O Globo
O PT está obrigado a fingir que discute a
expulsão do seu vice-presidente, Washington Quaquá, prefeito de Maricá (RJ).
Ele se reuniu com familiares dos irmãos Chiquinho e Domingos Brazão, acusados
de serem os mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco. Um é
deputado e o outro é conselheiro do Tribunal de Contas do Rio. Ambos estão
presos. Quaquá defende o direito dos dois a um julgamento justo e diz não estar
convencido de que sejam culpados.
Existe um PT de vitrine, e Quaquá é um
petista-raiz. Entrou para o partido aos 14 anos, em 1985, e tornou-se um dos
mais influentes quadros da sua política no Rio. Elegeu-se prefeito de Maricá em
2008. Reelegeu-se em 2012 e até hoje o PT governa o município. Quaquá voltou à
prefeitura em 2024 com 74% dos votos.
Quando o bolsonarismo cabia num automóvel,
Quaquá aproximava-se de seus simpatizantes com uma explicação capaz de
defini-lo: “Só é contra quem adora teorizar a Baixada tomando chope em
Ipanema.”
Maricá fica no mesmo Estado que a Baixada
Fluminense, mas pertence a outro mundo. 70% da receita do município vêm de
royalties do petróleo extraído em alto-mar. Em 2024 foram R$ 2 bilhões.
Com essa riqueza, Maricá foi a primeira cidade do país a instituir a Tarifa Zero nos transportes públicos. Lá foram entregues três mil casas do programa Minha Casa Minha Vida e um dos condomínios chamou-se “Carlos Marighella”. Outro ganhou o nome de um companheiro de militância da então presidente Dilma Rousseff. Em alguns deles faltavam serviços de água e esgoto.
De volta à prefeitura, Quaquá quer
transformar Maricá na Cidade das Utopias. Além de obras viárias, promete
instalar três teleféricos e criar a “maior piscina natural do mundo” num
município que tem 46 quilômetros de praias. A obra prevê um quebra-mar de
rochas com quatro quilômetros de extensão. Quaquá quer também trazer uma
fábrica de aviões e instalar uma base de lançamento de foguetes no município.
Fora da utopia paroquial, Quaquá é um fiel
companheiro de Lula. Em 2015, ele avisava: “Agrediu, devolvemos dando porrada”.
Anos depois, na Câmara, esbofeteou o deputado Messias Donato e insultou Nikolas
Ferreira. “Eles estavam xingando o Lula”, explicou.
Lurian, a única filha do presidente, foi
contratada para o gabinete da deputada estadual Rosangela Zeidan, ex-mulher de
Quaquá. Diego, filho do casal, foi vice-prefeito de Maricá e tornou-se
secretário de Desenvolvimento Econômico Solidário do município do Rio.
Maricá tem uma estátua de Che Guevara, e
Quaquá já gastou R$ 2 milhões contratando serviços de segurança privados.
Suas causas nem sempre são as do PT de
vitrine. Ele defendeu o apoio a Arthur Lira na disputa à presidência da Câmara
Federal em 2021 e nunca simpatizou com a candidatura de Guilherme Boulos à
prefeitura de São Paulo. Quando ele foi batido com uma diferença de um milhão
de votos, Quaquá comentou o resultado: “Crônica de uma morte anunciada”.
O PT de vitrine continuará fingindo que
discute a expulsão de Quaquá. Mas ele continuará firme e forte dando cartas no
Rio, alisando bolsonaristas, prometendo uma base de lançamento de foguetes e
administrando sua receita de royalties por uma atividade industrial que se dá a
quilômetros de Maricá.
Brasília produz delírios e micos
Numa mesma semana o governo pagou dois micos,
ambos produzidos por uma espécie de autossuficiência que acomete poderosos de
Brasília.
Um foi a barulheira em torno do Pix.
Atribuíram-no a um erro de comunicação. Algum poderoso quis que o governo
pudesse xeretar as transações de alto valor. A ideia não era má, porém seria um
mau sinal. Hoje, grandes transações, amanhã...
O outro mico foi a desidratação da PEC da
Segurança Pública. Nesse caso, a ideia era má e disfarçava um desejo do
comissariado petista.
Venderam ao ministro Ricardo Lewandowski a
proposta de criação de uma Polícia Ostensiva Federal, expandindo as atribuições
da existente Polícia Rodoviária Federal.
A POF era uma reciclagem da ideia de criação
de uma Guarda Nacional, surgida nos dias seguintes ao 8 de Janeiro. Essa força
foi detonada pelos comandantes militares. Pudera. O fortalecimento da Guarda
Nacional foi a espoleta do golpe militar de 15 de novembro de 1889, com a
proclamação da República e o banimento da família imperial.
Na essência, tratava-se de criar uma “polícia
nossa”. O precedente vinha do governo de Jair Bolsonaro, quando a PRF era
conhecida como Polícia Rodoviária do Flávio, numa referência ao senador, filho
do presidente. A PR do Flávio tentou melar o segundo turno da eleição de 2022 e
seu diretor acabou na cadeia.
A POF foi desidratada, e a Polícia Rodoviária
passará a se chamar Viária, com mais alcance, mas sem os poderes que lhe dava o
projeto.
Só a onipotência de poderosos de Brasília
seria capaz de imaginar que uma POF fosse engolida pelos governadores e pelo
Congresso.
Mau agouro
Num setor amaldiçoado — porque desde que o
Pai da Aviação decolou em Paris, todas as grandes companhias aéreas brasileiras
foram à garra —, deu-se ao resultado da fusão da Gol com a Azul o título de
“campeã nacional”.
Isso é chamar urucubaca.
Aviso amigo
Se o novo ministro Sidônio Palmeira, da
Secom, não quiser ir para a frigideira pública, conseguirá de Lula algum poder
sobre a farândula de eventos que o governo patrocina.
O repórter André Shalders mostrou que a Viúva
gastou R$ 83,4 milhões em torno da reunião do G20 realizada no Rio.
A Itaipu Binacional desembolsou mais de R$ 15
milhões.
Ganha uma viagem espacial quem souber o que
Itaipu tem a ver com uma reunião do G20.
Bandidos e polícias
Nos últimos anos, Rio e São Paulo tiveram
duas execuções retumbantes. A da vereadora Marielle Franco, em 2018, e a de
Vinícius Gritzbach, no aeroporto de Guarulhos, em novembro passado.
Cerca de 20 pessoas estão presas por algum
tipo de envolvimento nesses atentados.
A lista tem uma curiosidade: nela faltam
bandidos com dedicação exclusiva ao crime e abundam policiais ou ex-policiais.
O matador de Marielle e seu motorista eram
ex-sargentos da Polícia Militar do Rio.
No caso de Gritzbach, a promiscuidade foi
maior. Um PM da ativa é suspeito de ter feito os disparos. Outros 14 faziam
bicos ilegais (e tolerados) nas escoltas do empresário, que tinha negócios com
o PCC e colaborava com o Ministério Público. Nesse lote, ao menos cinco PMs
estiveram na tropa de elite da corporação. (O matador de Marielle havia servido
numa unidade semelhante, no Rio.)
Se os bandidos tivessem um sindicato fariam
um protesto, denunciando esses policiais por concorrência desleal e exercício
ilegal da atividade.
Em tempo: os mandantes da morte de Marielle
seriam os irmãos Brazão, gente do andar de cima.
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