domingo, 28 de abril de 2013

Inflação alta traz de volta fantasma da indexação

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff tem dito a interlocutores que está preocupada com o risco de uma volta generalizada da indexação na economia. Esse é um problema do qual o Brasil nunca conseguiu se livrar totalmente e que tende a crescer em momentos como o atual, em que a inflação está alta e resistente. O maior temor da presidente é que, para se proteger da forte alta dos preços, os agentes econômicos comecem a transferir automaticamente para produtos e serviços as perdas provocadas pela inflação passada. Isso reduz fortemente o poder de compra da população e torna mais difícil fazer os índices de preços convergirem para as metas estabelecidas pelo governo.

A inflação tem se mantido bem acima do centro da meta, que é de 4,5% (com uma margem de tolerância de dois pontos percentuais para cima ou para baixo). O IPCA fechou 2012, por exemplo, em 5,84%. Até março, o índice acumulado em 12 meses estava em 6,59%, estourando o teto da meta. Os técnicos da área econômica esperam que a inflação recue em abril e maio, mas preveem um repique em junho, quando deve ocorrer uma série de reajustes nos setores de saúde e transporte, serviços que hoje já são indexados.

Os técnicos admitem e analistas do setor privado afirmam que o governo federal tem responsabilidade na indexação da economia, considerando a grande quantidade de itens que têm preços monitorados e corrigidos de acordo com a inflação passada e com percentuais estabelecidos pelo setor público. São exemplos o salário mínimo (que tem o Produto Interno Bruto e a inflação como referências para o reajuste), os planos de saúde e o petróleo.

Segundo o ex-diretor do Banco Central (BC) Carlos Thadeu de Freitas, quando a sociedade tem a expectativa de que os preços vão continuar subindo, começa a se antecipar a esse movimento, criando um efeito em cascata:

- Isso fica muito claro no setor de serviços. Os prestadores tentam se proteger da inflação repassando a alta já ocorrida para os preços.

Atitude do BC é fundamental

Freitas destacou que os serviços têm sido, com os alimentos, os maiores vilões da alta dos preços. Em março deste ano, por exemplo, o IPCA teve alta de 0,47%. Entre os serviços, o item empregado doméstico subiu 1,53% no mês e representou o maior impacto individual sobre a inflação mensal: 0,06 ponto percentual. Segundo o ex-diretor, é importante que o BC deixe claro para o mercado que não é leniente com a inflação e que vai usar os juros para fazer o índice voltar para o centro da meta.

- O recado tem que ser firme. Se o BC sinalizar que a inflação vai permanecer alta por um período mais longo, vai alimentar a indexação - disse ele.

Ex-presidente do BC em uma das fases mais críticas da economia brasileira, no início dos anos 80, o economista Carlos Langoni, da Projeta, diz que a volta da indexação generalizada seria um retrocesso tão grave que ele prefere nem considerar. Segundo ele, após uma longa história de hiperinflação, o Brasil conhece bem o elevado custo econômico e social causado pelo que chamou de "esquemas sofisticados de indexação":

- O efeito regressivo do imposto inflacionário nunca foi neutralizado pela indexação. Ou seja, essa combinação virtuosa dos últimos dez anos entre crescimento e redução de desigualdade simplesmente não ocorreria. Os programas de transferência de renda perderiam sua eficácia e a nova classe média sofreria um envelhecimento precoce.

Langoni defende a redução da meta de inflação anual para 3,5% e o fim da indexação residual ainda existente em aluguéis, contratos de serviços em geral, salário mínimo, tarifas e até títulos públicos. Paralelamente, seria preciso restabelecer as bases de um ajuste fiscal sustentado e de melhor qualidade, o que passaria por uma reforma tributária:

- Não é difícil avançar para esse novo e superior estágio. O fator chave seria um choque de expectativas com a independência informal do BC. Um cenário de indexação e volta ao passado não seria nada brilhante para nossa economia.

Clima de desconfiança

Para o economista Alcides Leite, da Trevisan, o momento é crucial. Com a taxa anualizada em cerca de 6%, mas sem o nível de expectativa que existe hoje, não haveria problema. No entanto, alertou, se a inflação continuar subindo e chegar a dois dígitos a indexação será inevitável:

- É como ingerir bebida alcoólica. Se você toma uma cervejinha, não tem problema. Mas não pode ultrapassar o limite da tolerância, senão perde o controle.

O presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro, Antenor Barros Leal, diz que o clima de desconfiança provocado pela intervenção do Estado na economia estimula a inflação. Ele citou a intervenção no setor elétrico no ano passado.

Para um interlocutor do governo, o momento é ruim para falar de desindexação:
- O momento bom é quando a inflação está baixa. Quando está alta, não se pode mexer no bolso do cara que cobra aluguel corrigido por um índice.

Fonte: O Globo

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