- O Globo
Em seus escritos e no discurso de posse, o novo chanceler, Ernesto Araújo, expressou uma posição de extrema direita. Sustenta que o Ocidente está em decadência e que só os EUA podem salvá-lo, sob a liderança de Trump. Pinta a ordem internacional como adversa ao Brasil e à sua soberania. Essa ordem “globalista” visa a desfazer as nações e impor um mundo avesso a Deus. Cita como governos verdadeiramente nacionalistas, além dos EUA, Israel, Itália, Polônia e Hungria —regimes onde, observo, a democracia está sendo substituída por duras autocracias. Nada que sirva de modelo para o Brasil. Com a adesão agora do Brasil de Bolsonaro, parece estar se formando uma espécie de “Internacional” da extrema direita.
Em outro plano, Ernesto Araújo fez tábula rasa de gerações de diplomatas, ao expressar duras críticas aos colegas, que descreveu como narcisistas, elitistas e alienados do país, afastados do povo. Enganou-se o chanceler. O Itamaraty é hoje composto por gente proveniente das mais variadas regiões e extratos sociais. É também racialmente diverso. E o ministério é ativo, através da diplomacia pública, no sentido de abrir-se à sociedade com o objetivo de atender aos anseios da população e fazer da política externa algo inclusivo, transparente e participativo, com prestação de contas à sociedade e recepção de comentários, críticas e sugestões.
Uma coisa é o Itamaraty integrar a elite do serviço público. Outra seria ter os diplomatas a comportarem-se como uma elite social afastada do povo, o que não é o caso.
Com o ideário apresentado pelo chanceler, a política externa sofrerá processo de retração, de encolhimento. Importantes postulados dessa política serão erodidos ou abandonados: o multilateralismo, os direitos humanos, a sustentabilidade, o apoio às Nações Unidas e aos organismos a ela vinculados. E o Brasil adotará posição defensiva em relação ao sistema internacional. O país até agora não tem sido passivo perante a ordem internacional. Ao contrário, atua intensamente para ajudar a configurar essa ordem através de mecanismos como o G-20, a Organização Mundial do Comércio, o Brics e outros foros regionais e multilaterais.
Ernesto Araújo critica o fato de os colegas acompanharem o noticiário da imprensa internacional, como, entre outros, a CNN, o “New York Times”, a revista “Foreign Affairs”. Ora, os diplomatas assim agem por estrita necessidade funcional. Na velocidade em que hoje se desdobram os acontecimentos internacionais, é importante seguir as notícias a cada momento. Isso não implica alheamento em relação ao que ocorre no Brasil.
Além do encolhimento da política externa, o Itamaraty será diminuído em seu status, devido à movimentação informal que paralelamente conduzem os filhos e outros colaboradores do presidente em seus esforços de aproximação com outros governos, partidos políticos e entidades ativas no ideário da extrema direita. O próprio Brasil terá reduzida sua presença internacional, devido a uma política de subserviência aos Estados Unidos.
O chanceler fala em “libertar” o Itamaraty das amarras da ideologia de esquerda, mas não percebe que está a embarcar numa política altamente ideológica pelo lado da direita.
Nisso tudo, é pena que o presidente da República, tão cioso da hierarquia militar, tenha optado por romper com a hierarquia do Itamaraty. A esse gesto inicial se seguirão outras instâncias de subversão da hierarquia do ministério —com o resultado de debilitar a instituição e desestimular seu corpo de diplomatas.
*Roberto Abdenur é embaixador aposentado e foi secretário-geral do Itamaraty
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