- Folha de S. Paulo
A clássica coleção de ensaios "Sobre Fotografia", da americana Susan Sontag, discorre entre outras coisas sobre uma certa amortização de sentidos que a repetição "ad nauseam" de imagens chocantes provocaria sobre o público.
Algo muito parecido ao que a publicação de 1977 descreve ocorre no Brasil hoje. Escândalos em sucessão parecem tirar a perspectiva do todo. Cifras bilionárias, como as do caso Petrobras, sugerem nos levar para uma apatia sem fim.
Isso ocorre no jornalismo. "Só roubaram R$ 5 milhões? Não vale destacar muito" é uma frase verossímil numa fictícia conversa entre editor e repórter --como se qualquer um deles fosse, salvo raras exceções, ter acesso a tal quantia algum dia.
Assim, seguindo a cartilha de Sontag, vivemos um "voyeurismo crônico" com a bizarrice reinante. O risco é óbvio: os espertos podem se safar.
Veja o caso dos deputados André Vargas (ex-PT-PR) e Luiz Argôlo (SDD-BA). Eles muito provavelmente se livrarão da cassação de seus mandatos, podendo assim manter seus direitos políticos intactos ao fim do ano legislativo, em dezembro.
Ambos foram envolvidos nos rolos do doleiro Alberto Youssef. Tiveram sua cassação recomendada, após manobras diversas e longa procrastinação que nada teve de inocente, pelo Conselho de Ética da Câmara.
E agora? Por "falta de tempo", os dois têm tudo para passar o Natal em casa como ex-deputados com ficha limpa no Congresso --se assim permanecerão na Justiça, isso só o tempo dirá. O fato de serem peixes aparentemente pequenos no oceano de malfeitos revelado parece os relegar a um conveniente espaço lateral.
Pouco antes de morrer, em 2004, Sontag refletiu sobre as imagens da morte nas guerras após o 11 de Setembro e fez uma retratação parcial de suas visões do "Sobre Fotografia". Talvez ainda esteja em tempo de algum revisionismo permear as reações às roubalheiras e afins por aqui.
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