, me permitam meu saudosismo, tem maior impacto que alguns “memes”. Ouçam e se emocionem com cada música desse álbum que tem as participações de Frejat, na faixa ´Solaris´, Ana Cañas em ´O Amor Vem Antes De Tudo´ e Will Calhoun, baterista do Living Colour, na música ´Pátria Gentil´.

Poesia |Sucessão de São Pedro, de Ascenso Ferreira*

— Seu Vigário!
Está aqui esta galinha gorda
que eu trouxe pro mártir São Sebastião!

— Está falando com ele!
— Está falando com ele!

*Do livro: "Cana Caiana", José Olympio, 1939 (impresso em Recife)

Música | Canção para um novo mundo · Ney Matogrosso · Hecto

 

domingo, 19 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Centro de alertas de desastres demanda estrutura robusta

O Globo

Enquanto diferentes regiões do país sofrem com tempestades arrasadoras, Cemaden tem quadro esvaziado

É um contrassenso o esvaziamento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) num momento em que estados e municípios de diferentes regiões do país se mostram vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, traduzidas em eventos cada vez mais intensos e frequentes. Como mostrou reportagem do GLOBO, para monitorar enchentes, deslizamentos de encostas, secas e outros flagelos, o centro conta com pouco mais da metade do quadro reivindicado (tem 96 funcionários, enquanto pleiteia 180).

Dicotomia perniciosa - Merval Pereira

O Globo

Acusar um governo, qualquer governo, de querer fazer alguma coisa, por mais estapafúrdia que seja, não é ato criminoso que mobilize a máquina do estado contra o adversário

A ameaça de uso da máquina pública para perseguir os que espalharam boatos sobre taxação do Pix, especialmente o deputado Nikolas Ferreira, é mais um erro do governo na guerra de comunicação que vem perdendo para a oposição. Espalhar boatos contra os adversários sempre foi uma arma política usada nas campanhas eleitorais, e acusar o governo de querer taxar alguma coisa não pode ser considerado crime.

Pode ser golpe baixo, que reverterá contra o boateiro se respondido de maneira convincente. É diferente de atacar a honra de alguém, ou espalhar calúnias pelas redes sociais. Acusar um governo, qualquer governo, de querer fazer alguma coisa, por mais estapafúrdia que seja, não é ato criminoso que mobilize a máquina do estado contra o adversário. Já houve campanhas em que se espalhou o boato de que o adversário, caso vencesse, acabaria com a Bolsa Família, e ninguém foi preso.

Golpes sujos em campanhas políticas são deploráveis, mas fazem parte da história de qualquer democracia. O governo petista exagera na tentativa de mostrar-se o único obstáculo antes da barbárie, tendo por isso que ser apoiado necessariamente pelos democratas. É a mesma tática dos adversários, que também se anunciam como os únicos a terem condições de barrar a investida petista contra a democracia.

O petista Quaquá - Elio Gaspari

O Globo

O PT está obrigado a fingir que discute a expulsão do seu vice-presidente, Washington Quaquá, prefeito de Maricá (RJ). Ele se reuniu com familiares dos irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, acusados de serem os mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco. Um é deputado e o outro é conselheiro do Tribunal de Contas do Rio. Ambos estão presos. Quaquá defende o direito dos dois a um julgamento justo e diz não estar convencido de que sejam culpados.

Existe um PT de vitrine, e Quaquá é um petista-raiz. Entrou para o partido aos 14 anos, em 1985, e tornou-se um dos mais influentes quadros da sua política no Rio. Elegeu-se prefeito de Maricá em 2008. Reelegeu-se em 2012 e até hoje o PT governa o município. Quaquá voltou à prefeitura em 2024 com 74% dos votos.

Quando o bolsonarismo cabia num automóvel, Quaquá aproximava-se de seus simpatizantes com uma explicação capaz de defini-lo: “Só é contra quem adora teorizar a Baixada tomando chope em Ipanema.”

Maricá fica no mesmo Estado que a Baixada Fluminense, mas pertence a outro mundo. 70% da receita do município vêm de royalties do petróleo extraído em alto-mar. Em 2024 foram R$ 2 bilhões.

Com essa riqueza, Maricá foi a primeira cidade do país a instituir a Tarifa Zero nos transportes públicos. Lá foram entregues três mil casas do programa Minha Casa Minha Vida e um dos condomínios chamou-se “Carlos Marighella”. Outro ganhou o nome de um companheiro de militância da então presidente Dilma Rousseff. Em alguns deles faltavam serviços de água e esgoto.

Trump amplia incertezas para o governo Lula - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Existe uma real conexão entre a Casa Branca e o ex-presidente Bolsonaro, um fã de carteirinha do presidente dos EUA e não apenas seu aliado

O retorno de Donald Trump à Casa Branca é o prenúncio de uma era de muitas incertezas na política mundial. Líderes como Vladimir Putin (Rússia) e Benjamin Netanyahu (Israel) são audaciosos e duros, porém previsíveis. O novo presidente dos Estados Unidos, que tomará posse nesta segunda-feira (20), é imprevisível. Trump é visto como uma ameaça à democracia por grande parcela da opinião pública mundial e divide profundamente a sociedade norte-americana.

Para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, essa é uma externalidade muito negativa. Existe uma real conexão entre a Casa Branca e o ex-presidente Jair Bolsonaro, que se comporta como fã de carteirinha de Trump e não apenas como aliado. A mídia norte-americanos tem destacado as relações da direita norte-americana com Bolsonaro, sobretudo da Califórnia.

A volta de Trump à Casa Branca é um alento para o ex-presidente brasileiro, impedido de disputar eleições por oito anos, porém, com sua base eleitoral ainda robusta. Essa relação é analisada no longo artigo intitulado “Uma história de dois caudilhos”, de Omar G. Encarnación e Charles Flint Kellog, acadêmicos norte-americanos, publicado pela Foreign Affairs, influente revista sobre a política externa dos EUA. Investigado por tentativa de golpe de estado, Bolsonaro foi impedidor de ir a posse do aliado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Dorrit Harazim - O fim de um mundo

O Globo

A chacoalhada geral que se inicia amanhã encontra terreno fértil neste que já foi batizado de ‘século antissocial’

'Estou morrendo. O que peço é que me deixem em paz. Meu ciclo já terminou’, pediu em entrevista ao jornal Búsqueda José “Pepe” Mujica nos primeiros dias de 2025. Dono de uma trajetória que só não comove quem desconhece o significado de pertencer à espécie humana, o uruguaio Mujica sabe estar doente e cansado. Pediu repouso tendo chegado aos 89 anos como fortaleza moral e cívica de um mundo em extinção. E iniciou o merecido retiro poucos dias depois que outra figura de coerência rara — o ex-presidente americano Jimmy Carter — morrera aos 100 anos para só então receber o reconhecimento culposo que lhe fora negado na Casa Branca.

É com esse pano de fundo que assistiremos, amanhã, à volta ao poder de Donald Trump como 47º presidente dos Estados Unidos. Oportuno momento para relembrar um histórico comentário de 111 anos atrás, feito por Sir Edward Grey, à época chanceler do então ainda portentoso Império Britânico. Encostado à janela do palacete que abrigava seu gabinete, profetizou:

— As luzes estão se apagando por toda a Europa. Não voltaremos a vê-las acesas em nosso tempo.

Poucas horas depois, duas divisões do Exército alemão esmagavam a fronteira da Bélgica, dando início à Grande Guerra de 1914-1918, que engoliu cerca de 21,5 milhões de vidas (entre civis e militares). Grey sempre argumentara que a neutralidade não era uma opção viável diante do expansionismo alemão.

Gelo em Washington - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Posse de Trump com -12 graus, relações geladas com Lula e Brasil numa ‘escolha de Sofia’

Quem assume a presidência dos Estados Unidos amanhã não é uma pessoa, um líder, Donald Trump, mas um projeto de poder internacional em aliança com os líderes emergentes da direita em todos os continentes, massificado mundo afora pelas principais plataformas da internet e com o uso de aumento de tarifas como chantagem para reduzir a resistência e aumentar a adesão.

Essa é a percepção de quem acompanha de perto a política externa e tem foco na ainda maior potência política, econômica e bélica. Aliás, é justamente pelo temor, ou constatação, de que esse poder não dura para sempre e está cada vez ameaçado, sobretudo pela China, que Donald Trump traçou sua estratégia na geopolítica internacional. Sua ação pode ser vista tanto como ataque quanto como defesa.

Apesar das críticas, da impopularidade e da derrota dos democratas, Joe Biden deixa a presidência com um crescimento maior do que o previsto, a inflação dentro da meta e o menor desemprego em décadas, enquanto a China, apesar de manter altos índices de desenvolvimento, surpreendeu para menos. Mas a guerra não está nos números.

A nova doutrina de Trump - Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

Biden não foi tão assertivo quanto Trump perante Israel, que depende da ajuda militar dos EUA

O acordo entre Israel e Hamas é o primeiro êxito da política externa de Donald Trump, antes mesmo de tomar posse amanhã. Suas credenciais pró-Israel, o fato de não ter mais eleição a disputar e a abordagem transacional ajudaram. Dificilmente isso poderá ser replicado com Ucrânia e Taiwan.

Trump designou o empresário do ramo imobiliário Steve Witkoff como enviado ao Oriente Médio. Judeu, sem experiência diplomática, foi uma escolha improvável, ao estilo Trump. Witkoff vendeu um hotel em Manhattan para o fundo soberano do Catar, que exerce papel-chave nas negociações.

Wittkoff chegou com uma mensagem dura de Trump: o presidente eleito não desejava ter de se ocupar disso nos primeiros dias de seu governo. A expressão “o preço vai ser o inferno”, caso não chegassem a um acordo antes de sua posse, teve impacto sobre o premiê Binyamin Netanyahu, exatamente por sua imprecisão.

Um cão que ataca sempre - Celso Ming

O Estado de S. Paulo

A partir desta segunda-feira veremos o quanto morde esse cão que late grosso. Será o dia da posse do novo presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, este seguidor do estrategista político da extrema direita (all-right) Steve Bannon, que mandou “atacar sempre”.

Atacar sempre é o que Trump não deixa de fazer, com o objetivo declarado de pôr em prática o lema do aviador Charles Lindbergh, evocado em 1941: “America first”, a América em primeiro lugar.

É postura que implica escolha permanente do inimigo a combater. E o principal é a China, e não mais a extinta União Soviética ou a nova Rússia comandada por Vladimir Putin, hoje tido mais como aliado do que como antagonista.

O que Lula deve esperar do Congresso – Raphael Di Cunto

Folha de S. Paulo

Mudanças no Senado e na Câmara causarão dores de cabeça ao presidente

A eleição do novo comando do Congresso marcará uma nova fase do governo Lula (PT). Há quem aposte que as dores de cabeça com o Senado farão os petistas lembrarem, saudosos, dos tempos de desavença com Arthur Lira.

Apesar do jeito zombeteiro, Davi Alcolumbre (União-AP) é considerado duro de negociar e com apetite por cargos —do funcionário que serve o café ao presidente de estatal. É famoso por entrar "em modo avião", inacessível por telefone, quando não quer falar com alguém. Não importa se é um colega senador, um ministro ou o chefe de outro Poder.

Nikolas e o Pix - Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Bolsonaristas mentem que Haddad imitaria o ministro da Fazenda de Bolsonaro

Desde o início do governo Lula os bolsonaristas mentem que Haddad imitaria o ministro da Fazenda de Bolsonaro: tentaria taxar o Pix. O vídeo em que Paulo Guedes defende taxar o Pix está na internet, e é verdadeiro. O vídeo em que Haddad defende taxar o Pix também está na internet, mas é uma falsificação feita com inteligência artificial.

Por isso, qualquer medida que o governo tomasse referente ao Pix deveria ter sido adotada com extremo cuidado e acompanhada de uma campanha maciça de esclarecimento.

Não foi. A máquina de desinformação bolsonarista chutou contra gol aberto.

O grande vencedor da semana foi o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), cujo vídeo contrário ao monitoramento bateu todos os recordes de audiência.

Show de Trump, fogo no circo - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Com apoio da elite e se não criar revolta popular, governo pode criar ordem mundial sinistra

O show de Donald Trump recomeça. Mais importante do que ver os truques é saber se o show e suas consequências terão o apoio ou a tolerância de partes relevantes do establishment americano; se não vão diminuir o prestígio popular de Trump.

Caso tenham apoio suficiente, se pergunta 1) Trump fará uma "Presidência transformadora"? 2) ou será versão circense e anárquica das correntes mais profundas, de mudanças paulatinas, que persistem tanto sob democratas quanto republicanos?

A presidência de Franklin Roosevelt, de 1933 a 1945, foi transformadora, no juízo dos americanos. Inventou a intervenção ampla do governo na economia, direitos sociais e a administração imperial (americana) da economia e da política mundiais. A de Ronald Reagan (1981-1988) também. No que Trump poderia ser transformador?

Por que nunca revi 'O Homem Elefante' - Marcos Lisboa

Folha de S. Paulo

David Lynch teve sucessos e fracassos memoráveis

Nunca revi "O Homem Elefante", de David Lynch.

Em parte, por covardia. O filme arrasou-me o sono na adolescência. O drama do homem com cabeça descomunal; seu cérebro disforme por imensos coágulos. A pessoa doce e sofrida, que fora transformada em atração de circo.

O tratamento em um hospital, com o cuidado de um médico personificado impecavelmente por Anthony Hopkins. O ator demoraria anos para ser reconhecido como estupendo artesão, comedido em "Vestígios do Dia" e "Terra das Sombras", ou atrozmente sedutor em "Silêncio dos Inocentes".

No filme "O Homem Elefante", contudo, dominava o drama do protagonista. Ele não podia se deitar e dormir em razão do risco de arrebentar seus coágulos. O repouso apenas podia chegar com a aceitação da morte.

Entrevista com o ministro Haddad - Samuel Pessôa

Folha de S. Paulo

Trajetória insustentável da economia explica juros muitos maiores do que se imaginava

Na sexta-feira passada o ministro Fernando Haddad concedeu longa entrevista para a CNN.

O ministro foi bem. Teve muita paciência e respondeu a todas as questões em longos 70 minutos de entrevista.

Defendeu muito bem a agenda de reformas da Receita: a reforma dos impostos indiretos, cuja legislação complementar foi sancionada pelo presidente na quinta-feira (16) passada. Defendeu também as diversas medidas de combate ao planejamento tributário e a reforma do Imposto de Renda, que será enviada ainda no primeiro semestre ao Congresso.

A cidade acorrentada por facções - Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Na prática, traficantes, milicianos e Estado compartilham os protocolos sobre quem deve morrer e viver

Décadas atrás, exposta numa galeria como escultura, havia uma corrente de metal fixada a um tronco por fibras. Essa ideia de uma corrente aprisionada nos retorna agora na notícia alarmante de uma penitenciária em vias de ser encarcerada por uma teia urbanística. Trata-se nada menos de um complexo com 25 unidades penais (hospitais, institutos e penitenciárias), localizado na zona oeste do Rio. O singular aprisionamento consiste no cerco da penitenciária por uma rede de moradias destinada a controlar, por proximidade e recursos eletrônicos, o cotidiano dos detentos.

Pecados da colonização - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro explica nova apresentação do antissemitismo como o resultado de uma leitura moralista do processo de formação de Estados

Como sempre ocorre quando o João Pereira Coutinho elogia um livro, corri para adquiri-lo e lê-lo. Não foi diferente com "On Settler Colonialism" (sobre o colonialismo de assentamento), de Adam Kirsch. O livro é bom.

Confesso que não conhecia essa moda ideológica universitária. Se seus proponentes se limitassem a reconhecer que várias nações foram forjadas a partir de um processo de colonização que resultou na subjugação ou eliminação de populações que já viviam naquelas áreas, eu seria o primeiro a subscrevê-la. Não dá para negar a história.

Poesia | Catar Feijão, de João Cabral de Melo Neto

 

Música | Alceu Valença - Tropicana

 

sábado, 18 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Acordo no Oriente Médio é esperança de fim da guerra

O Globo

Cessar-fogo negociado por Biden e Trump interromperá o conflito mais letal entre israelenses e palestinos

O acordo de cessar-fogo entre Israel e Hamas começará a valer a partir de domingo depois de ser aprovado pelo gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Não será o fim da guerra na Faixa de Gaza, mas deve ser saudado por ser o primeiro passo para encerrar o conflito mais letal entre israelenses e palestinos.

O documento prevê mais de uma fase. Na primeira, que deve durar seis semanas, tropas israelenses serão retiradas de áreas densamente ocupadas antes do início da guerra, palestinos poderão voltar para o norte da Faixa de Gaza, 600 caminhões com ajuda humanitária passarão a entrar na região diariamente e 33 reféns israelenses e mais de mil palestinos presos em Israel serão libertados.

Se não houver retrocesso no cumprimento de metas, em fevereiro começará a negociação da segunda fase, a mais difícil. Entre os pontos a ser tratados estão uma nova troca de reféns israelenses por palestinos presos, a retirada total das tropas e um cessar-fogo permanente.

Esquerda quer ganhar no tapetão – Pablo Ortellado

O Globo

A repercussão do ato normativo da Receita Federal que determinava o monitoramento das transações com o Pix foi uma vitória maiúscula da oposição sobre o governo Lula. A medida começou a se disseminar empacotada no rumor de que o Pix passaria a ser taxado. Quando parecia que o rumor estava sendo desmentido, num esforço conjunto do governo com a imprensa, um vídeo do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), que atingiu a estonteante marca de 300 milhões de visualizações, deu o golpe fatal na medida. Inconformada com a derrota política, parte da esquerda passou a alegar que o vídeo do deputado era “fake news” e que ele deveria ser punido, até com a cassação. A reação da esquerda, deslocando o debate do âmbito da política para o âmbito jurídico, merece uma reflexão.

Falta confiança no governo – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Há uma crise econômica no país, como se percebe nos indicadores. Isso não será resolvido com a ‘comunicação

Não é só o presidente Lula. Todo o seu governo parte da premissa de que faz uma boa gestão, apresenta resultados positivos e melhora a vida dos brasileiros. E se é assim, todos aqueles que discordam e criticam só podem estar ou enganados ou agindo de má-fé.

Para aqueles do primeiro grupo, os equivocados, o governo contrata um marqueteiro para explicar tudo direitinho. Para o pessoal da segunda turma, os de má-fé, pede-se investigação da Polícia Federal.

Em resumo, ou é problema de comunicação ou ação de criminosos. Sem autocrítica, nem reconhecimento de erros.

O recente caso do Pix apresentou vários exemplos dessas vertentes. Mas há também, e seguramente mais importante, um outro tema que cai naquela premissa: o estado das contas públicas. Para o Ministério da Fazenda, está tudo em ordem. O arcabouço fiscal funciona, e a dívida pública está controlada.

Nem anistia nem clemência - Rodrigo Zeidan

Folha de S. Paulo

Trama golpista se decide na Justiça; e ponto final

Quando bolsonaristas pedem por anistia sobre a tentativa de golpe de Estado, qual a ameaça implícita? Não existe negociação por anistia sem a parte que a solicita tendo alguma carta na manga.

Vimos isso na anistia contra os crimes cometidos pelos governos militares brasileiros. Ela era requisito para acelerar a transferência de poder para instituições democráticas. A ameaça era clara: sem anistia, os militares não largariam o poder. Se era verdade ou não, preferimos não pagar para ver.

Essa é uma questão complexa. Quando ditadores negociam falta de responsabilização para deixar o poder, as vítimas se sentem desamparadas. Além disso, a mera possibilidade de um acordo posterior pode incentivar que golpistas e ditadores se comportem de forma mais extrema.

Existe uma longa lista de artigos científicos sobre condições para que impunidade retroativa gere a estabilidade esperada pelo processo.

Governo é uma mãe para oposição – Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Por que a fala de Nikolas mereceu mais confiança que a palavra de Lula?

A mentira danosa, fruto da má-fé, existe desde sempre como bem soube o PT quando a aplicou contra a então candidata à Presidência Marina Silva (Rede) na campanha de 2014, acusando a hoje ministra do Meio Ambiente de se aliar a banqueiros para tirar comida do prato dos brasileiros.

Lula também estava consciente da força de um boato ao pespegar no governo do antecessor o dístico da "herança maldita".

Portanto, por mais condenável que seja o jogo sujo, não se pode dizer que a cigana o enganou sobre a contingência de se ver às voltas com uma oposição feroz e sem freio moral.

Com guarda armada, Paes vira o xerife Woody - Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Candidato ao Palácio Guanabara, prefeito do Rio contradita planos de Lula para segurança

Eduardo Paes não esconde o orgulho de ter sido eleito quatro vezes prefeito do Rio, superando o padrinho Cesar Maia. Brincou no discurso de posse: "Primeiramente, tetra!". Mas indica que não ficará até o fim do mandato, desvinculando-se para concorrer ao governo estadual daqui a dois anos. É um sonho antigo, alimentado desde 2006, quando tentou o Palácio Guanabara e recebeu pouco mais de 5% dos votos. Em 2018 a derrota mais dolorosa: depois de liderar as pesquisas durante a campanha, perdeu a disputa para Wilson Witzel na reta final.

Paes deu uma lavada no candidato bolsonarista, Alexandre Ramagem. Elegeu-se no primeiro turno, atraiu lideranças evangélicas e soube jogar no terreno preferido da extrema direita, a segurança pública. Quer repetir a dose, impedindo que Cláudio Castro faça o seu sucessor.