Discursos de posses são geralmente listas de desejos que servem de indicação das intenções do seu autor. Mas elas podem ou não se concretizar
A radicalização política e o choque entre Poderes tornou a sucessão em qualquer um deles um movimento de muita importância, a ser observado com atenção. A troca de guarda no Judiciário, que tem amparado os golpes do presidente Jair Bolsonaro, mais ainda. Luiz Fux, agora contaminado pela covid-19, assume o cargo de Dias Toffoli, e algumas mudanças de rumo tornaram-se possíveis, ainda que possam vir a se frustrar.
No discurso de posse de Fux chamou a atenção a promessa de ser “deferente” com o Executivo, embora tenha acrescentado que isso não significava subserviência. O compromisso com a deferência é coerente com o perfil de Fux, considerado em geral conciliador - foi o ministro aprovado com o maior número de votos (68) no Senado até agora. Mas não deve perseguir o diálogo a qualquer custo.
As ações de Fux criam expectativa após a gestão tortuosa de Dias Toffoli, criticado nos últimos meses por ter sido excessivamente compreensivo com o governo, mesmo após o episódio de maio, quando o presidente Jair Bolsonaro atravessou a Esplanada dos Ministérios com ministros e um grupo de empresários para pressionar o STF a favor da flexibilização das medidas de quarentena nos Estados. Toffoli desenhou um pacto entre Poderes que seria impossível sem a anulação do Judiciário como instância julgadora de ações dos outros Poderes, garantidora da democracia.
A Lava-Jato está sendo alvo de ataques generalizados, por bons e também maus motivos, e essa é uma aresta que terá de ser aparada por Fux. O ministro é conhecido pela defesa da operação e, em seu discurso, defendeu o combate à corrupção, ao crime organizado e à lavagem de dinheiro como um dos cinco eixos de atuação que pretende trilhar. Os outros quatro são a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente; a garantia da segurança jurídica para otimização do ambiente de negócios no Brasil; o incentivo ao acesso à justiça digital; e o que chamou de fortalecimento da vocação constitucional do Supremo.
Já Dias Toffoli não era simpático à operação. Há, no entanto, uma distância entre o que Fux deseja fazer e o que realmente pode fazer, dada a divisão interna do STF - e isso vale para todos assuntos. A divisão fica clara na Segunda Turma do STF, responsável por uma série de decisões envolvendo a Lava-Jato no tribunal, onde a ausência por motivos de saúde de Celso de Mello tem causado problemas ao relator da Lava-Jato, Edson Fachin. Apesar do apoio de Cármen Lúcia, Fachin tem enfrentado oposição dos outros dois membros, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. O empate favorece o réu em ações penais e isso já aconteceu em caso que contraria até entendimento anterior da Corte.
Celso de Mello aposenta-se em novembro e especula-se que Dias Toffoli, que tecnicamente deve ir para a Primeira Turma, de onde veio Fux, pedirá para ocupar o lugar de Mello, reforçando os votos de críticos à Lava-Jato. Uma saída para Fachin seria levar os temas da operação para o plenário, onde poderiam ser pautados por Fux. Mas a repetição da conhecida manobra pode despertar críticas dos demais ministros.
Além disso, a realização das sessões virtuais, que ganharam espaço com a pandemia, introduziu uma nova dinâmica que afeta os reais poderes do presidente do Supremo. Antes, ele definia a pauta após liberação pelo relator. Agora os relatores são livres para enviar seus casos ao plenário. O mecanismo está previsto para durar até dezembro. Muitos acreditam que será prolongado de alguma forma porque agilizou os julgamentos.
Um ponto positivo foi Fux ter divulgado, como Toffoli, a pauta de julgamentos previstos até o fim do ano. Há temas importantes como a divisão dos royalties do petróleo, a nova lei trabalhista e alguns caros ao governo como “ideologia de gênero” nas escolas. Herda ainda pautas espinhosas, como a suposta interferência de Bolsonaro na Polícia Federal e o inquérito das fake News. Há a expectativa de que Fux se concentre em temas econômicos e fiscais, tangenciando polêmicas. Fux tem a fama de corporativista, que se firmou com a decisão a favor do auxílio-moradia para os juízes, mantido por quatro anos até a sanção de reajuste para o STF.
Discursos de posses são geralmente listas de desejos que servem de indicação das intenções do seu autor. Mas elas podem ou não se concretizar, dependendo das condições práticas e da correlação de forças de cada momento, especialmente em um espaço poderoso como o STF.
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