Folha de S. Paulo
Trajetória insustentável da economia explica
juros muitos maiores do que se imaginava
Na sexta-feira passada o ministro Fernando
Haddad concedeu longa
entrevista para a CNN.
O ministro foi bem. Teve muita paciência e
respondeu a todas as questões em longos 70 minutos de entrevista.
Defendeu muito bem a agenda de reformas da Receita: a reforma dos impostos indiretos, cuja legislação complementar foi sancionada pelo presidente na quinta-feira (16) passada. Defendeu também as diversas medidas de combate ao planejamento tributário e a reforma do Imposto de Renda, que será enviada ainda no primeiro semestre ao Congresso.
Como em geral os petistas fazem, o ministro
enfatizou a herança maldita na política fiscal. Não parece ser justo com Paulo
Guedes, que passou o bastão com gasto primário e dívida pública —ambos como
proporção do PIB— menores do que em dezembro 2018.
O mau humor do mercado deve-se a três
fatores: 1) a regra de indexação do salário mínimo; 2) a regra de indexação do
gasto mínimo constitucional em saúde e educação; e 3) a constatação, muito
ruim, de que em 2024 a economia teve
que operar com juros muito
maiores do que se imaginava no final de 2023. Nenhum desses três fatos
constituem herança de Temer ou Bolsonaro.
A reindexação do salário mínimo real e dos
mínimos constitucionais foi decisão do presidente Lula. Ele é o
único responsável. E o problema é que essas regras tornam a política fiscal
insustentável. Elas estão associadas ao crescimento do gasto ao longo do tempo
e não ao nível do gasto em um momento do tempo. Indexar o gasto mínimo
constitucional com saúde e educação na evolução da receita corrente líquida é
ainda mais grave se o ajuste fiscal desenhado pelo ministro prioriza
crescimento da receita.
O ministro enfatizou muito o erro de previsão
do mercado em relação ao crescimento econômico. O mercado previa em dezembro de
2022 que o crescimento seria de 2% para o acumulado no biênio de 2023 e 2024 e
foi 7%. Houve um erro de 5 pontos percentuais.
O que o ministro não notou e os jornalistas
não lembraram a ele é que, por consistência, a dívida pública como proporção do
PIB deveria ter sido revista para menor em 3,5 pontos percentuais.
Como houve uma surpresa negativa nos juros,
não houve essa revisão para menor na dívida pública em dezembro de 2024. A
surpresa negativa nos juros é fruto de a surpresa de crescimento ter sido
consequência de uma trajetória insustentável da economia: no biênio 2023-2024 o
crescimento da demanda agregada foi maior do que a economia; as exportações
líquidas caíram; a inflação de serviços cresceu e os salários se elevaram além
do crescimento da produtividade do trabalho.
É a insustentabilidade da trajetória da
economia que explica os
juros maiores do que se imaginava.
Duas boas notícias. O ministro enfatizou que
haverá uma desaceleração da economia no segundo semestre de 2025. Se Lula não
entrar em modo pânico e deixar a política monetária fazer seu trabalho, será
muito bom para o país.
Segunda, o ministro enfatizou que a política
monetária funciona normalmente, e, nas entrelinhas, festejou a independência do
Banco Central. Ótima notícia para o ministro de um partido que há alguns
anos destruiu
a candidatura de um adversário com a fake news de que BC independente retira
a comida das mesas das famílias brasileiras.
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