quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Não há riscos novos, mas bolsas começam ano mal: Editorial | Valor Econômico

As bolsas internacionais iniciaram o ano do jeito que terminaram 2018 - com perdas. O pessimismo dos investidores se intensificou, assim como a sensação de que a economia americana caminha com mais rapidez para a recessão. Não há riscos novos no horizonte e sim uma reapreciação de até onde pode ir o ciclo de altas dos juros pelo Federal Reserve, de até que ponto a economia da China poderá desacelerar, dos possíveis transtornos à frente com o mal parado Brexit e as estripulias fiscais da Itália, sob comando de uma inédita aliança entre anarquistas e a extrema-direita e da extensão e duração da guerra comercial declarada pelo presidente Donald Trump à China.

Os indicadores mais recentes confirmam a desaceleração na China, nos EUA e na zona do euro, embora os números, principalmente os dos Estados Unidos, não sejam unívocos. Na semana passada, o índice de gerente de compras americano recuou ao menor nível desde novembro de 2016, mas as estatísticas da ADP mostraram que contratação de mão de obra disparou em dezembro. Os mercados, no entanto, estão precificando mais pessimismo. Nos contratos futuros, os investidores apontam que há pelo menos 60% de chance de que o Fed interrompa a alta dos juros durante todo o ano, enquanto cresce (mais de 30%) a expectativa agora de que o Fed reduzirá os juros.

Muito do que vai acontecer depende da China. Se o comportamento das ações têm algum significado ele mostra que as perspectivas econômicas do país tornaram-se incertas. Com perda de valor de 25%, as bolsas chinesas tiveram o pior desempenho entre suas congêneres globais em 2018. Para evitar uma abrupta perda de dinamismo e amortecer a desaceleração, o Banco Central chinês já reduziu compulsórios várias vezes e a taxa de juros, algo que lhe foi permitido pela inflação cadente (2%) e pela necessidade de injetar liquidez na economia para estimular os negócios.

O governo chinês cortou impostos para incentivar o consumo e acionou a alavanca dos investimentos em infraestrutura, sempre utilizada para sustentar o padrão de crescimento almejado pelo Partido Comunista. A mudança das fontes de dinamismo da economia, do investimento para o consumo, reduziria de qualquer forma a expansão, mas a ela se agregou a guerra tarifária de Trump, cujas consequências sobre o setor exportador e importador da China se fizeram sentir de forma mais acentuada no último trimestre do ano. Há mais ameaças de tarifas sobre US$ 200 bilhões em importações de produtos chineses pelos EUA se não houver um acordo em 90 dias entre os dois países, e dúvidas pertinentes sobre se ele será mesmo alcançado.

A chance de um pouso forçado da economia chinesa é remota. A dívida pública é de 35% do PIB (embora a privada seja o quádruplo disso) e o governo tem um bom espaço para estimular a economia ainda, ampliando seus débitos com dinheiro barato (Yu Yongding, Valor, 3 de janeiro). O renmimbi encostou em 7 por dólar e pode se desvalorizar mais, opção que o comando econômico reluta em permitir.
Pelo papel central da China na Ásia, a guerra comercial de Trump está atingindo também os fornecedores das cadeias produtivas chinesas. Não só os índices dos gerentes de compras da indústria chinesa foram ruins - estão na fronteira da contração, com queda forte de novas encomendas -, mas também os da Malásia, Filipinas, Taiwan e Vietnã.

Nos EUA, as consequências do aumento do protecionismo aparecerão com mais força agora. Não apenas o mercado chinês é importante para as empresas americanas, como porque os custos de produção de vários setores nos EUA estão subindo e comendo a rentabilidade. Em 2018, os lucros das companhias abertas aumentaram 20,5%, mas as expectativas para 2019 se reduzem a 8,3%. Essa evolução explica porque as bolsas americanas estão murchando, mas também indica que, com essa bem razoável lucratividade e com o mercado de trabalho aquecido, a economia americana dificilmente mergulhará tão logo em uma recessão.

Com o fim dos enormes estímulos monetários, 10 anos após a crise financeira de 2008, a volta à normalidade traz naturalmente muita incerteza. O ciclo de crescimento dos EUA é um dos mais longos, mas nunca houve tamanha e tão duradoura injeção de recursos na economia. A recessão pode não bater às portas. Ou, por outro lado, se a economia americana entrar em recessão com juro a apenas 2,5%, será sinal funesto de que o mundo pós-crise é mais frágil do que nunca.

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