domingo, 19 de janeiro de 2025

A nova doutrina de Trump - Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

Biden não foi tão assertivo quanto Trump perante Israel, que depende da ajuda militar dos EUA

O acordo entre Israel e Hamas é o primeiro êxito da política externa de Donald Trump, antes mesmo de tomar posse amanhã. Suas credenciais pró-Israel, o fato de não ter mais eleição a disputar e a abordagem transacional ajudaram. Dificilmente isso poderá ser replicado com Ucrânia e Taiwan.

Trump designou o empresário do ramo imobiliário Steve Witkoff como enviado ao Oriente Médio. Judeu, sem experiência diplomática, foi uma escolha improvável, ao estilo Trump. Witkoff vendeu um hotel em Manhattan para o fundo soberano do Catar, que exerce papel-chave nas negociações.

Wittkoff chegou com uma mensagem dura de Trump: o presidente eleito não desejava ter de se ocupar disso nos primeiros dias de seu governo. A expressão “o preço vai ser o inferno”, caso não chegassem a um acordo antes de sua posse, teve impacto sobre o premiê Binyamin Netanyahu, exatamente por sua imprecisão.

Ao longo das negociações, em Viena e Doha, Wittkoff deixou claro para David Barnea, chefe do Mossad, serviço secreto israelense, que seu país arriscava perder o apoio de Trump se não colaborasse. O Hamas já havia aceitado. Inicialmente, Wittkoff enviou suas mensagens por meio dos participantes diretos das negociações, incluindo o enviado de Biden, Brett McGurk. Com o progresso, McGurk concluiu que seria mais produtivo o seu sucessor sentar-se à mesa.

De fato foi. A linguagem sem rodeios do empresário amigo de Trump, de que haveria consequências nefastas para os responsáveis pelo fracasso, facilitou o entendimento. Biden não foi tão assertivo quanto Trump perante Israel, que depende das armas dos EUA para se defender do Irã e dos grupos por ele patrocinado na Palestina, Líbano, Síria, Iraque e Iêmen.

DEFESA. Biden sempre se definiu como “o maior sionista não judeu” da política americana. O receio do impacto eleitoral negativo de ser visto “abandonando Israel” o constrangeu a adotar atitude cautelosa – e contraproducente. No primeiro mandato, Trump brindou Israel com apoio incondicional, depois de uma campanha na qual acusou Barack Obama de ter “traído” Israel ao firmar o acordo nuclear com o Irã. Na política, as credenciais são um fator contraintuitivo: elas dão liberdade para um líder agir de forma contrária àquela sugerida por seu histórico.

Ucrânia e Taiwan também dependem militarmente dos EUA, mas são vítimas. As agressoras são Rússia e China, potências nucleares. A única forma de contê-las é garantir a defesa de Ucrânia e Taiwan, o que Trump se recusa a fazer.

 

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