Folha de S. Paulo
Livro explica nova apresentação do
antissemitismo como o resultado de uma leitura moralista do processo de
formação de Estados
Como sempre ocorre quando o João Pereira
Coutinho elogia
um livro, corri para adquiri-lo e lê-lo. Não foi diferente com "On
Settler Colonialism" (sobre o colonialismo de assentamento), de Adam
Kirsch. O livro é bom.
Confesso que não conhecia essa moda ideológica universitária. Se seus proponentes se limitassem a reconhecer que várias nações foram forjadas a partir de um processo de colonização que resultou na subjugação ou eliminação de populações que já viviam naquelas áreas, eu seria o primeiro a subscrevê-la. Não dá para negar a história.
Os adeptos dessa escola interpretativa,
porém, vão mais longe. Para eles, o processo de formação dessas nações carrega
uma mácula que só seria sanada com a devolução das terras aos povos originários
e a retirada dos invasores. E isso beira o delírio. Dos mais de 300 milhões de
norte-americanos, menos de 3% descendem dos indígenas. Algo parecido vale para
Brasil, Austrália etc.
Na congestionada Eurásia, a coisa fica pior.
Lembro o caso da Crimeia. De 700 a.C. para cá, a península foi controlada por
cimérios, búlgaros, gregos, citas, romanos, godos, hunos, cazares, bizantinos,
venezianos, genoveses, kipchaks, otomanos, tártaros, mongóis, russos, alemães e
ucranianos. Pode ser desafiador distinguir invasores de invadidos. O
colonizador de ontem tende a ser a vítima da invasão subsequente.
O propósito de Kirsch ao escrever a obra é
explicar a mais recente transfiguração do antissemitismo, que ganha adeptos nas
universidades. Seria legítimo lançar os judeus ao mar porque eles seriam os
novos colonizadores, que roubaram a terra da população palestina originária.
Não é um raciocínio que passe no teste da
historiografia. Não se trata por óbvio de negar que Israel comete
crimes contra os palestinos. Eles se dão à vista de todos. Mas não dá para
esquecer que, em algum momento da história, os judeus foram a população
invadida daquela região. E houve outro momento em que os palestinos apareceram
ali como invasores, desalojando algum outro povo.
Essa é mais ou menos a história de todas as
nações.
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