domingo, 30 de novembro de 2014

Miriam Leitão - A economia do social

- O Globo

Encontrei Joaquim Levy, certa vez, em 2000, animado com um estudo que concluíra com outros economistas do governo. Cumprindo o que a Constituição manda, ele, mergulhado no Orçamento, separava os números: o que era subsídio para empresários e quanto custava. Explicou-me que assim se poderia ver o que restava para os mais pobres nos subsídios e gastos sociais.

O estudo e a longa conversa me renderam uma coluna, uma crônica, e muita reflexão sobre como os mais ricos se apropriam de nacos do dinheiro público exatamente pela falta de transparência, ou pela confusão de rubricas no Orçamento, pelo descontrole. Por isso, quando ele respondeu, durante a entrevista de última quinta-feira, que não se busca “o equilíbrio pelo equilíbrio”, mas para “garantir o avanço social” e permitir à sociedade “o exercício de escolher prioridades”, é disso que ele está falando.

O medíocre debate brasileiro criou conflitos inexistentes, como se já não houvesse suficiente dilema num país tão complexo. Nunca vou entender a suposta esquerda que pensa que a estabilidade é uma agenda da direita. Seja de que lado do campo político a pessoa pense estar, isso é uma questão de lógica: é melhor a estabilidade do que a inflação; a transparência do que a falta de informação; gastos controlados do que descontrolados. Aumentar a despesa com nossos impostos tem que ter hora, lugar e motivo.

O dado que Levy deu na entrevista de estreia é realmente impressionante: um quarto da dívida mobiliária do Governo Federal é o resultado dos repasses para os bancos públicos, principalmente o BNDES. Quantas vezes escrevi que essa sangria era um absurdo e um retrocesso. Voltava-se ao tempo da conta de movimento, em que o Banco do Brasil não tinha limites de gastos porque o Banco Central fazia repasses sequenciais. Foi o que aconteceu com o BNDES de 2008 a 2014.

Nada vai mudar apenas porque Joaquim Levy está no lugar certo, parece afinado com Nelson Barbosa, e o presidente do Banco Central dá sinais de que, afinal, tem companhia. A presidente Dilma precisa deixá-los trabalhar. É preciso que se complete a equipe econômica e quanto mais homogênea ela for, melhor. Levy precisa indicar a equipe de sua confiança, como fez Antonio Palocci em 2003. O lugar-chave é a Secretaria do Tesouro, que nos últimos anos foi uma lamentável oficina de fantasias contábeis.

Não adiantará também o ministro remar para um lado, e os três bancos públicos remarem para outro. Mesmo com os repasses contidos pelo novo ministro, é preciso que os bancos públicos atuem em sintonia com o Ministério da Fazenda.

Não se pode corrigir o rumo pela metade. O risco do qual temos que nos prevenir é grande demais. Se o país perder o grau de investimento, todo o financiamento ficará mais caro. É espantoso que tenhamos aceitado a regressão na escala das agências de risco. Se o Brasil cair mais um degrau para o nível especulativo, tudo ficará mais difícil, principalmente num mundo em que os Estados Unidos estão mais fortes.

Levy enfrentará resistências diárias. Recentemente, numa entrevista que me concedeu, o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, disse que a política econômica que estava sendo exercida havia ganhado a eleição. Mas a que foi anunciada por Levy-Barbosa-Tombini é bem diferente da que vinha sendo praticada.

Haverá muito trabalho pela frente e um longo deserto a atravessar. O crescimento não voltará de forma imediata. O ajuste das contas públicas, mesmo sendo gradual, é forte. O Tesouro sairá de um déficit primário em 2014 para um superávit de 1,2% do PIB.

Joaquim Levy foi uma excelente escolha. Sua experiência é inegável. Além da trabalhar nos governos de partidos diferentes, foi funcionário do FMI, BID e trabalhou no Banco Central Europeu na formação da nova moeda. Mas tudo isso o desqualifica diante de muita gente do governo no qual ele estará inserido.

Uma amiga me enviou mensagem perguntando quem impôs essa mudança ao governo? Respondi que era a realidade, a mais incontornável das conselheiras. Que os conselhos da realidade sejam ouvidos pela presidente para que a estabilidade monetária permita que a agenda social do país permaneça.

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