Acordo no Oriente Médio é esperança de fim da
guerra
O Globo
Cessar-fogo negociado por Biden e Trump
interromperá o conflito mais letal entre israelenses e palestinos
O acordo de cessar-fogo entre Israel e Hamas
começará a valer a partir de domingo depois de ser aprovado pelo gabinete do
primeiro-ministro Benjamin
Netanyahu. Não será o fim da guerra na Faixa de Gaza, mas deve ser saudado
por ser o primeiro passo para encerrar o conflito mais letal entre israelenses
e palestinos.
O documento prevê mais de uma fase. Na
primeira, que deve durar seis semanas, tropas israelenses serão retiradas de
áreas densamente ocupadas antes do início da guerra, palestinos poderão voltar
para o norte da Faixa de Gaza, 600 caminhões com ajuda humanitária passarão a
entrar na região diariamente e 33 reféns israelenses e mais de mil palestinos
presos em Israel serão libertados.
Se não houver retrocesso no cumprimento de metas, em fevereiro começará a negociação da segunda fase, a mais difícil. Entre os pontos a ser tratados estão uma nova troca de reféns israelenses por palestinos presos, a retirada total das tropas e um cessar-fogo permanente.
O conflito teve início após ataque do Hamas a
Israel em 7 de outubro de 2023, quando 1.200 pessoas foram mortas e 250
sequestradas. Em seguida, tropas israelenses invadiram a Faixa de Gaza,
militantes do Hamas continuaram usando a população como escudo, dezenas de
milhares de palestinos morreram e não faltaram acusações de que Netanyahu fez
pouco para poupar os civis de danos maiores.
Depois da falha de segurança no 7 de Outubro,
que ainda precisa ser esclarecida, Israel obteve vitórias significativas. O
Hamas está totalmente frágil e isolado. Na Faixa de Gaza, as principais
lideranças e parte da força militar foram mortas. A estrutura de apoio externo
evaporou. No Líbano, o Hezbollah foi duramente enfraquecido. Na Síria, o regime
de Bashar al-Assad veio abaixo. Dessa forma, a capacidade do Irã de fortalecer
seus satélites na região ficou comprometida.
Em Israel, a base de apoio do
primeiro-ministro é a favor do cessar-fogo. Até março, Netanyahu precisará
aprovar o Orçamento. Como existe a chance de as forças políticas israelenses
não chegarem a um entendimento e novas eleições serem convocadas, Netanyahu
parece ter preferido o cessar-fogo, uma medida popular. Seu gabinete demonstrou
uma resistência inicial, mas aprovou o acordo nesta madrugada.
De fora do Oriente Médio houve o empurrão
de Donald
Trump. Em dezembro, o presidente eleito avisou que até a sua posse os
israelenses deveriam ser libertados. Em cooperação com Joe Biden,
Trump pressionou os dois lados. O sucesso da investida causou uma disputa sobre
quem ficaria com o crédito. Embora compreensível, a tentativa de faturar
politicamente encobre o essencial. A união dos dois foi o que fortaleceu a
posição americana. O acordo é o proposto por Biden. O apoio de Trump mostrou
que a opinião não mudaria.
No Oriente Médio, o fim das guerras não
significa o início da paz. Mesmo que o cessar-fogo seja confirmado e leve ao
término do conflito, a dúvida persistirá sobre uma solução duradoura. Ela só
virá quando houver dois Estados democráticos, vivendo lado a lado.
É positiva a busca de consenso com estados
sobre a PEC da Segurança
O Globo
Mudanças abrem caminho para a aprovação de
medidas urgentes contra a ação de facções criminosas
Fez bem o ministro da Justiça, Ricardo
Lewandowski, em realizar modificações na PEC da Segurança para tentar
reduzir as resistências ao texto, em especial de governadores que viam na
iniciativa uma interferência nos estados. Trata-se de uma visão equivocada, uma
vez que não era esse o objetivo, mas, se havia ruídos sobre as intenções do
Palácio do Planalto, o melhor foi buscar o consenso.
Na nova versão, foi acrescentado um parágrafo
para deixar claro que as atribuições da União “não excluem as competências
comum e concorrente dos demais entes federados”, nem restringem a subordinação
das polícias militares, civis, penais e do Corpo de Bombeiros aos governadores.
Houve preocupação também em excluir o termo “observância obrigatória”, para
reforçar que não haverá modificação da competência de estados e municípios. Foi
acolhida sugestão de governadores para incluir representantes da sociedade civil
no Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social.
Outro ponto que mereceu ajustes diz respeito
à atuação da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Suas atribuições serão
ampliadas, mas não tanto quanto se pretendia. No novo texto, ela se limita ao
policiamento ostensivo em rodovias, ferrovias e hidrovias federais. A PRF — que
passaria a se chamar Polícia Viária Federal — não exercerá funções das polícias
judiciárias nem fará apurações de infrações penais, que continuarão sob
competência da Polícia Federal (PF) e das Polícias Civis. Já a PF poderá atuar
contra crimes ambientais, organizações criminosas e milícias com alcance
interestadual ou internacional.
Lewandowski disse que o novo texto foi
elaborado após cinco reuniões com os estados. Em novembro, governadores do
Sudeste e do Sul reunidos em Florianópolis divulgaram uma carta com críticas à
PEC da Segurança. Disseram ser contra “qualquer proposta que enfraqueça os
estados ou reduza sua capacidade de agir de forma rápida e adequada às
necessidades locais”.
A PEC não enfraquece os estados. Ao
contrário, os ajuda. Está mais do que na hora de a União se envolver no combate
a organizações criminosas que atuam em todo o país e até no exterior. Embora a
segurança seja missão constitucional dos estados, sozinhos eles não têm
condições de enfrentar essas multinacionais do tráfico. O crime está
nacionalizado. Nos últimos dias, traficantes de uma facção do Rio têm
aterrorizado a população de Porto Velho, capital de Rondônia, com execuções e
ataques a bens públicos e privados.
Acertadamente, a PEC da Segurança aumenta o
protagonismo do governo federal numa área em que historicamente tem se omitido
ou falhado. Amplia as atribuições da PF e da PRF, conecta bases de dados e
prevê ações mais integradas. Os estados, com suas polícias, continuarão atuando
no combate à violência, só
que de forma coordenada com a União. Espera-se que, com as modificações feitas
a partir de sugestões dos governadores, a proposta, que deve ser enviada ao
Congresso ainda no primeiro semestre, possa avançar. A indisfarçável realidade
das ruas mostra que não há tempo a perder.
Salto dos juros demanda meta fiscal mais
ambiciosa
Folha de S. Paulo
Com escalada nas taxas, governo Lula precisa
estabilizar a dívida pública em tempo hábil para conter o dólar e a inflação
O Brasil está diante de um desafio ainda
maior para a gestão das contas públicas. Com a alta dos juros, fruto
da irresponsabilidade do governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) no trato das
despesas, o custo de rolagem da dívida pública dispara.
Nos 12 meses encerrados em novembro, o gasto
dos três níveis de governo com juros chegou a R$ 918,2 bilhões (7,85% do PIB), R$ 205
bilhões a mais em relação ao mesmo período de 2023.
A dívida bruta de União, estados e
municípios, atingiu 77,75% do PIB, alta de 4,43 pontos percentuais desde
novembro de 2023. Mantido o rumo atual, a perspectiva é de um passivo próximo a
85% do PIB em 2026.
A aritmética é implacável. A desconfiança dos
agentes econômicos com a conduta do Executivo é a principal causa do problema,
embora não a única, para a desvalorização do real, que pressiona a inflação e
dificulta o trabalho do Banco Central,
obrigado conter o descontrole de preços.
As taxas pagas nos títulos públicos de médio
e longo prazo já rondam 7,5% ao ano em termos reais, patamar similar aos piores
momentos da gestão desastrosa de Dilma
Rousseff (PT), que resultou numa queda do PIB de quase 7% no biênio
2015-2016.
A evolução da dívida depende de fatores hoje
em situação desfavorável. São eles o ritmo de crescimento da economia, que
deve desacelerar com o torniquete financeiro; o saldo primário, soma de
receitas e despesas antes dos juros, que é insuficiente para retomar a
confiança; e a despesa de juros, que cresce sem parar.
Não haverá melhoria sem um saldo primário
suficiente para restaurar a perspectiva de estabilização da dívida e com isso
facilitar a queda dos juros, do dólar e das
expectativas de inflação.
Não basta atingir a meta de déficit máximo de
0,25% do PIB fixada para o ano passado, nem a promessa de déficit zero em 2025,
difícil de ser cumprida. Está claro que o arcabouço fiscal criado pelo governo
Lula é insuficiente.
Mesmo que a taxa básica esperada de 15%
anuais para os próximos meses não venha a ser permanente, é preciso realizar um
ajuste robusto, de ao menos 2% do PIB em prazo não muito longo, para reverter o
quadro.
Se um conserto mais gradual era viável antes,
a situação atual exige iniciativas de maior envergadura para conter despesas
obrigatórias. Também é correto aumentar a tributação dos mais ricos e reverter
isenções injustificáveis de impostos que beneficiam grupos de interesse.
Mas não há sinais de que a gestão petista
esteja disposta a isso. O pífio programa de contenção anunciado no final de
2024 já era insuficiente e ficou prejudicado pela promessa de isentar da
cobrança de Imposto de
Renda quem recebe até R$ 5.000 mensais, obsessão de Lula.
Sem mudança de rota no sentido da
racionalidade econômica, o país chegará pior a 2026, uma obviedade que parece
escapar apenas ao presidente da República, a seu partido e a seus acólitos.
Veto a viagem de Bolsonaro não muda relação
com os EUA
Folha de S. Paulo
Atos do ex-presidente reforçam tese de
Moraes, que viu risco de fuga e negou pedido de político para ir à posse de
Trump
Entende-se que a militância, à esquerda e à
direita, tenha se exaltado com o pedido de Jair
Bolsonaro (PL)
para ir à posse do presidente eleito Donald Trump nos Estados
Unidos —e mais ainda com a resposta do ministro Alexandre
de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que
vetou a viagem do brasileiro.
Longe da polarização política e da
estridência típica das redes sociais, contudo, o imbróglio é antes trivial do
que extraordinário. Cabe à Justiça, afinal, arbitrar controvérsias que não se
resolvem de outro modo na sociedade, e é natural que corresponda, a cada
decisão tomada, à frustração de alguma expectativa.
Bolsonaro alimentou, por conta e risco, a
pretensão de comparecer à cerimônia americana. Dado, porém, que seu passaporte
está retido em decorrência das investigações das quais é alvo, o ex-presidente
pediu ao Supremo que autorizasse o deslocamento. É seu direito fazer tal
demanda.
Moraes, por sua vez, tendo o dever de
analisar o caso, concluiu que seria melhor negar a solicitação. Ponderou que o
ex-presidente não comprovou a veracidade do convite enviado por Trump e, mais
importante, avaliou que existe risco de Bolsonaro aproveitar a ocasião para
fugir do Brasil.
Pode-se afirmar, como fizeram os
bolsonaristas, que houve exagero na canetada do ministro. É difícil imaginar
que o ex-presidente, com intenções eleitorais sempre reiteradas, de fato
pretendesse usar a posse de Trump como pretexto para se evadir.
Ao mesmo tempo, atitudes recentes de
Bolsonaro decerto reforçam a perspectiva de Moraes. São conhecidas as
declarações do ex-presidente a favor da fuga de condenados pelo 8 de janeiro,
bem como sua estranha estadia na Embaixada da Hungria.
De resto, nem se diga que o ministro
atropelou os ritos desta vez. Antes de formar seu juízo, ele consultou o
procurador-geral da República, Paulo Gonet,
que se manifestou contra o pleito de Bolsonaro, por não ver urgência nem
necessidade na viagem.
Em suma, como tantas vezes ocorre no direito,
não havia só uma decisão certa nesse episódio, e Moraes optou pela resposta que
lhe pareceu mais apropriada. Talvez a grita fosse menor se a corte zelasse mais
por sua imagem, cultivando
a imparcialidade e exercendo a autocontenção.
Seja como for, a despeito do que dizem republicanos e bolsonaristas, o STF é órgão de Estado, não de governo; seus atos não afetam as relações com os EUA nem se confundem com os de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a quem cabe buscar caminhos pragmáticos na relação com Trump.
Reforma tributária deve ser só o começo
O Estado de S. Paulo
Com a sanção da reforma, o País terá alíquota
média de 28%, e a resistência da sociedade em elevar impostos obrigará governo,
Congresso e Judiciário a enfrentar gastos para reduzi-la
O presidente Lula da Silva sancionou o
projeto de lei que regulamenta a reforma tributária sobre o consumo. Dos 544
artigos aprovados pelo Congresso, o governo vetou apenas 17 e, assim, a
estimativa é de que a alíquota média do futuro Imposto sobre Valor Agregado
(IVA) será de 28%, a maior entre os países que utilizam o modelo, à frente da
Hungria, com 27%, e da Dinamarca, Noruega e Suécia, todos os três com 25%,
segundo o ranking da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE).
É, de fato, uma carga tributária elevada, mas
ninguém pode se dizer surpreso com ela. Em primeiro lugar, porque o Ministério
da Fazenda calculou e divulgou o porcentual enquanto a proposta tramitava na
Câmara e no Senado. Em segundo lugar, porque os parlamentares foram informados
de que, quanto mais acatassem exceções para privilegiar este ou aquele setor,
maior seria a carga dos demais. E em terceiro lugar, porque já se sabia, antes
mesmo da apresentação da reforma, que o País é um dos que mais tributam o consumo
no mundo.
O secretário extraordinário da Reforma
Tributária, Bernard Appy, minimizou o problema. Embora o texto legislativo
estabeleça um teto de 26,5% para a cobrança, a questão poderá ser solucionada
até 2031, quando o governo terá de apresentar propostas de corte de benefícios
fiscais para cumprir o limite. Não será tarefa fácil, uma vez que o Congresso
costuma ser sensível aos apelos dos setores econômicos afetados, como ficou
claro ao longo da tramitação da reforma.
Pela mesma razão, também será complicado
manter os 17 vetos presidenciais. Quem perdeu um regime específico, não
conseguiu obter uma alíquota reduzida ou foi incluído no Imposto Seletivo – o
chamado imposto do pecado – fará uma peregrinação a Brasília para convencer
deputados e senadores a ajudá-los. O governo rejeitou trechos que, se mantidos,
ampliariam as vantagens da Zona Franca de Manaus, isentariam fundos de
investimento e proibiriam a cobrança do Imposto Seletivo sobre exportações de
bens minerais.
Todo setor se julga merecedor de um
tratamento tributário diferenciado. O problema é que isso pode distorcer o
valor da alíquota cheia, tal como a meia-entrada eleva o valor do ingresso
cheio. O custo para manter o País ou uma sala de cinema funcionando é o mesmo;
a diferença é que uns pagam menos que outros para ter acesso aos mesmos
serviços.
Nesse sentido, reduzir custos de maneira
permanente ganha ainda mais importância. É bem verdade que a reforma ora
sancionada jamais se propôs a reduzir a carga tributária. O governo sempre
disse que ela seria neutra, e os parlamentares não quiseram comprar essa briga
com o setor privado. Parte do êxito da proposta, após tantas tentativas de
reforma nos últimos 40 anos, se deve a isso.
O tamanho da carga tributária é uma questão
que, cedo ou tarde, terá de ser enfrentada. De um lado, o Congresso já deu
muitas demonstrações de que não aceitará propostas que elevem impostos. Do
outro, o Executivo não vê o corte de gastos como uma urgência. Enquanto isso, o
Judiciário defende o retorno do quinquênio e a manutenção de seus
penduricalhos. O resultado é que o País tributa tanto quanto países nórdicos,
mas oferta serviços com uma qualidade muito distante dos garantidos por lá.
O governo já anunciou que pretende enviar a
reforma tributária sobre a renda ainda neste ano. Espera-se que a proposta seja
capaz de corrigir distorções e que seja progressiva, cobrando mais de quem
ganha mais. Até agora, no entanto, a promessa de isentar todos que recebem até
R$ 5 mil mensais, anunciada junto com o esvaziado pacote de corte de gastos,
mais atrapalhou do que ajudou.
De forma geral, as mudanças proporcionadas
pela reforma sobre o consumo serão muito positivas para o País. Além dos ganhos
em termos de transparência e simplificação, sobretudo em relação ao ICMS, uma
das principais virtudes será o fim do sistema cumulativo. Com a geração de
créditos ao longo da cadeia, a indústria terá uma redução de custos, o que pode
ampliar a competitividade de seus produtos no mercado interno e no exterior e,
consequentemente, impulsionar o crescimento econômico.
Um respiro em Gaza
O Estado de S. Paulo
O cessar-fogo entre Hamas e Israel é um passo na direção contrária ao abismo, mas só o primeiro. As condições para uma paz duradoura na região ainda estão muito distantes
Quinze meses após o Hamas massacrar o maior
número de judeus em um único dia desde o Holocausto, a guerra em Gaza que
custou – estima-se – mais de 46 mil vidas palestinas será finalmente
interrompida a partir de amanhã. Mas é cedo para dizer se chegou ao fim.
O cessar-fogo de mais de quatro meses
pactuado entre o governo de Israel e o Hamas, com a mediação dos EUA, Catar e
Egito, prevê três fases. Na primeira, o Hamas libertará crianças, mulheres e
idosos em troca de cerca de mil prisioneiros palestinos. Na segunda, o Hamas
deverá libertar os reféns remanescentes enquanto Israel se retirará de Gaza. A
terceira inclui a devolução dos cadáveres e o começo da reconstrução.
O fato de que esses termos, propostos pelo
presidente americano, Joe Biden, vêm sendo negociados há oito meses ilustra as
fragilidades e riscos em cada uma dessas fases. Tornou-se comum recriminar o
premiê israelense, Benjamin Netanyahu, e suas bases de extrema direita pela
demora. Mas essa é uma visão simplista. As condições precisaram ser
construídas. Elas não estavam presentes enquanto Israel sofria ataques das
múltiplas frentes que formam o autointitulado “Eixo de Resistência” comandado
pelo Irã: o Hezbollah no Líbano, os houthis no Iêmen, milícias na Síria e o
próprio Irã. Os danos impostos por Israel a essas frentes desde o 7 de Outubro
criaram um cenário propício. A persistência do governo Biden conjugada às
pressões do presidente eleito dos EUA, Donald Trump, completaram a confluência
de fatores.
O Hamas temia que uma pausa temporária para a
troca de reféns, sem um compromisso com um cessar-fogo permanente, seria apenas
um hiato antes de Israel redobrar seus ataques. O governo israelense, por sua
vez, queria a destruição total do Hamas. Nenhum dos dois atingiu seus objetivos
e ambos tiveram de fazer concessões. A liberação de centenas de terroristas
palestinos aumenta o risco de futuras agressões do Hamas. Israel abandonará a
maior parte de Gaza, incluindo o corredor Netzarim, que cruza o enclave, recuando
para as zonas-tampão criadas por suas forças. Esfacelado, o Hamas, por sua vez,
renunciou à exigência da evacuação israelense no corredor Filadélfia – a
fronteira de Gaza com o Egito – e de um fim permanente à guerra desde o início
do cessar-fogo.
O Irã vive o seu momento de maior
vulnerabilidade desde a Revolução de 1979. As capacidades da mais poderosa das
milícias do “Eixo da Resistência”, o Hezbollah, foram muito degradadas, o que
oferece novas possibilidades ao Líbano. A guerra foi decisiva para a queda do
regime de Bashar al-Assad na Síria – embora os riscos de forças jihadistas
ocuparem vácuos de poder sejam altos. O Hamas foi tremendamente debilitado – a
começar pela perda de seus principais líderes –, mas ainda representa uma
ameaça para palestinos e israelenses. Israel está mais seguro do que estava em
7 de outubro de 2023, mas está mais isolado internacionalmente e o
antissemitismo recrudesceu no mundo.
De imediato, esse novo equilíbrio de forças
impõe três desafios para a implementação do acordo. Primeiro, salvaguardas
contra os extremistas israelenses e palestinos, que se opõem à coexistência dos
dois povos. Depois, evitar a deterioração das condições humanitárias e de
segurança em Gaza. Por fim, designar responsabilidades claras aos responsáveis
pela sua reconstrução. Estabelecer uma coalizão regional com a participação dos
EUA será decisivo para garantir essas condições e empreender a tarefa mais difícil:
uma solução de longo prazo para Gaza.
Se o cenário para a reconstrução do enclave
já é turvo e volátil, tanto mais para a criação de um Estado palestino. Nunca
nesta geração essa perspectiva esteve tão distante. O caminho é longo, estreito
e tortuoso, mas é o único possível e fora dele há apenas um abismo. A retomada
da aproximação de Israel com os Estados sunitas, em especial a Arábia Saudita,
será crucial para conter a reconstrução do Hamas, dissuadir o Irã, estabilizar
a região e erguer um lar para o povo palestino, ou seja, para garantir que o
cessar-fogo será o início de uma paz duradoura, e não um intervalo antes de uma
guerra ainda mais devastadora.
Dengue é ameaça permanente
O Estado de S. Paulo
Doença deixou de ser sazonal e demanda
esforço contínuo para redução de casos e óbitos
O governo do Estado de São Paulo acaba de
lançar um plano de contingência para lidar com a proliferação de casos de
dengue, chikungunya e zika, doenças que fazem parte do rol das arboviroses. A
iniciativa envolve uma nova metodologia para o acompanhamento de casos e a
resposta no atendimento aos pacientes.
De acordo com a Secretaria Estadual da Saúde
(SES), mais de 8 mil casos da doenças já foram confirmados nestas primeiras
semanas do ano no Estado. O Ministério da Saúde, por sua vez, acaba de
confirmar a primeira morte por dengue no Estado em 2025; outros 45 óbitos em
território paulista estão sob investigação.
Com número tão elevado de casos – mais de 20
municípios do Estado já decretaram emergência de saúde pública –, o plano do
governo paulista é obviamente bem-vindo.
Ocorre que a dengue, que em 2024 superou a
marca de 6 milhões de casos e matou 6.068 brasileiros, não pode mais ser
tratada como evento sazonal, mas como desafio permanente. Planos como o do
governo de São Paulo não deveriam ter caráter contingencial, pelo menos não
enquanto a doença continuar se espalhando em níveis alarmantes como se tem
observado desde pelo menos 2023.
Também é preciso que o Ministério da Saúde
faça mais. É verdade que, como gosta de ressaltar a ministra Nísia Trindade, a
frequência cada vez maior de eventos climáticos contribui com o aumento de
casos. Episódios de chuvas e calor extremos tornam mais propício o ambiente
para a proliferação do mosquito Aedes aegypti, o agente transmissor da
dengue.
Além disso, apesar da notícia promissora de
que o Instituto Butantan desenvolveu um imunizante de dose única eficaz contra
a dengue – ainda sob a necessária avaliação da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) –, infelizmente ainda não há vacinas para toda a população.
Enquanto se aguarda que a imunização contra a
dengue esteja disponível para todas as faixas etárias, doses da vacina japonesa
Qdenga disponíveis para adolescentes de 10 a 14 anos, público que concentrava o
maior número de hospitalizações no ano passado e que por essa razão foi
priorizado no esquema vacinal, não têm sido aproveitadas.
Em 2024, 3.208.954 brasileiros receberam a
primeira dose do imunizante japonês, mas menos da metade retornou para receber
a segunda – o esquema vacinal completo da Qdenga exige duas doses.
O Brasil orgulha-se de ser o primeiro país do
mundo a oferecer um imunizante contra a dengue gratuitamente por meio da rede
pública, o que certamente é positivo, mas não pode se dar ao luxo de deixar
tantas vacinas sem uso.
Além da baixa adesão à vacina da dengue,
houve perda bilionária com vacinas diversas descartadas pelo atual governo. O
Ministério da Saúde atribuiu parte do prejuízo ao fato de ter recebido estoques
próximos do vencimento da gestão Bolsonaro e também à desinformação.
Convém recordar, contudo, que o atual governo
foi eleito justamente por prometer combater o negacionismo e diferenciar-se da
gestão anterior, que foi temerária na administração da saúde pública. Logo, não
basta ligar a dengue à mudança climática nem se autocongratular por comprar
vacinas. É preciso combater o Aedes aegypti e a desinformação de
forma permanente.
Territorialização do crime organizado
Correio Braziliense
A coluna vertebral do crime organizado no
Brasil, por incrível que pareça, é o sistema prisional, que conta com 888 mil
presos, sendo 216 mil sem condenação, dominados por 88 facções criminosas em
atividade
Houve queda de 6% no número de mortes
violentas contabilizadas pelo Sistema Nacional de Informações de Segurança
Pública (Sinesp), em relação a 2023, quando foram 40.768 mortes violentas
intencionais. O Brasil registrou um total de 38.075 assassinatos em 2024,
segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública divulgados nesta
sexta-feira.
Homicídios dolosos (quando há intenção de
matar), feminicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte são
considerados mortes violentas. O monitoramento é feito desde 2015, quando o
Sinesp passou a divulgar os números on-line. Há uma queda dos assassinatos nos
últimos quatro anos, desde 2020, quando o país registrou 45.522 mortes, queda
acumulada de 16% em relação ao ano passado.
Em 2024, as polícias do país mataram 6.028
pessoas, segundo o Ministério da Justiça. Em 2023, foram 6.399 vítimas de
policiais em todo país, o que também indica redução de 6% em um ano. O total de
agentes de segurança mortos em 2024 foi de 192, número que mantém o patamar ao
se comparar aos 191 profissionais mortos em 2023. O ano com maior vitimização
foi 2017, com 396.
Entretanto, esses indicadores não devem nos
iludir quanto à gravidade do problema da segurança pública no país. A redução
do número de mortes violentas tem como contrapartida, sem que isso signifique
uma relação de causalidade, a ampliação das áreas controladas pelo tráfico de
drogas e pelas milícias nas cidades brasileiras, territorialização associada à
infiltração criminosa e corrupção na segurança pública e na política.
Houve transformação do Brasil de centro
consumidor em rota para o tráfico de drogas, como o Primeiro Comando da Capital
(PCC) e o Comando Vermelho (CV), e disseminação de atividades mafiosas ligadas
às organizações criminosas nas periferias, seja para lavagem de dinheiro e/ou
para exploração de atividades comerciais e serviços da economia informal.
Nesse sentido, como destacou o ex-ministro da
Defesa e Segurança Pública Raul Jungmann, em artigo publicado ontem no Correio,
é de fundamental importância a PEC proposta pelo ministro da Justiça, Ricardo
Lewandowski, que reorganiza e fortalece o sistema de segurança por meio da
integração entre os entes federados. Cabe ao Congresso Nacional priorizar sua
tramitação, para barrar o avanço assustador do crime organizado no Estado
brasileiro.
Segundo o DataFolha, 23 milhões de
brasileiros vivem subjugados por traficantes e milicianos em seus próprios
bairros, sob suas próprias leis. As forças policiais desses entes federados têm
atribuições específicas que segmentam e dispersam a atuação policial, enquanto
as organizações criminosas se espalham por todo o território e se
internacionalizam. A coluna vertebral do crime organizado no Brasil, por
incrível que pareça, é o sistema prisional, que conta com 888 mil presos, sendo
216 mil sem condenação, dominados por 88 facções criminosas em atividade.
É impossível que estados e municípios
enfrentem esse problema sem que haja um Sistema Unificado de Segurança Pública,
regulamentado constitucionalmente, de maneira a garantir coordenação e
cooperação entre o governo federal, os estados e os municípios, além de fontes
de financiamento para dotar a segurança pública de treinamento adequado,
recursos tecnológicos e serviços de inteligência eficientes.
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