sábado, 18 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Acordo no Oriente Médio é esperança de fim da guerra

O Globo

Cessar-fogo negociado por Biden e Trump interromperá o conflito mais letal entre israelenses e palestinos

O acordo de cessar-fogo entre Israel e Hamas começará a valer a partir de domingo depois de ser aprovado pelo gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Não será o fim da guerra na Faixa de Gaza, mas deve ser saudado por ser o primeiro passo para encerrar o conflito mais letal entre israelenses e palestinos.

O documento prevê mais de uma fase. Na primeira, que deve durar seis semanas, tropas israelenses serão retiradas de áreas densamente ocupadas antes do início da guerra, palestinos poderão voltar para o norte da Faixa de Gaza, 600 caminhões com ajuda humanitária passarão a entrar na região diariamente e 33 reféns israelenses e mais de mil palestinos presos em Israel serão libertados.

Se não houver retrocesso no cumprimento de metas, em fevereiro começará a negociação da segunda fase, a mais difícil. Entre os pontos a ser tratados estão uma nova troca de reféns israelenses por palestinos presos, a retirada total das tropas e um cessar-fogo permanente.

O conflito teve início após ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023, quando 1.200 pessoas foram mortas e 250 sequestradas. Em seguida, tropas israelenses invadiram a Faixa de Gaza, militantes do Hamas continuaram usando a população como escudo, dezenas de milhares de palestinos morreram e não faltaram acusações de que Netanyahu fez pouco para poupar os civis de danos maiores.

Depois da falha de segurança no 7 de Outubro, que ainda precisa ser esclarecida, Israel obteve vitórias significativas. O Hamas está totalmente frágil e isolado. Na Faixa de Gaza, as principais lideranças e parte da força militar foram mortas. A estrutura de apoio externo evaporou. No Líbano, o Hezbollah foi duramente enfraquecido. Na Síria, o regime de Bashar al-Assad veio abaixo. Dessa forma, a capacidade do Irã de fortalecer seus satélites na região ficou comprometida.

Em Israel, a base de apoio do primeiro-ministro é a favor do cessar-fogo. Até março, Netanyahu precisará aprovar o Orçamento. Como existe a chance de as forças políticas israelenses não chegarem a um entendimento e novas eleições serem convocadas, Netanyahu parece ter preferido o cessar-fogo, uma medida popular. Seu gabinete demonstrou uma resistência inicial, mas aprovou o acordo nesta madrugada.

De fora do Oriente Médio houve o empurrão de Donald Trump. Em dezembro, o presidente eleito avisou que até a sua posse os israelenses deveriam ser libertados. Em cooperação com Joe Biden, Trump pressionou os dois lados. O sucesso da investida causou uma disputa sobre quem ficaria com o crédito. Embora compreensível, a tentativa de faturar politicamente encobre o essencial. A união dos dois foi o que fortaleceu a posição americana. O acordo é o proposto por Biden. O apoio de Trump mostrou que a opinião não mudaria.

No Oriente Médio, o fim das guerras não significa o início da paz. Mesmo que o cessar-fogo seja confirmado e leve ao término do conflito, a dúvida persistirá sobre uma solução duradoura. Ela só virá quando houver dois Estados democráticos, vivendo lado a lado.

É positiva a busca de consenso com estados sobre a PEC da Segurança

O Globo

Mudanças abrem caminho para a aprovação de medidas urgentes contra a ação de facções criminosas

Fez bem o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, em realizar modificações na PEC da Segurança para tentar reduzir as resistências ao texto, em especial de governadores que viam na iniciativa uma interferência nos estados. Trata-se de uma visão equivocada, uma vez que não era esse o objetivo, mas, se havia ruídos sobre as intenções do Palácio do Planalto, o melhor foi buscar o consenso.

Na nova versão, foi acrescentado um parágrafo para deixar claro que as atribuições da União “não excluem as competências comum e concorrente dos demais entes federados”, nem restringem a subordinação das polícias militares, civis, penais e do Corpo de Bombeiros aos governadores. Houve preocupação também em excluir o termo “observância obrigatória”, para reforçar que não haverá modificação da competência de estados e municípios. Foi acolhida sugestão de governadores para incluir representantes da sociedade civil no Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social.

Outro ponto que mereceu ajustes diz respeito à atuação da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Suas atribuições serão ampliadas, mas não tanto quanto se pretendia. No novo texto, ela se limita ao policiamento ostensivo em rodovias, ferrovias e hidrovias federais. A PRF — que passaria a se chamar Polícia Viária Federal — não exercerá funções das polícias judiciárias nem fará apurações de infrações penais, que continuarão sob competência da Polícia Federal (PF) e das Polícias Civis. Já a PF poderá atuar contra crimes ambientais, organizações criminosas e milícias com alcance interestadual ou internacional.

Lewandowski disse que o novo texto foi elaborado após cinco reuniões com os estados. Em novembro, governadores do Sudeste e do Sul reunidos em Florianópolis divulgaram uma carta com críticas à PEC da Segurança. Disseram ser contra “qualquer proposta que enfraqueça os estados ou reduza sua capacidade de agir de forma rápida e adequada às necessidades locais”.

A PEC não enfraquece os estados. Ao contrário, os ajuda. Está mais do que na hora de a União se envolver no combate a organizações criminosas que atuam em todo o país e até no exterior. Embora a segurança seja missão constitucional dos estados, sozinhos eles não têm condições de enfrentar essas multinacionais do tráfico. O crime está nacionalizado. Nos últimos dias, traficantes de uma facção do Rio têm aterrorizado a população de Porto Velho, capital de Rondônia, com execuções e ataques a bens públicos e privados.

Acertadamente, a PEC da Segurança aumenta o protagonismo do governo federal numa área em que historicamente tem se omitido ou falhado. Amplia as atribuições da PF e da PRF, conecta bases de dados e prevê ações mais integradas. Os estados, com suas polícias, continuarão atuando no combate à violência, só que de forma coordenada com a União. Espera-se que, com as modificações feitas a partir de sugestões dos governadores, a proposta, que deve ser enviada ao Congresso ainda no primeiro semestre, possa avançar. A indisfarçável realidade das ruas mostra que não há tempo a perder.

Salto dos juros demanda meta fiscal mais ambiciosa

Folha de S. Paulo

Com escalada nas taxas, governo Lula precisa estabilizar a dívida pública em tempo hábil para conter o dólar e a inflação

O Brasil está diante de um desafio ainda maior para a gestão das contas públicas. Com a alta dos jurosfruto da irresponsabilidade do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no trato das despesas, o custo de rolagem da dívida pública dispara.

Nos 12 meses encerrados em novembro, o gasto dos três níveis de governo com juros chegou a R$ 918,2 bilhões (7,85% do PIB), R$ 205 bilhões a mais em relação ao mesmo período de 2023.

A dívida bruta de União, estados e municípios, atingiu 77,75% do PIB, alta de 4,43 pontos percentuais desde novembro de 2023. Mantido o rumo atual, a perspectiva é de um passivo próximo a 85% do PIB em 2026.

A aritmética é implacável. A desconfiança dos agentes econômicos com a conduta do Executivo é a principal causa do problema, embora não a única, para a desvalorização do real, que pressiona a inflação e dificulta o trabalho do Banco Central, obrigado conter o descontrole de preços.

As taxas pagas nos títulos públicos de médio e longo prazo já rondam 7,5% ao ano em termos reais, patamar similar aos piores momentos da gestão desastrosa de Dilma Rousseff (PT), que resultou numa queda do PIB de quase 7% no biênio 2015-2016.

A evolução da dívida depende de fatores hoje em situação desfavorável. São eles o ritmo de crescimento da economia, que deve desacelerar com o torniquete financeiro; o saldo primário, soma de receitas e despesas antes dos juros, que é insuficiente para retomar a confiança; e a despesa de juros, que cresce sem parar.

Não haverá melhoria sem um saldo primário suficiente para restaurar a perspectiva de estabilização da dívida e com isso facilitar a queda dos juros, do dólar e das expectativas de inflação.

Não basta atingir a meta de déficit máximo de 0,25% do PIB fixada para o ano passado, nem a promessa de déficit zero em 2025, difícil de ser cumprida. Está claro que o arcabouço fiscal criado pelo governo Lula é insuficiente.

Mesmo que a taxa básica esperada de 15% anuais para os próximos meses não venha a ser permanente, é preciso realizar um ajuste robusto, de ao menos 2% do PIB em prazo não muito longo, para reverter o quadro.

Se um conserto mais gradual era viável antes, a situação atual exige iniciativas de maior envergadura para conter despesas obrigatórias. Também é correto aumentar a tributação dos mais ricos e reverter isenções injustificáveis de impostos que beneficiam grupos de interesse.

Mas não há sinais de que a gestão petista esteja disposta a isso. O pífio programa de contenção anunciado no final de 2024 já era insuficiente e ficou prejudicado pela promessa de isentar da cobrança de Imposto de Renda quem recebe até R$ 5.000 mensais, obsessão de Lula.

Sem mudança de rota no sentido da racionalidade econômica, o país chegará pior a 2026, uma obviedade que parece escapar apenas ao presidente da República, a seu partido e a seus acólitos.

Veto a viagem de Bolsonaro não muda relação com os EUA

Folha de S. Paulo

Atos do ex-presidente reforçam tese de Moraes, que viu risco de fuga e negou pedido de político para ir à posse de Trump

Entende-se que a militância, à esquerda e à direita, tenha se exaltado com o pedido de Jair Bolsonaro (PL) para ir à posse do presidente eleito Donald Trump nos Estados Unidos —e mais ainda com a resposta do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que vetou a viagem do brasileiro.

Longe da polarização política e da estridência típica das redes sociais, contudo, o imbróglio é antes trivial do que extraordinário. Cabe à Justiça, afinal, arbitrar controvérsias que não se resolvem de outro modo na sociedade, e é natural que corresponda, a cada decisão tomada, à frustração de alguma expectativa.

Bolsonaro alimentou, por conta e risco, a pretensão de comparecer à cerimônia americana. Dado, porém, que seu passaporte está retido em decorrência das investigações das quais é alvo, o ex-presidente pediu ao Supremo que autorizasse o deslocamento. É seu direito fazer tal demanda.

Moraes, por sua vez, tendo o dever de analisar o caso, concluiu que seria melhor negar a solicitação. Ponderou que o ex-presidente não comprovou a veracidade do convite enviado por Trump e, mais importante, avaliou que existe risco de Bolsonaro aproveitar a ocasião para fugir do Brasil.

Pode-se afirmar, como fizeram os bolsonaristas, que houve exagero na canetada do ministro. É difícil imaginar que o ex-presidente, com intenções eleitorais sempre reiteradas, de fato pretendesse usar a posse de Trump como pretexto para se evadir.

Ao mesmo tempo, atitudes recentes de Bolsonaro decerto reforçam a perspectiva de Moraes. São conhecidas as declarações do ex-presidente a favor da fuga de condenados pelo 8 de janeiro, bem como sua estranha estadia na Embaixada da Hungria.

De resto, nem se diga que o ministro atropelou os ritos desta vez. Antes de formar seu juízo, ele consultou o procurador-geral da República, Paulo Gonet, que se manifestou contra o pleito de Bolsonaro, por não ver urgência nem necessidade na viagem.

Em suma, como tantas vezes ocorre no direito, não havia só uma decisão certa nesse episódio, e Moraes optou pela resposta que lhe pareceu mais apropriada. Talvez a grita fosse menor se a corte zelasse mais por sua imagem, cultivando a imparcialidade e exercendo a autocontenção.

Seja como for, a despeito do que dizem republicanos e bolsonaristas, o STF é órgão de Estado, não de governo; seus atos não afetam as relações com os EUA nem se confundem com os de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a quem cabe buscar caminhos pragmáticos na relação com Trump.

Reforma tributária deve ser só o começo

O Estado de S. Paulo

Com a sanção da reforma, o País terá alíquota média de 28%, e a resistência da sociedade em elevar impostos obrigará governo, Congresso e Judiciário a enfrentar gastos para reduzi-la

O presidente Lula da Silva sancionou o projeto de lei que regulamenta a reforma tributária sobre o consumo. Dos 544 artigos aprovados pelo Congresso, o governo vetou apenas 17 e, assim, a estimativa é de que a alíquota média do futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA) será de 28%, a maior entre os países que utilizam o modelo, à frente da Hungria, com 27%, e da Dinamarca, Noruega e Suécia, todos os três com 25%, segundo o ranking da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

É, de fato, uma carga tributária elevada, mas ninguém pode se dizer surpreso com ela. Em primeiro lugar, porque o Ministério da Fazenda calculou e divulgou o porcentual enquanto a proposta tramitava na Câmara e no Senado. Em segundo lugar, porque os parlamentares foram informados de que, quanto mais acatassem exceções para privilegiar este ou aquele setor, maior seria a carga dos demais. E em terceiro lugar, porque já se sabia, antes mesmo da apresentação da reforma, que o País é um dos que mais tributam o consumo no mundo.

O secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, minimizou o problema. Embora o texto legislativo estabeleça um teto de 26,5% para a cobrança, a questão poderá ser solucionada até 2031, quando o governo terá de apresentar propostas de corte de benefícios fiscais para cumprir o limite. Não será tarefa fácil, uma vez que o Congresso costuma ser sensível aos apelos dos setores econômicos afetados, como ficou claro ao longo da tramitação da reforma.

Pela mesma razão, também será complicado manter os 17 vetos presidenciais. Quem perdeu um regime específico, não conseguiu obter uma alíquota reduzida ou foi incluído no Imposto Seletivo – o chamado imposto do pecado – fará uma peregrinação a Brasília para convencer deputados e senadores a ajudá-los. O governo rejeitou trechos que, se mantidos, ampliariam as vantagens da Zona Franca de Manaus, isentariam fundos de investimento e proibiriam a cobrança do Imposto Seletivo sobre exportações de bens minerais.

Todo setor se julga merecedor de um tratamento tributário diferenciado. O problema é que isso pode distorcer o valor da alíquota cheia, tal como a meia-entrada eleva o valor do ingresso cheio. O custo para manter o País ou uma sala de cinema funcionando é o mesmo; a diferença é que uns pagam menos que outros para ter acesso aos mesmos serviços.

Nesse sentido, reduzir custos de maneira permanente ganha ainda mais importância. É bem verdade que a reforma ora sancionada jamais se propôs a reduzir a carga tributária. O governo sempre disse que ela seria neutra, e os parlamentares não quiseram comprar essa briga com o setor privado. Parte do êxito da proposta, após tantas tentativas de reforma nos últimos 40 anos, se deve a isso.

O tamanho da carga tributária é uma questão que, cedo ou tarde, terá de ser enfrentada. De um lado, o Congresso já deu muitas demonstrações de que não aceitará propostas que elevem impostos. Do outro, o Executivo não vê o corte de gastos como uma urgência. Enquanto isso, o Judiciário defende o retorno do quinquênio e a manutenção de seus penduricalhos. O resultado é que o País tributa tanto quanto países nórdicos, mas oferta serviços com uma qualidade muito distante dos garantidos por lá.

O governo já anunciou que pretende enviar a reforma tributária sobre a renda ainda neste ano. Espera-se que a proposta seja capaz de corrigir distorções e que seja progressiva, cobrando mais de quem ganha mais. Até agora, no entanto, a promessa de isentar todos que recebem até R$ 5 mil mensais, anunciada junto com o esvaziado pacote de corte de gastos, mais atrapalhou do que ajudou.

De forma geral, as mudanças proporcionadas pela reforma sobre o consumo serão muito positivas para o País. Além dos ganhos em termos de transparência e simplificação, sobretudo em relação ao ICMS, uma das principais virtudes será o fim do sistema cumulativo. Com a geração de créditos ao longo da cadeia, a indústria terá uma redução de custos, o que pode ampliar a competitividade de seus produtos no mercado interno e no exterior e, consequentemente, impulsionar o crescimento econômico.

Um respiro em Gaza

O Estado de S. Paulo

O cessar-fogo entre Hamas e Israel é um passo na direção contrária ao abismo, mas só o primeiro. As condições para uma paz duradoura na região ainda estão muito distantes

Quinze meses após o Hamas massacrar o maior número de judeus em um único dia desde o Holocausto, a guerra em Gaza que custou – estima-se – mais de 46 mil vidas palestinas será finalmente interrompida a partir de amanhã. Mas é cedo para dizer se chegou ao fim.

O cessar-fogo de mais de quatro meses pactuado entre o governo de Israel e o Hamas, com a mediação dos EUA, Catar e Egito, prevê três fases. Na primeira, o Hamas libertará crianças, mulheres e idosos em troca de cerca de mil prisioneiros palestinos. Na segunda, o Hamas deverá libertar os reféns remanescentes enquanto Israel se retirará de Gaza. A terceira inclui a devolução dos cadáveres e o começo da reconstrução.

O fato de que esses termos, propostos pelo presidente americano, Joe Biden, vêm sendo negociados há oito meses ilustra as fragilidades e riscos em cada uma dessas fases. Tornou-se comum recriminar o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, e suas bases de extrema direita pela demora. Mas essa é uma visão simplista. As condições precisaram ser construídas. Elas não estavam presentes enquanto Israel sofria ataques das múltiplas frentes que formam o autointitulado “Eixo de Resistência” comandado pelo Irã: o Hezbollah no Líbano, os houthis no Iêmen, milícias na Síria e o próprio Irã. Os danos impostos por Israel a essas frentes desde o 7 de Outubro criaram um cenário propício. A persistência do governo Biden conjugada às pressões do presidente eleito dos EUA, Donald Trump, completaram a confluência de fatores.

O Hamas temia que uma pausa temporária para a troca de reféns, sem um compromisso com um cessar-fogo permanente, seria apenas um hiato antes de Israel redobrar seus ataques. O governo israelense, por sua vez, queria a destruição total do Hamas. Nenhum dos dois atingiu seus objetivos e ambos tiveram de fazer concessões. A liberação de centenas de terroristas palestinos aumenta o risco de futuras agressões do Hamas. Israel abandonará a maior parte de Gaza, incluindo o corredor Netzarim, que cruza o enclave, recuando para as zonas-tampão criadas por suas forças. Esfacelado, o Hamas, por sua vez, renunciou à exigência da evacuação israelense no corredor Filadélfia – a fronteira de Gaza com o Egito – e de um fim permanente à guerra desde o início do cessar-fogo.

O Irã vive o seu momento de maior vulnerabilidade desde a Revolução de 1979. As capacidades da mais poderosa das milícias do “Eixo da Resistência”, o Hezbollah, foram muito degradadas, o que oferece novas possibilidades ao Líbano. A guerra foi decisiva para a queda do regime de Bashar al-Assad na Síria – embora os riscos de forças jihadistas ocuparem vácuos de poder sejam altos. O Hamas foi tremendamente debilitado – a começar pela perda de seus principais líderes –, mas ainda representa uma ameaça para palestinos e israelenses. Israel está mais seguro do que estava em 7 de outubro de 2023, mas está mais isolado internacionalmente e o antissemitismo recrudesceu no mundo.

De imediato, esse novo equilíbrio de forças impõe três desafios para a implementação do acordo. Primeiro, salvaguardas contra os extremistas israelenses e palestinos, que se opõem à coexistência dos dois povos. Depois, evitar a deterioração das condições humanitárias e de segurança em Gaza. Por fim, designar responsabilidades claras aos responsáveis pela sua reconstrução. Estabelecer uma coalizão regional com a participação dos EUA será decisivo para garantir essas condições e empreender a tarefa mais difícil: uma solução de longo prazo para Gaza.

Se o cenário para a reconstrução do enclave já é turvo e volátil, tanto mais para a criação de um Estado palestino. Nunca nesta geração essa perspectiva esteve tão distante. O caminho é longo, estreito e tortuoso, mas é o único possível e fora dele há apenas um abismo. A retomada da aproximação de Israel com os Estados sunitas, em especial a Arábia Saudita, será crucial para conter a reconstrução do Hamas, dissuadir o Irã, estabilizar a região e erguer um lar para o povo palestino, ou seja, para garantir que o cessar-fogo será o início de uma paz duradoura, e não um intervalo antes de uma guerra ainda mais devastadora.

Dengue é ameaça permanente

O Estado de S. Paulo

Doença deixou de ser sazonal e demanda esforço contínuo para redução de casos e óbitos

O governo do Estado de São Paulo acaba de lançar um plano de contingência para lidar com a proliferação de casos de dengue, chikungunya e zika, doenças que fazem parte do rol das arboviroses. A iniciativa envolve uma nova metodologia para o acompanhamento de casos e a resposta no atendimento aos pacientes.

De acordo com a Secretaria Estadual da Saúde (SES), mais de 8 mil casos da doenças já foram confirmados nestas primeiras semanas do ano no Estado. O Ministério da Saúde, por sua vez, acaba de confirmar a primeira morte por dengue no Estado em 2025; outros 45 óbitos em território paulista estão sob investigação.

Com número tão elevado de casos – mais de 20 municípios do Estado já decretaram emergência de saúde pública –, o plano do governo paulista é obviamente bem-vindo.

Ocorre que a dengue, que em 2024 superou a marca de 6 milhões de casos e matou 6.068 brasileiros, não pode mais ser tratada como evento sazonal, mas como desafio permanente. Planos como o do governo de São Paulo não deveriam ter caráter contingencial, pelo menos não enquanto a doença continuar se espalhando em níveis alarmantes como se tem observado desde pelo menos 2023.

Também é preciso que o Ministério da Saúde faça mais. É verdade que, como gosta de ressaltar a ministra Nísia Trindade, a frequência cada vez maior de eventos climáticos contribui com o aumento de casos. Episódios de chuvas e calor extremos tornam mais propício o ambiente para a proliferação do mosquito Aedes aegypti, o agente transmissor da dengue.

Além disso, apesar da notícia promissora de que o Instituto Butantan desenvolveu um imunizante de dose única eficaz contra a dengue – ainda sob a necessária avaliação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) –, infelizmente ainda não há vacinas para toda a população.

Enquanto se aguarda que a imunização contra a dengue esteja disponível para todas as faixas etárias, doses da vacina japonesa Qdenga disponíveis para adolescentes de 10 a 14 anos, público que concentrava o maior número de hospitalizações no ano passado e que por essa razão foi priorizado no esquema vacinal, não têm sido aproveitadas.

Em 2024, 3.208.954 brasileiros receberam a primeira dose do imunizante japonês, mas menos da metade retornou para receber a segunda – o esquema vacinal completo da Qdenga exige duas doses.

O Brasil orgulha-se de ser o primeiro país do mundo a oferecer um imunizante contra a dengue gratuitamente por meio da rede pública, o que certamente é positivo, mas não pode se dar ao luxo de deixar tantas vacinas sem uso.

Além da baixa adesão à vacina da dengue, houve perda bilionária com vacinas diversas descartadas pelo atual governo. O Ministério da Saúde atribuiu parte do prejuízo ao fato de ter recebido estoques próximos do vencimento da gestão Bolsonaro e também à desinformação.

Convém recordar, contudo, que o atual governo foi eleito justamente por prometer combater o negacionismo e diferenciar-se da gestão anterior, que foi temerária na administração da saúde pública. Logo, não basta ligar a dengue à mudança climática nem se autocongratular por comprar vacinas. É preciso combater o Aedes aegypti e a desinformação de forma permanente.

Territorialização do crime organizado

Correio Braziliense

A coluna vertebral do crime organizado no Brasil, por incrível que pareça, é o sistema prisional, que conta com 888 mil presos, sendo 216 mil sem condenação, dominados por 88 facções criminosas em atividade

Houve queda de 6% no número de mortes violentas contabilizadas pelo Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), em relação a 2023, quando foram 40.768 mortes violentas intencionais. O Brasil registrou um total de 38.075 assassinatos em 2024, segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública divulgados nesta sexta-feira.

Homicídios dolosos (quando há intenção de matar), feminicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte são considerados mortes violentas. O monitoramento é feito desde 2015, quando o Sinesp passou a divulgar os números on-line. Há uma queda dos assassinatos nos últimos quatro anos, desde 2020, quando o país registrou 45.522 mortes, queda acumulada de 16% em relação ao ano passado.

Em 2024, as polícias do país mataram 6.028 pessoas, segundo o Ministério da Justiça. Em 2023, foram 6.399 vítimas de policiais em todo país, o que também indica redução de 6% em um ano. O total de agentes de segurança mortos em 2024 foi de 192, número que mantém o patamar ao se comparar aos 191 profissionais mortos em 2023. O ano com maior vitimização foi 2017, com 396.

Entretanto, esses indicadores não devem nos iludir quanto à gravidade do problema da segurança pública no país. A redução do número de mortes violentas tem como contrapartida, sem que isso signifique uma relação de causalidade, a ampliação das áreas controladas pelo tráfico de drogas e pelas milícias nas cidades brasileiras, territorialização associada à infiltração criminosa e corrupção na segurança pública e na política.

Houve transformação do Brasil de centro consumidor em rota para o tráfico de drogas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), e disseminação de atividades mafiosas ligadas às organizações criminosas nas periferias, seja para lavagem de dinheiro e/ou para exploração de atividades comerciais e serviços da economia informal.

Nesse sentido, como destacou o ex-ministro da Defesa e Segurança Pública Raul Jungmann, em artigo publicado ontem no Correio, é de fundamental importância a PEC proposta pelo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, que reorganiza e fortalece o sistema de segurança por meio da integração entre os entes federados. Cabe ao Congresso Nacional priorizar sua tramitação, para barrar o avanço assustador do crime organizado no Estado brasileiro.

Segundo o DataFolha, 23 milhões de brasileiros vivem subjugados por traficantes e milicianos em seus próprios bairros, sob suas próprias leis. As forças policiais desses entes federados têm atribuições específicas que segmentam e dispersam a atuação policial, enquanto as organizações criminosas se espalham por todo o território e se internacionalizam. A coluna vertebral do crime organizado no Brasil, por incrível que pareça, é o sistema prisional, que conta com 888 mil presos, sendo 216 mil sem condenação, dominados por 88 facções criminosas em atividade.

É impossível que estados e municípios enfrentem esse problema sem que haja um Sistema Unificado de Segurança Pública, regulamentado constitucionalmente, de maneira a garantir coordenação e cooperação entre o governo federal, os estados e os municípios, além de fontes de financiamento para dotar a segurança pública de treinamento adequado, recursos tecnológicos e serviços de inteligência eficientes.

 

 


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