O Globo
Há uma crise econômica no país, como se
percebe nos indicadores. Isso não será resolvido com a ‘comunicação’
Não é só o presidente Lula.
Todo o seu governo parte da premissa de que faz uma boa gestão, apresenta
resultados positivos e melhora a vida dos brasileiros. E se é assim, todos
aqueles que discordam e criticam só podem estar ou enganados ou agindo de
má-fé.
Para aqueles do primeiro grupo, os
equivocados, o governo contrata um marqueteiro para explicar tudo direitinho.
Para o pessoal da segunda turma, os de má-fé, pede-se investigação da Polícia
Federal.
Em resumo, ou é problema de comunicação ou
ação de criminosos. Sem autocrítica, nem reconhecimento de erros.
O recente caso do Pix apresentou vários exemplos dessas vertentes. Mas há também, e seguramente mais importante, um outro tema que cai naquela premissa: o estado das contas públicas. Para o Ministério da Fazenda, está tudo em ordem. O arcabouço fiscal funciona, e a dívida pública está controlada.
Já para a ampla maioria de economistas,
consultorias, departamentos de análises das instituições financeiras e da mídia
independente, o país enfrenta uma grave crise fiscal, com um crescimento
perigoso da dívida.
Estariam todos mal-informados?
Mas comecemos pelo caso do Pix. Houve a
flagrante disseminação de uma fake news, a de que uma resolução da Receita
Federal —baixada com o objetivo de aumentar a fiscalização sobre os
pagamentos instantâneos — incluía um imposto sobre as transações via Pix.
Seria a volta do antigo “imposto do cheque”,
como era então conhecida a Contribuição Provisória sobre Movimentação
Financeira (CPMF). Fake total — tal imposto só poderia ser criado pelo
Congresso Nacional.
Mas a questão é outra. Por que as pessoas não
acreditaram na versão do governo? Lula foi às redes fazer uma doação on-line
para o Corinthians,
via Pix. A mídia repercutiu. E, mesmo assim, as redes foram dominadas pela
narrativa de que o governo estava procurando maneiras de aplicar novos
impostos.
Não pode ser apenas um problema de má
comunicação. Na verdade, o episódio revela falta de confiança na comunicação
oficial.
Há precedentes. Todo mundo sabe — ou sente no
bolso — que o governo está tentando fechar suas contas com o aumento de
arrecadação em vez do corte de despesas. Atenção: o último pacote não corta
gastos, apenas reduz o seu ritmo de crescimento.
Se o governo precisa de mais impostos e se
aumentou a fiscalização sobre o Pix — aí tem coisa, tal foi a interpretação
disseminada.
O Brasil tem mais de 40 milhões de
trabalhadores informais, divididos entre os empregados sem carteira (14,4
milhões) e os que trabalham por conta própria (26 milhões). Todos com um
celular na mão e uma chave Pix.
Incluem-se aí: diaristas, eletricistas,
pedreiros, encanadores, motoqueiros, motoristas de aplicativos, camelôs,
vendedores de rua, mecânicos, feirantes.
E a grande maioria não recolhe o Imposto de
Renda. A Receita Federal informou que a ampliação da fiscalização sobre os
pagamentos instantâneos visava aos grandes sonegadores e suas operações de
lavagem de dinheiro.
Ok, mas, como a norma determinava que as
instituições financeiras deveriam reportar transações a partir de R$ 5 mil por
mês, os pequenos desconfiaram. A questão, portanto, não era o imposto sobre o
Pix, mas o IR.
Digamos que a intenção da Receita fosse mesmo
fazer vista grossa para os pequenos. Mas claramente não conseguiu explicar isso
para um público que tende a ser hostil em relação ao governo.
Claro que houve um problema de comunicação,
mas a origem disso está na falta de confiança no governo de parte importante da
população.
Trata-se de uma questão política central,
ainda mais quando se verifica que essa falta de confiança se estende ao
Congresso e ao Judiciário. Não é chamando um marqueteiro, por mais competente
que seja, que isso será resolvido.
Há uma crise econômica no país, como se
percebe nos indicadores dólar caro, juros altos, inflação e dívida pública
subindo. Isso não será resolvido com a “comunicação” do governo dizendo que
dólar e juros são fruto de especulação criminosa e que inflação e juros subiram
apenas levemente.
Ou seja, o governo não é isso tudo que
acredita ser.
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