sábado, 18 de janeiro de 2025

Falta confiança no governo – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Há uma crise econômica no país, como se percebe nos indicadores. Isso não será resolvido com a ‘comunicação

Não é só o presidente Lula. Todo o seu governo parte da premissa de que faz uma boa gestão, apresenta resultados positivos e melhora a vida dos brasileiros. E se é assim, todos aqueles que discordam e criticam só podem estar ou enganados ou agindo de má-fé.

Para aqueles do primeiro grupo, os equivocados, o governo contrata um marqueteiro para explicar tudo direitinho. Para o pessoal da segunda turma, os de má-fé, pede-se investigação da Polícia Federal.

Em resumo, ou é problema de comunicação ou ação de criminosos. Sem autocrítica, nem reconhecimento de erros.

O recente caso do Pix apresentou vários exemplos dessas vertentes. Mas há também, e seguramente mais importante, um outro tema que cai naquela premissa: o estado das contas públicas. Para o Ministério da Fazenda, está tudo em ordem. O arcabouço fiscal funciona, e a dívida pública está controlada.

Já para a ampla maioria de economistas, consultorias, departamentos de análises das instituições financeiras e da mídia independente, o país enfrenta uma grave crise fiscal, com um crescimento perigoso da dívida.

Estariam todos mal-informados?

Mas comecemos pelo caso do Pix. Houve a flagrante disseminação de uma fake news, a de que uma resolução da Receita Federal —baixada com o objetivo de aumentar a fiscalização sobre os pagamentos instantâneos — incluía um imposto sobre as transações via Pix.

Seria a volta do antigo “imposto do cheque”, como era então conhecida a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Fake total — tal imposto só poderia ser criado pelo Congresso Nacional.

Mas a questão é outra. Por que as pessoas não acreditaram na versão do governo? Lula foi às redes fazer uma doação on-line para o Corinthians, via Pix. A mídia repercutiu. E, mesmo assim, as redes foram dominadas pela narrativa de que o governo estava procurando maneiras de aplicar novos impostos.

Não pode ser apenas um problema de má comunicação. Na verdade, o episódio revela falta de confiança na comunicação oficial.

Há precedentes. Todo mundo sabe — ou sente no bolso — que o governo está tentando fechar suas contas com o aumento de arrecadação em vez do corte de despesas. Atenção: o último pacote não corta gastos, apenas reduz o seu ritmo de crescimento.

Se o governo precisa de mais impostos e se aumentou a fiscalização sobre o Pix — aí tem coisa, tal foi a interpretação disseminada.

O Brasil tem mais de 40 milhões de trabalhadores informais, divididos entre os empregados sem carteira (14,4 milhões) e os que trabalham por conta própria (26 milhões). Todos com um celular na mão e uma chave Pix.

Incluem-se aí: diaristas, eletricistas, pedreiros, encanadores, motoqueiros, motoristas de aplicativos, camelôs, vendedores de rua, mecânicos, feirantes.

E a grande maioria não recolhe o Imposto de Renda. A Receita Federal informou que a ampliação da fiscalização sobre os pagamentos instantâneos visava aos grandes sonegadores e suas operações de lavagem de dinheiro.

Ok, mas, como a norma determinava que as instituições financeiras deveriam reportar transações a partir de R$ 5 mil por mês, os pequenos desconfiaram. A questão, portanto, não era o imposto sobre o Pix, mas o IR.

Digamos que a intenção da Receita fosse mesmo fazer vista grossa para os pequenos. Mas claramente não conseguiu explicar isso para um público que tende a ser hostil em relação ao governo.

Claro que houve um problema de comunicação, mas a origem disso está na falta de confiança no governo de parte importante da população.

Trata-se de uma questão política central, ainda mais quando se verifica que essa falta de confiança se estende ao Congresso e ao Judiciário. Não é chamando um marqueteiro, por mais competente que seja, que isso será resolvido.

Há uma crise econômica no país, como se percebe nos indicadores dólar caro, juros altos, inflação e dívida pública subindo. Isso não será resolvido com a “comunicação” do governo dizendo que dólar e juros são fruto de especulação criminosa e que inflação e juros subiram apenas levemente.

Ou seja, o governo não é isso tudo que acredita ser.

 

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