Correio Braziliense
Existe uma real conexão entre a Casa Branca e
o ex-presidente Bolsonaro, um fã de carteirinha do presidente dos EUA e não
apenas seu aliado
O retorno de Donald Trump à Casa Branca é o
prenúncio de uma era de muitas incertezas na política mundial. Líderes como
Vladimir Putin (Rússia) e Benjamin Netanyahu (Israel) são audaciosos e duros,
porém previsíveis. O novo presidente dos Estados Unidos, que tomará posse nesta
segunda-feira (20), é imprevisível. Trump é visto como uma ameaça à democracia
por grande parcela da opinião pública mundial e divide profundamente a
sociedade norte-americana.
Para o governo do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, essa é uma externalidade muito negativa. Existe uma real conexão
entre a Casa Branca e o ex-presidente Jair Bolsonaro, que se comporta como fã
de carteirinha de Trump e não apenas como aliado. A mídia norte-americanos tem
destacado as relações da direita norte-americana com Bolsonaro, sobretudo da
Califórnia.
A volta de Trump à Casa Branca é um alento para o ex-presidente brasileiro, impedido de disputar eleições por oito anos, porém, com sua base eleitoral ainda robusta. Essa relação é analisada no longo artigo intitulado “Uma história de dois caudilhos”, de Omar G. Encarnación e Charles Flint Kellog, acadêmicos norte-americanos, publicado pela Foreign Affairs, influente revista sobre a política externa dos EUA. Investigado por tentativa de golpe de estado, Bolsonaro foi impedidor de ir a posse do aliado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Sabe-se que Biden teve um papel importante no
plano internacional para frustrar a tentativa de golpe de Estado de 8 de
janeiro. O que teria acontecido com Trump no poder? Um sintoma de que as
relações de Lula com Trump estão sujeitas a muitas armadilhas da direita
norte-americana é a carta do senador republicano Rick Scott ao presidente Lula,
na qual exige que o Brasil repudie os comentários do presidente da Venezuela,
Nicolás Maduro, sobre Porto Rico, durante o chamado “Festival Internacional
Antifascista”, realizado em Caracas, nas comemorações de sua posse ilegítima.
Cascas de banana
“Está pendente a liberdade de Porto Rico, e
nós vamos conquistá-la. Com as tropas do Brasil. E Abreu de Lima na frente.
Batalhão Abreu de Lima para libertar Porto Rico, o que acha?”, declarou um
delirante Maduro, para uma plateia de apoiadores de esquerda de diversos
países, inclusive brasileiros. O citado batalhão é uma unidade da Polícia
Militar de Pernambuco.
Na carta, Rick Scott classificou Maduro como
um “ditador assassino que oprime o povo venezuelano” e afirmou que as palavras
do líder chavista são “uma ameaça perigosa e inaceitável contra os Estados
Unidos”. O republicano cobrou uma posição oficial do governo brasileiro sobre a
fala de Maduro, destacando que o silêncio de Lula poderia ser interpretado como
conivência.
Também republicana, a deputada Elvira
Salazar, representante dos grupos anticastristas de Miami, em linha com o
deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), reverberou a carta no seu Twitter,
em português. O objetivo da conexão entre trumpistas e bolsonaristas é
desestabilizar as relações entre os Estados Unidos e o Brasil, caso Lula
atravesse a rua para escorregar na casca de banana, o que ocorre com certa
frequência ultimamente.
Há evidências de que Trump pretende tutelar
politicamente as Américas, para barrar a crescente influência chinesa, o que
explicaria declarações estapafúrdias sobre a anexação do Canadá, a mudança do
nome do Golfo do México para Golfo da América e a reocupação do canal do
Panamá. É uma mudança significativa, porque a política externa democrata havia
priorizado os conflitos com a Rússia e o Irã e deixara em plano secundário a
velha doutrina anunciada por James Monroe (presidente de 1817 a 1825) em sua
mensagem ao Congresso de 2 de dezembro de 1823: “A América para os americanos”.
Objetivamente, porém, o Brasil não é “top
ten” na hierarquia dos problemas imediatos a serem enfrentados pela Casa
Branca. O cessar fogo em Gaza, o fim da guerra da Ucrânia, a instabilidade na
Síria, o contencioso com o México, a crise institucional da Coreia do Sul e a
guerra comercial com a China são questões mais urgentes, sem falar nos
problemas internos, como os incêndios na Califórnia, a epidemia de opioides
(fentanil) e a situação dos imigrantes.
Entretanto, os riscos existem. Trump ameaça sobretaxar os produtos brasileiros, o que pode ser mortal para nossa indústria, porque os Estados Unidos são nosso maior mercado de exportação de manufaturados. A Venezuela, apesar da distância regulamentar adotada por Lula, continua sendo um tema delicado, por causa de Essequibo, na Guiana, que Maduro ameaça anexar à Venezuela. Além disso, a relação comercial com a China, nosso maior parceiro econômico, que deve se tornar o maior investidor externo, pode escalar as tensões com os EUA. Até agora, felizmente, as ambições expansionistas de Trump não chegaram à Amazônia.
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