Assentados os fundamentos da identificação dos autores e beneficiários da torrencial sangria dos cofres da Petrobrás - com a conclusão dos depoimentos em regime de delação premiada do ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa e de seu comparsa, o doleiro Alberto Youssef -, o acerto de contas da Justiça com o maior esquema de corrupção da história da República está em vias de se iniciar. Em breve começarão a ser conhecidas, a caminho da barra dos tribunais, dezenas de protagonistas (fala-se em 70) cujos nomes ainda permanecem à sombra, diferentemente do que se passou com os mais de 20 controladores do clube das megaempreiteiras nacionais que chegaram a ser encarcerados e com os executivos da Petrobrás, seus parceiros no crime continuado. Já não sem tempo, é para os políticos que os holofotes irão se voltar.
O primeiro movimento acaba de ser anunciado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Com base no que a dupla Costa & Youssef entregou - e sem a necessidade, ao que tudo indica, de esperar o que delatarem outros envolvidos que resolveram imitá-los para colher os benefícios similares quando forem julgados -, Janot pretende pedir ainda este ano a abertura dos primeiros inquéritos para apurar as culpas dos parlamentares e outras autoridades públicas que embolsaram a parte que lhes tocava no ultraje. Em geral, sob a forma de comissões destinadas nominalmente aos respectivos partidos, era a paga generosa pela abertura das portas facilmente destrancáveis das diretorias da Petrobrás com as quais os cartéis da empreita firmariam contratos superfaturados - cobrindo, com margens superlativas, o pedágio requerido por intermediários e contratantes.
A sensata ideia do procurador é solicitar ao relator do processo no Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki, o desmembramento dos autos. Serão julgados pela Alta Corte os acusados detentores de foro privilegiado. Dos demais, que não dispõem dessa prerrogativa, se ocuparão os tribunais de primeira instância - salvo se ficar comprovado que tiveram participação direta em eventuais crimes cometidos por políticos. Só então, de todo modo, as delações que embasarem as ações penais deixarão de ser segredo judicial. "O que temos de fazer, dentro do limite do possível, é manter no Supremo aquilo que é do Supremo", adiantou Janot semanas atrás. "Aquilo que não puder ser cindido em razão da prova, no limite fica também no Supremo." A tendência, portanto, é não repetir o "maxiprocesso" do mensalão, que trancou a pauta do plenário do STF por mais tempo do que seria razoável.
Desta vez, tampouco o Ministério Público produzirá uma única e cabal denúncia. A fragmentação poderá acelerar a análise dos casos. De qualquer forma, o acionamento das engrenagens da Justiça será lento, a princípio. Antes de encaminhar os seus pedidos ao ministro Zavascki, por exemplo, o procurador-geral terá de esperar que ele homologue o teor das delações premiadas. Youssef fechou o seu depoimento apenas na última terça-feira - e foram mais de 100 horas de revelações a serem conferidas. Janot adotou também uma posição sensata diante dos pedidos para que fossem invalidados os atos do juiz federal do Paraná, Sergio Moro, relacionados com a Operação Lava Jato. Alegou-se que, tendo os delatores citado políticos, os autos deveriam ser remetidos de pronto ao Supremo. Janot esclareceu que as menções a eles não integram os processos em curso no Paraná.
Respeitada, evidentemente, a cadência dos ritos processuais, quanto antes puderem ser conhecidos os nomes desses políticos, melhor para todos. Sairão de cena os vazamentos das informações que teriam sido prestadas pelos delatores. O uso do condicional se justifica. O público, destinatário último dos repasses à imprensa, não tem como avaliar se a fonte anônima está jogando limpo quando sopra que o ex-diretor Gosta ou o doleiro Youssef apontaram tais ou quais mandatários como envolvidos no saque da Petrobrás; a motivação do vazador é obscura. O público tampouco pode avaliar se os citados têm de fato culpa em cartório - delação premiada não é prova objetiva nem necessariamente sinônimo de verdade.
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