sábado, 18 de janeiro de 2025

Esquerda quer ganhar no tapetão – Pablo Ortellado

O Globo

A repercussão do ato normativo da Receita Federal que determinava o monitoramento das transações com o Pix foi uma vitória maiúscula da oposição sobre o governo Lula. A medida começou a se disseminar empacotada no rumor de que o Pix passaria a ser taxado. Quando parecia que o rumor estava sendo desmentido, num esforço conjunto do governo com a imprensa, um vídeo do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), que atingiu a estonteante marca de 300 milhões de visualizações, deu o golpe fatal na medida. Inconformada com a derrota política, parte da esquerda passou a alegar que o vídeo do deputado era “fake news” e que ele deveria ser punido, até com a cassação. A reação da esquerda, deslocando o debate do âmbito da política para o âmbito jurídico, merece uma reflexão.

vídeo do deputado é simples, persuasivo e bem construído. Ele começa esclarecendo que o Pix não será taxado, mas não descarta que o governo em algum momento venha a fazê-lo. Em seguida, aponta que o monitoramento das transações colocará o trabalhador informal na mira da Receita Federal:

— Nessa maioria de brasileiros [que ganham R$ 6 mil ou menos] — diz Nikolas, — muitos não declaram Imposto de Renda, porque senão não conseguem pagar suas contas. Se é difícil sem declarar, imagina o PT tirando 27,5% do que você ganha. É impossível sobreviver.

Em seguida, repete o argumento de senso comum de que a carga tributária no Brasil é alta, mas que os serviços públicos entregues são ruins.

O vídeo se apoia na imagem do governo Lula como taxador do pobre, uma imagem que a direita vem construindo a partir de episódios como o da cobrança de impostos sobre as pequenas importações (a “taxa da blusinha”). Com um timing perfeito, Nikolas aproveita o burburinho e a inquietação em torno do boato da taxação do Pix, toma a indignação contra a falsa taxação e a reorienta contra a sanha arrecadatória do governo. Um golpe político de mestre.

Evidentemente, é preciso separar a análise da eficácia política do vídeo do juízo sobre o seu conteúdo. O argumento a favor da evasão fiscal é oportunista, vindo de um político conservador que deveria defender o estrito cumprimento da lei. E o velho argumento de que pagamos impostos como na Suíça, mas temos serviços públicos de péssima qualidade, é exagerado e equivocado. Pagamos proporcionalmente impostos altos, e o seu emprego com certeza poderia ser melhor. Porém, damos salário mínimo para os trabalhadores aposentados e saúde e educação básica universal — que não são boas, mas razoáveis. Tudo isso se apoia no pagamento de impostos.

A Suíça não é uma comparação pertinente, já que a renda lá é dez vezes maior do que a brasileira. Se tivéssemos de buscar uma comparação instrutiva, deveríamos olhar para o Paraguai, que tem menos da metade da nossa carga tributária, mas não dispõe de algo como o SUS. Lá, o pobre que fica doente precisa contar com poucos hospitais públicos ou hospitais beneficentes como as Santas Casas e muitas vezes é obrigado a migrar para o Brasil ou para a Argentina para ter atendimento.

Seja lá o que pensemos do mérito do argumento de Nikolas Ferreira, seu vídeo foi obviamente eficaz. E foi um argumento estritamente político, dentro das regras do jogo democrático. Por isso, são completamente despropositadas reações como a da Advocacia-Geral da União, que estuda ingressar com uma ação contra o deputado por “disseminar informações que prejudicaram a reputação” do Pix e da Receita Federal, ou a do grupo de juristas Prerrogativas, que, junto com o PT, estuda pedir a cassação (!) do deputado.

Em 25 de maio de 1969, o atacante Flávio, do Fluminense, recebeu um cartão vermelho numa partida contra o Vasco, pelo Campeonato Carioca. O advogado do Fluminense, José Carlos Vilela, conseguiu na Justiça comum a anulação do vermelho, com o argumento de que era inconstitucional punir alguém sem oferecer direito de defesa. Flávio foi assim escalado para o jogo seguinte, contra o América, e marcou o gol da vitória por 2 a 1. O Fluminense terminou conquistando o Carioca naquele ano. Para se referir ao episódio, a imprensa cunhou a expressão vencer “nos tapetes dos tribunais”, ou, simplesmente, “vencer no tapetão”, usada em oposição à vitória esportiva, no gramado.

A reação de parte da esquerda contra o sucesso político do vídeo de Nikolas lembra o Fluminense de 1969. Às vezes, parece que a esquerda abandonou o jogo de disputar a opinião pública e agora quer sempre vencer a política no tapetão.


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