Folha de S. Paulo
Trama golpista se decide na Justiça; e ponto final
Quando bolsonaristas
pedem por anistia sobre a tentativa de golpe de Estado, qual a ameaça
implícita? Não existe negociação por anistia sem a parte que a solicita tendo
alguma carta na manga.
Vimos isso na anistia contra os crimes
cometidos pelos governos militares brasileiros. Ela era requisito para acelerar
a transferência de poder para instituições democráticas. A ameaça era clara:
sem anistia, os militares não largariam o poder. Se era verdade ou não,
preferimos não pagar para ver.
Essa é uma questão complexa. Quando ditadores
negociam falta de responsabilização para deixar o poder, as vítimas se sentem
desamparadas. Além disso, a mera possibilidade de um acordo posterior pode
incentivar que golpistas e ditadores se comportem de forma mais extrema.
Existe uma longa lista de artigos científicos sobre condições para que impunidade retroativa gere a estabilidade esperada pelo processo.
No caso brasileiro, há até pouco tempo,
nossas instituições cumpriam essas condições. Os militares deixaram a política
por vários anos. Até, claro, o governo anterior trazê-los de volta, inclusive
com o
absurdo decreto que permitiu que membros da ativa possam ocupar cargos do
Executivo por tempo indeterminado. É coincidência que
12 militares da ativa tenham sido indiciados pela PF por participação na
tentativa de golpe?
Desde que saímos das mãos da
ditadura que destruiu a economia brasileira, com legado de hiperinflação,
desigualdade e aumento da criminalidade, o consenso mundial é por limitar ao
máximo esse tipo de acordo, pois se considera que a falta de justiça para as
vítimas de regimes ditatoriais e os incentivos ao maior uso de força acontecem
sempre, enquanto transições eficientes são raras. É baseado nesse consenso
que a Corte Internacional de Justiça ganhou força nas
últimas décadas.
No caso recente brasileiro, pedido de anistia
só faz sentido se há ameaça implícita de que, se não for entregue, vá haver
alguma rebelião ou algo do gênero. De outra forma, qual seria o motivo para a
falta de responsabilização criminal? A Justiça decide se houve delito e aplica
penas correspondentes, e fim de papo.
Anistia no qual só um lado se beneficia e não
entrega nada não faz nenhum sentido lógico. Os militares entregaram a economia
destruída, mas saíram da vida pública na década de 1980. Esse era o acordo.
Hoje, pensar em anistia para as tentativas
golpistas é só atropelar a Justiça. De novo, a não ser que haja uma ameaça. Se
houver, que se coloque na mesa. O pedido de anistia é porque ex-membros do
governo planejam novo ataque às instituições? Vão conclamar os militares a dar
um golpe? Se não houver, o pedido correto é de clemência, que deveria ser
negada sumariamente.
O pior dessa história é ver o caráter de cada
governante. Goste-se ou não de Lula, ele nunca se negou a colocar o dele na
reta. Foi preso na década de 1980 e aguentou, de novo, a prisão na década
passada. Enquanto isso, o valente ex-capitão já
se refugiou em embaixada e faz tudo para não ser responsabilizado por
suas atitudes. Isso porque só é valente da boca para fora.
Anistia? Não faz nenhum sentido. Clemência
para quem se comporta de forma covarde? Nem pensar. Trama golpista se decide na
Justiça. E ponto final.
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